DIREITO DO CONSUMIDOR EM ANGOLA [Trabalhos Feitos Navegante]
DIREITO DO CONSUMIDOR EM ANGOLA
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 3
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................................................... 4
2.1 DIREITO DO CONSUMIDOR – CONCEITO ............................................................................ 4
2.1.1 CONSUMIDOR .......................................................................................................................... 4
2.1.2 FORNECEDOR.......................................................................................................................... 5
2.1.3 BEM ............................................................................................................................................. 7
2.1.4 SERVIÇO .................................................................................................................................... 7
2.2 DEFESA DO CONSUMIDOR ...................................................................................................... 8
2.2.1 A PROTECÇÃO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR EM ANGOLA .............................. 9
2.3 DELIMITAÇÃO DO CONCEITO DE PRINCÍPIOS ................................................................. 10
2.4 IMPORTÂNCIA DO DIREITO DO CONSUMIDOR ................................................................ 11
2.5 CUIDADOS MÍNIMOS AO APRESENTAR UMA RECLAMAÇÃO ...................................... 13
2.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................... 14
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 15
1. INTRODUÇÃO
Qualquer que seja o status ou papel social que cada um de nós desempenhe nesta sociedade, a verdade é que somos todos consumidores. Consumir é, cada vez mais, uma atitude permanente e emergente do homem, sem a satisfação das quais não vive, pelo menos plenamente. A protecção ao consumidor em Angola, é um direito consagrado no artigo 78.º da Constituição da República onde estipula que, “O consumidor tem direito a ser protegido no fabrico e fornecimento de bens e serviços nocivos à saúde e a vida, devendo ser ressarcido pelos danos que lhe sejam causados”. O presente trabalho tem como desígnio discutir as bases constitucionais que funda-mentam a tutela dos direitos do consumidor (angolano), bem como analisar sua evolu-ção histórica e desvendar sua natureza jurídica.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 DIREITO DO CONSUMIDOR – CONCEITO
O Direito do Consumidor é um ramo do direito que lida com as coisas de consumo e com a actuação dos direitos dos interessados. Se encontra desenvolvido na maior par-te dos países com sociedades de notável e sistemas legais funcionais. Entretanto, devemos de uma forma coesa, atribuir os reais valores aos consumidores, reconhe-cendo as falcatruas e beligerantes atitudes de muitos fornecedores, principalmente no reino animal e vegetal quanto as condições dos vários produtos fornecidos aos consu-midores. O capítulo I dos princípios gerais da Lei da Defesa do Consumidor (Angola) no Artigo 3º alíneas 1-4, reza:
1. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica a quem sejam fornecidos bens e serviços ou transmitidos quaisquer direitos e que os utiliza como destinatário final, por quem exerce uma actividade económica que vise a obtenção de lucros.
2. Fornecedor é toda a pessoa física ou jurídica. Pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem activida-des de produção, montagem, criação, construção, transportação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de bens ou prestação de serviços.
3. Bem é qualquer objecto de consumo ou um meio de produção, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
4. Serviço é qualquer actividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive às de natureza bancária, financeira, crédito e securitária, excepto as decorrentes das relações de carácter laboral.
2.1.1 CONSUMIDOR
O consumidor é conceituado no artigo 3º do nosso Código de Defesa do Consumidor (CDC). Para ele, consumidor “é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Existem duas correntes doutrinárias que se dedicam ao tema, a teoria finalista e a teo-ria maximalista. O Código de Defesa do Consumidor brasileiro adopta a teoria finalista. Porém verifiquemos um pouco das duas teorias. Em linhas gerais, a teoria finalista é restritiva, ela sugere um conceito económico de consumidor. Para ela, não basta ser o destinatário final fáctico ou adquirente do bem ou serviço, o consumidor deve ser aquele que é o destinatário final económico do bem ou serviço. A utilização do bem ou serviço deve ser para o atendimento da necessidade privada, não podendo ser reutilizado, de forma directa ou indirecta, o bem ou serviço no processo produtivo. Consumidor aqui é o consumidor não profissional. Para essa teoria a qualidade das partes é critério para identificar o consumidor.
Segundo Zanetti (2009): ...a pessoa jurídica aqui pode ser consumidora, desde que destinatária final fáctica e económica e que ainda preencha os seguintes requisitos: não detenha a pessoa jurídica intuito de lucro, isto é, não exerça actividade económica, o que ocorre com as fundações, associações, entidades religiosas, sindicatos, partidos políticos; ou caso tenha a pessoa jurídica adquirente ou utente intuito de lucro, duas circunstâncias, cumuladamente, devem estar presentes: (a) o produto ou serviço adquirido ou utilizado não possua qualquer conexão directa ou indirecta, com a actividade económica desenvolvida, e (b) esteja demons-trada a sua vulnerabilidade ou hipossuficiência (fáctica, jurídica ou técnica) perante o fornecedor.
A teoria maximalista ou objectiva, também em linhas gerais, adopta um conceito jurídi-co-objectivo de consumidor, dando uma interpretação ampla a destinatário final. Para esta teoria, ele encerra objectivamente a cadeia produtiva. Para ela não importa a fina-lidade do ato de consumo. Para Rollo: Acidentes de consumo são os eventos danosos decorrentes das relações de consumo. Haverá acidente de consumo toda a vez que ocorrerem danos que ultrapassem a esfera do produto ou serviço, ou seja, características que não se limitem a torná-los impróprios ao consumo, inadequados ao consumo, a dimi-nuírem o seu valor ou a implicarem em disparidade com a oferta, informação, etc.
2.1.2 FORNECEDOR
O fornecedor é conceituado pelo artigo 3º, caput, do nosso Código de Defesa do Con-sumidor. Através da leitura do caput desse artigo já é possível se verificar o que é um fornecedor, nos dá um panorama das pessoas enumeradas como fornecedoras. O caput do referido artigo, mencionado já acima, diz o seguinte: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem actividades de produção, montagem, cria-ção, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercializa-ção de produtos ou prestação de serviços.” Portanto, fornecedores podem ser pessoas físicas ou jurídicas, desde que capazes e também os entes desprovidos de personalidade.
O termo utilizado no referido artigo, actividade, refere-se ao seu sentido tradicional. É possível haver actividade típica e actividade eventual. Um exemplo é o de que um comerciante, em seu estabelecimento, exerce uma actividade descrita no seu estatuto, sua actividade típica, porém, diversas vezes, também exerce actividades eventuais, actividade diversa da prevista em seu estatuto. No caso de uma pessoa física, ao exer-cer uma actividade atípica ou eventual, quando praticar actos de comércio ou indústria, a exemplo de um estudante que compra e revende lingerie para poder pagar seus estudos, isto o caracteriza como fornecedor perante o CDC, porém se ele somente revender seu produto no período natalino, ainda assim é considerado fornecedor, trata-se de actividade comercial.
O termo actividade é importante pois, a partir dele, é possível designar um dos pólos da relação jurídica de consumo, o fornecedor, assim como é possível definir se haverá ou não relação de consumo, porém não devemos esquecer que do outro lado deve estar o consumidor, que será conceituado mais adiante, porque, é possível que um comercian-te mesmo fazendo venda e não se caracterize como fornecedor, pois pode não haver o consumidor no outro pólo da relação, ou que mesmo sendo comerciante, pratique uma venda que não diga respeito à sua actividade habitual. Um exemplo é o de uma loja, que para adquirir novos computadores para trabalhar, vende seus antigos. Nessa ven-da ela não é caracterizada como fornecedora, pois não é sua actividade habitual ven-der computadores ainda que se verifique um destinatário final no outro pólo da relação.
Dessa forma, não haverá relação de consumo. Para Nunes (2009): “A simples venda de activos sem carácter de actividade regular ou eventual não transforma a relação jurídica em relação jurídica de consumo. Será um ato jurídico regulado pela legislação comum civil ou comercial.” Outro exemplo seme-lhante é o de uma pessoa física que vende seu carro usado. Não importa quem o adquira, não haverá relação de consumo, pois o sujeito não será caracterizado como fornecedor. Tal situação será regulada pelo direito comum civil.
Qualquer pessoa jurídica pode ser considerada fornecedora, independente de sua con-dição ou personalidade jurídica. Ao explicitar no artigo 3º que “fornecedor pode ser pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como entes despersonalizados”, o legislador quis, segundo Nunes, certificar-se de que nenhuma pessoa jurídica fugisse da hipótese legal, pois se colocasse apenas pessoa jurídica, teria o mesmo resultado. Segundo Zanetti: “O fornecedor pode ser uma pessoa física ou jurídica, não importando seu por-te. A qualidade de fornecedor não se esgota na qualidade de empresário. A qualidade de empresário desaparece em proveito daquela mais ampla que é do fornecedor.
O empresário é absorvido pela qualidade de fornecedor. Da mes-ma forma o é o banqueiro, o profissional liberal, o segurador, o importador, o exportador (...)” (ZANETTI, 2009) A o artigo já mencionado, também refere-se ao ente despersonalizado. Logo remete-mos à massa falida por exemplo, pois uma pessoa jurídica após falir, pode deixar pro-dutos e serviços no mercado, que continuarão, sob a égide do Código de Defesa do Consumidor. Pode também ser ente despersonalizado a pessoa jurídica de fato, segundo Nunes (2009), aquelas que, sem constituir uma pessoa jurídica, desenvolvem, de fato, activi-dade industrial, comercial, de prestação de serviços etc. Pode também a pessoa física ser identificada como fornecedora, não foge a regra o profissional liberal, assim como aquela pessoa que exerce actividade eventual ou roti-neira de venda de produtos apesar de não se figurado como pessoa jurídica. Um exemplo desse ultimo caso é o do sujeito que compra e vende carros seguidamente apenas para auferir lucro. O que interessa é que em ambos os casos o sujeito se figura como fornecedor. Agora, cabe conceituar o que é produto e o que é serviço segundo o Direito do Consu-midor.
2.1.3 BEM
Foram conceituados o consumidor e fornecedor, porém uma relação de consumo, con-forme já dito, é aquela em que um dos pólos é o consumidor e o outro o fornecedor, ambos transaccionando produtos e serviços. Portanto cabe agora conceituar o que é produto e o que é serviço. Comecemos com bem ou produto. Nosso Código de Defesa do Consumidor definiu produto no parágrafo terceiro do artigo 3º. Segundo este artigo, bem ou produto é qualquer objecto de consumo ou um meio de produção, móvel ou imóvel, material ou imaterial. A utilização do termo móvel ou imóvel, nos remete ao mesmo significado adoptado pelo Código Civil. Interpretando de forma sistemática podemos observar também como qualquer bem durável e não durável, por força do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor. Ao utilizar o termo imaterial, a lei busca compreender toda e qualquer relação de con-sumo existente, por isso fixou no texto da lei, termos genéricos, para que possa carac-terizar, por exemplo, relação de consumo em actividade bancária.
Os termos durável e não durável aparecem no artigo 26, incisos I e II. Durável é aquele produto que não se extingue com o uso. É um produto que demora mais para se des-gastar. Porém o produto durável não significa ser um produto eterno, é importante ter isto em mente, pois com o tempo, ao menos diminui sua capacidade de funcionamento, importante ao se falar em vício de produto, o desgaste natural não é vício do produto. Não durável, por sua vez, é aquele produto que se acaba com o uso, um exemplo típi-co são os alimentos. Além desses tipos de produto temos também o chamado produto gratuito ou “amostra grátis”, o termo não se remete apenas a produto mas também a serviço, está no pará-grafo segundo do artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor. O referido artigo diz apenas que para estes produtos o Consumidor está liberado de qualquer pagamento. A relevância do produto gratuito é que ele também está submetido a todas as exigências de qualidade, garantia, durabilidade, protecção contra vícios e etc.
2.1.4 SERVIÇO
Serviço está conceituado no parágrafo quarto do artigo 3º do nosso Código de Defesa do Consumidor. É qualquer actividade prestada no mercado de consumo, o legislador tentou definir da forma mais completa possível. O rol trazido no referido parágrafo visa dirimir qualquer dúvida no que diz respeito à relação de consumo no que se refere aos serviços ali mencionados. Tentou o legislador se precaver de que bancos, financeiras e empresas de seguro conseguissem fugir do âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Para Nascimento (1991), “serviço é a prestação de actividade, é o laborar em favor de outrem.”
Sendo assim, serviço é actividade que tem em vista uma finalidade. Podem existir os serviços duráveis, isto é, contínuos como por exemplo os serviços educacionais e podem existir serviços não duráveis, aqueles que somente são prestados uma vez como por exemplo serviço de hospedagem. Entende-se como duráveis aqueles serviços que tiverem uma continuidade no tempo em virtude de uma estipulação contratual, como exemplo temos os serviços educacio-nais, e também aqueles que deixarem como resultado um produto, como por exemplo o serviço de instalação de uma carpete.
A lei, no parágrafo quarto do artigo 3º exclui os serviços do tipo trabalhista da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois a relação estabelecida neste âmbito é dife-rente da relação estabelecida na relação de consumo, já no que se refere à exclusão por não remuneração trazida pelo referido parágrafo, quer dizer o legislador que nada é gratuito no mercado de consumo, um exemplo é que se um restaurante não cobra por um cafezinho, embute o valor no preço dos outros produtos. Por isso ao falar do termo remuneração, não significa ao preço cobrado mas sim como que haja qualquer tipo de cobrança de forma directa ou indirecta, só é excluído o serviço que realmente não haja remuneração. “Serviço é bem destituído de circulabilidade, porque seu ciclo económico, por natureza, é bifásico: não existe a etapa intermediária da distribuição.
O serviço é algo cujo fornecimento opera-se simultaneamente ao consumo. Não há sen-tido falar em destinatário final, vez que todo e qualquer beneficiário de serviço é, necessariamente, não apenas o último, mas o único destinatário”. (Andrade, 1995) O artigo 3º do nosso Código de Defesa do Consumidor, incluiu no rol de fornecedores a pessoa jurídica pública, logo o serviço prestado pela pessoa jurídica pública será de carácter público, e o prestado pelo ente privado será considerado serviço de carácter privado.
2.2 DEFESA DO CONSUMIDOR
A defesa do consumidor é a actividade de protecção do consumidor através da divul-gação de informação sobre a qualidade dos bens e serviços e através do exercício de pressão sobre as entidades públicas com o objectivo de defender os direitos dos con-sumidores. A defesa do consumidor não se baseia apenas na punição dos que praticam ilícitos e violam os direitos do consumidor, como também na conscientização dos consumidores de seus direitos e deveres e conscientizar os fabricantes, fornecedores e prestadores de serviços sobre suas obrigações demonstrando que agindo correctamente eles res-peitam o consumidor e ampliam seu mercado de consumo contribuindo para o desen-volvimento do país.
Os princípios que regem a defesa do consumidor norteiam-se pela boa-fé do adquiren-te e do comerciante, uma vez que a publicidade pode estabelecer os liames de seu exercício. Caso a publicidade seja enganosa o consumidor tem direito à justa repara-ção, da mesma forma que terá direito à venda conforme o anunciado. A respeito do tema publicidade enganosa, esta se trata de assunto de interesse público, pertencendo ao ramo dos direitos difusos de carácter meta-individual.
2.2.1 A PROTECÇÃO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR EM ANGOLA
Atendendo que a defesa do consumidor é um direito consagrado na nossa Constitui-ção, achamos por bem redigir esta breve reflexão em torno do assunto e para perce-bermos melhor o tema nos dias de hoje, começamos por com breve resumo da evolu-ção histórica. A protecção do consumidor tem progredido em consonância com o desenvolvimento das sociedades.
Registos históricos, como o Código de Hamurábi, aponta para a exis-tência de regras que obrigassem por exemplo, se um Empreiteiro construísse uma casa cujas paredes não estivessem em condições, a reconstruí-la às suas próprias expensas. Na prevenção aos ilícitos contra á saúde pública, em França, publicou-se a Lei de 1 de Agosto de 1905, que reprimia as adulterações de produtos alimentares. Em 1906, nos Estados Unidos, decretou-se pela primeira vez duas normas administra-tivas. Uma que determinava a fiscalização de carne e outra regulava a comercialização dos alimentos e medicamentos. Os primeiros indícios de atenção global da defesa do consumidor, começaram em 1960, com a fundação pelas associações de consumidores dos Estados Unidos, Holanda, Austrália, Bélgica e Reino Unido, a IOCU- International Office of Consummers Union. E como já foi mencionado em 15 de Março de 1962, foi instituído o dia mundial do consumidor.
Em Angola, a protecção ao consumidor parte do Código Penal de 1886, ainda vigente, onde disposição sobre o assunto, estava previsto no art.º 256.º (fraude nas vendas). Posteriormente promulgou-se o Decreto – Lei 41.204 de 24 de Julho de 1957 que pas-sou a regular especificamente a matéria sobre Saúde Pública. Considerava infracções contra a saúde pública punível com prisão até 3 anos, a matança clandestina (art.º 14) e falsificação de géneros alimentícios (art.º 17). No ano de 1987, foi publicada a Lei n.º 5, de 23 de Fevereiro ainda vigente, que dentre outros aspectos, reprime com pena de multa, “o acondicionamento ou armazenamento de produtos alimentícios deteriorados ou que se apresentam com indicio impróprio para o consumo público” (artigo 47º). Para ajustar ao modelo de economia de mercado, foi promulgado a Lei 6/99, de 3 de Setembro, que embora revogando o Decreto – Lei 41.204, conservou o espírito do legislador de 1957, ao manter as penas de prisão nas infracções contra a Saúde Públi-ca – Abate clandestino (art.º 40.º) e Contra a genuidade, qualidade ou composição dos géneros alimentícios (art.º 41.º)
No ano de 2003, os Legisladores entenderam que as normas, princípios e regras do Direito Penal Económico, aconselham hoje, a intervenção penal como meio de último recurso em sede da intervenção do Estado na economia, tendo sido publicada a Lei n.º 13/03, de 10 de Julho, norma revogatória dos artigos 17.º a 50.º da Lei 6/99, de 3 de Setembro, incluindo as infracções contra o abastecimento público, com realce para o abate clandestino e contra a genuidade ou composição dos géneros alimentícios. (FRANCISCO, 2015)
Ainda no ano de 2003, publicou-se a Lei 15/03, de 22 de Julho – Lei de defesa do con-sumidor, regulamento que estabelece os princípios gerais da política de defesa de con-sumidor, com medidas punitivas mais brandas em relação a Lei 6/99, privilegiando as penas de multas. As penas previstas no ordenamento jurídico angolano no que tange a protecção ao consumidor, que se resume numa mera contravenção, com o pagamento de multa exí-gua, em nada desencorajam aqueles fornecedores de bens e serviços, ávidos do lucro fácil á violarem os direitos dos consumidores, principalmente na venda de produtos alimentícios.
Alguns comercializam alimentos fora do prazo de consumo, corruptos, em mau estado de conservação, sem qualidade e até adulterados, outros importam mercadorias próxi-mo do limite do prazo para o consumo. Também se verifica a venda de refeições em forma de take-away, em locais a céu aberto, junto a lixeiras.
Não devemos esquecer também a proliferação dos locais vulgarmente chamados de cabrités, onde se comercializam carne (assada), por vezes de proveniência duvidosa susceptível de prejudicar a saúde de quem a consome. Da realidade portuguesa, sobre o tema em questão, um país que pelo passado históri-co, permite-nos afirmar existir similitude nos hábitos alimentares, as infracções contra a saúde pública (o abate clandestino e contra a genuidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios), são puníveis com prisão até 3 anos e multa não inferior a 100 dias. (FRANCISCO, 2015)
2.3 DELIMITAÇÃO DO CONCEITO DE PRINCÍPIOS
Verificados os objectivos e os fundamentos da Política Nacional de Defesa do Consu-midor, não se pode olvidar de delimitar o conceito de princípios abordado no presente trabalho. Isso porque, as normas jurídicas, entre elas as que tutelam as relações de consumo, estão eivadas de valores que se manifestam sob a forma de princípios e regras (BONATTO; MORAES. 2009, p. 23).
Os princípios e as regras são facetas da norma. Para Ronald Dworkin (2002, p. 39) as regras são normas aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada, ou seja, ou a regra é válida, e então a resposta por ela fornecida deve ser aceita, ou inválida, e neste caso ela em nada contribui para a decisão. Entretanto, não é possível reduzir todos os ordenamentos jurídicos às estruturas jurídicas das regras, colocando os princípios ao lado destas (FARALLI. 2006, p. 4).
Já os princípios são analisados sob dois enfoques. Primeiramente, o termo princípios designa a forma genérica, para indicar um conjunto de padrões formados pelos princí-pios estrito senso, pelas políticas e outros tipos de padrões que não são as regras. No sentido estrito, o termo representa um padrão que deve ser observado por ser uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade. (DWOR-KIN. 2002, p. 36) Observa Carla Faralli (2006, p. 4) que para Ronald Dworkin os princípios são:
(...) realidades heterogêneas em relação às regras, mas são complementares a elas no ordenamento jurídico: as regras são válidas enquanto normas estabe-lecidas, e podem ser mudadas somente por força de uma deliberação, enquan-to os princípios são válidos enquanto correspondem a exigências morais senti-das num período específico, e seu peso relativo pode mudar no decorrer do tempo.
Quanto à efectividade dos princípios nas decisões judiciais, o citado autor afirma que os princípios possuem obrigatoriedade e devem ser levados em conta por juízes e juris-tas, mas distinta das regras. E esclarece que como obrigatórios, os princípios devem ser observados pelos julgadores quando pertinentes. (DWORKIN, 2002, p. 48)
Para Humberto Ávila (2009, p. 78-79) os princípios são ...normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com preten-são de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação de correlação entre o estado de coisas a ser promovida e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. E complementa que os princípios são um fim a ser atingido. Eles instituem o dever de adoptar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas; obrigação de fazer o que for necessário para promover o fim. (ÁVILA. 2009, p. 78-79)
As regras, em contrapartida são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a constru-ção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. (ÁVILA. 2009, p. 78) A distinção entre os princípios e as regras deve ser feito com base em três critérios:
1) Natureza da descrição normativa – as regras descrevem objectos determináveis e os princípios descrevem um estado ideal de coisas a ser promovido –;
2) Natureza de justificação – as normas exigem subjunção da descrição com o caso concreto e os princípios exigem avaliação de correlação positiva entre a conduta e a coisa –; e
3) Natureza da contribuição – as regras têm pretensão de decidibilidade e os prin-cípios têm pretensão de complementaridade (ÁVILA, 2009, p. 83-84). Destarte, enquanto os princípios são um comportamento normativo ideal para alcançar um fim, as regras possuem a finalidade nos seus próprios comandos, devendo o aplicador do direito se ater a este.
2.4 IMPORTÂNCIA DO DIREITO DO CONSUMIDOR
O Direito do consumidor tem um papel importante na regulação das novas relações jurídicas decorrentes da contratação em massa. É o resultado do movimento interna-cional de defesa do consumidor. Estudar o Direito do Consumidor significa introduzir-se no mundo das regras e regulamentações estabelecidas pela maioria dos países. Para alguns doutrinadores, o Direito do Consumidor enquadra-se como sendo um Direito Social, porém, outros entendem ser uma ramificação proveniente do Direito do Trabalho, Civil e do Direito Mercantil, com relação à protecção dos direitos colectivos, principalmente por ser proveniente de lutas de classes sociais.
Veio com força maior a partir da Segunda Guerra Mundial, onde os produtores e desenvolvedores promoveram uma luta desenfreada para conquista dos consumidores, estes, demonstravam sua vontade para adquirir produtos e serviços para satisfazer suas necessidades primárias, por diversas vezes eram enganados com propagandas e publicidade enganosas. Para Catalan: “Após o fim da Segunda Grande Guerra, as práticas comerciais evoluíram bem mais rápido que as leis editadas visando sua regulamentação, por exemplo, com a oferta crescente de novos produtos e serviços à colectividade, com o aparecimento de técnicas publicitárias mais agressivas, e ainda, com a cres-cente especialização dos entes corporativos.” (CATALAN, 2007. p. 25.)
Neste contexto, com os avanços científicos e consequente produção em massa de produtos, a contratação que envolvia consumo era afectada, fazendo-se necessário a utilização de contratos idênticos para essa produção em massa e consequente consu-mo em massa. O destinatário dessa produção em massa, por sua vez, não detinha poder na alteração de cláusulas desse contrato, apenas cabia a ele aderir ou não, não havia capacidade de negociação, a única liberdade era contratar ou não.
Dessa forma, surge a estandardização do contrato, que se manifesta pela simples ade-são de cláusulas pré-elaboradas formuladas pela parte contratada e que essas cláusu-las pré-elaboradas formuladas pela parte contratada são utilizadas da mesma forma em todos os outros contratos de mesma natureza pela parte contratada, isto é, todos que contratarem com esta parte, estarão submetidos às mesmas cláusulas e regras contratuais. O contrato de adesão caracteriza-se por permitir que seu conteúdo seja pré construído por uma das partes, eliminada a livre discussão que precede normalmente à formação dos contratos.
O conteúdo desses contratos tem uma determinação prévia e unilateral, sendo as cláusulas redigidas antecipadamente por um dos sujeitos da relação. Portanto, sempre uma parte desse contrato, reduz sua vontade através da simples adesão, só possuindo a possibilidade de aceitar ou não a prestação de seu consenti-mento, não podendo alterar as cláusulas do contrato. O Direito do Consumidor serve principalmente para suprir as insuficiências do Direito Civil, preencher lacunas jurídicas existentes ao se tratar de uma relação de consumo utilizando o Código Civil, lacunas estas que impedem uma justa protecção do consumi-dor frente os fornecedores de produtos e serviços.
Algo importante no estabelecimento de normas mais favoráveis ao consumidor é o fato de que no contrato de consumo, as condições são estabelecidas de forma unilateral em sua totalidade ou parcialidade das cláusulas contratuais para diversos contratantes que tem apenas a opção de aderir ou não ao contrato. Tal fato gera grande possibilidade de abuso por parte do fornecedor, que é a parte dominante, frente ao consumidor, que é o aderente desse contrato, pois a possibilidade deste de actuar com liberdade no contra-to é inexistente.
2.5 CUIDADOS MÍNIMOS AO APRESENTAR UMA RECLAMAÇÃO
Ao adquirirmos um produto ou serviço estabelecemos uma relação com o fornecedor do mesmo, seja ele uma entidade privada ou pública. Esta relação implica o cumpri-mento de determinados direitos e deveres por ambas as partes. Nas situações em que o fornecedor não cumpre suas obrigações temos o direito de reclamar e solicitar a resolução do problema. Uma reclamação deve ser apresentada formalmente, por escrito e com recibo de pro-tocolo com a data, assinatura e Carimbo da empresa com Cadastro Nacional da Pes-soa Jurídica (CNPJ). Desta forma existe um documento suporte da queixa que obriga legalmente a empresa ou entidade a quem se dirige, a dar seguimento e resposta à reclamação. Em Angola, a apresentação de reclamações pode ser efectuada através do Livro de reclamações (a efectuar no local da ocorrência) em algumas empresas ou corporações de grande porte, através dos meios online disponibilizados (formulários online) pelas empresas ou através de uma carta formal de reclamação. Caso a sua reclamação não mereça a atenção do fornecedor e a sua queixa persista, pode recorrer a várias entidades públicas ou privadas para dar seguimento à mesma e defender os seus direitos enquanto consumidor. Estas entidades tentarão resolver o problema primeiramente de forma amigável, tentando chegar a um acordo. Em última instância haverá a necessidade de mover uma acção judicial junto aos tribunais, por intermédio de uma petição para uma resolução final do conflito.
2.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo procurou demonstrar que a tutela ao direito do consumidor surgiu como resposta à massificação social, denotando-se daí o seu carácter intervencionista, uma vez que busca proteger a parte hipossuficiente do fornecedor representado pelas grandes corporações. Diante deste quadro de vulnerabilidade do particular, a defesa ao consumidor foi erigi-da pelo legislador constituinte à categoria de direito fundamental, com o fito de trazer equilíbrio à relação consumerista. Conclui-se, portanto, que os dispositivos legais que prescrevem a defesa e a protecção ao consumidor são verdadeiras normas de ordem pública e interesse social, de forma que sua aplicação e observância são obrigatórias.
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Roberto Braga de. Fornecimento e consumo: em busca de uma formação dogmática. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 16, p. 64-66, out./dez. 1995. ASSEMBLEIA NACIONAL (República de Angola), Lei n.º 15/03 de 22 de Julho, Lei de Defesa do Consumidor, p. 2, 15-18. Disponível em: <http://www.rjcplp.org/sections/informacao/anexos/legislacao-angola/outra-legislacao-angola/lei-de-defesa-do/downloadFile/file/lei_da_defesa_do_consumidor.pdf?nocache=1365699140.8> ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídi-cos. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor: principiologia, conceitos, contratos atuais. 5. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. CATALAN, Marcos Jorge. Reflexões sobre a leitura dos contratos no código de defesa do consumidor e a importância dos princípios. In: CONPAVERDE, Aldaci do Carmo; CONRADO, Marcelo. (Orgs.). Repensando o Direito do Consumidor – II. Curitiba: Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná, 2007, p. 25-43. DWORKIN, Ronald. Levando o Direito a Sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. FARALLI, Carla. A Filosofia Contemporânea do Direito. Trad. Candice Premaor Gullo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
FRANCISCO, Cristiano, A protecção dos direitos do consumidor em Angola. Jornal O País, Luanda, 26 mar. 2015. Disponível em: <http://opais.co.ao/a-proteccao-dos-direitos-do-consumidor-em-angola/>. Acesso em: 2 Julho de 2016. MORAES, Márcio André Medeiros. Arbitragem nas Relações de Consumo. 2009. NASCIMENTO, Tupinambá M.C. do. Comentários ao código do consumidor. 3. ed. Rio de Janeiro : Aide, 1991. NUNES, Rizatto. Curso de Direito do Consumidor. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. ROLLO, Arthur Luis Mendonça. O consumidor nas relações de consumo. 2009.
ZANETTI, Robson. A erradicação do binômio fornecedor-consumidor na busca do equi-líbrio contratual. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7543 Aces-so em: 27 set. 2009.
by Vieira Miguel Manuel