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OS CLÃS ZOMBO OU BAMBATA NO ANTIGO REINO DO KONGO
Por Dr. José Carlos de Oliveira
Este subgrupo étnico, também conhecido por Bambata (Ba
Mbata), é visto como a elite mercantil da região de M’Bata. O seu chefe
ancestral, Nsaku Ne Vunda, exerceu durante séculos o poder terreno sob o manto
sagrado matrilinear da kanda Nsaku. Os zombo passaram a fazer parte do reino do
Kongo com a designação de Ducado de M’Bata.[1] A sua privilegiada localização
geográfica – um extenso planalto situado entre 1000 a 1100 metros de altitude –
terá estado na base da escolha das íntimas relações que vieram a estabelecer-se
entre o mítico Nimi a Lukeni, o“mwana” de Nsaku (leia-se o primogénito) e a
autoridade mítica do grupo Kongo.
O nobre que usava o título laudatório de “Nsaku” era também
conhecido por Mani Vunda, sendo herdeiro de Mani Cabunga ou Mani Mongo. Era
igualmente conhecido por “Taata” (as duas designações são sinónimo de pai, no
sentido de patriarca do poder uterino). Mani Vunda era o legítimo herdeiro do
poder religioso e o principal eleitor dos reis. Enquanto sacerdote tradicional
da coroação do Ntotila, exercia as suas funções nas áreas sucessivas da
expansão do prestígio e da autoridade de Mbanza Kongo, nos conhecidos
territórios de Mpemba, Mbata, Mbamba, Nsongo, Nsundi e Mpangu, regiões que os
portugueses apelidaram de “províncias”.
Pelo anteriormente exposto, percebe-se que a autoridade do
poder central dependia de sobremaneira da personalidade do Ntotila. Contudo, o
processo de eleição desta figura, por nós referido através dos estudos de Jadin
L. Maitre[2] e de António Custódio Gonçalves,[3] era o principal ponto de
discórdia na questão da sucessão ao trono. O processo de eleição obrigava a
cerimónias propiciatórias de apaziguamento que, por sua vez, desempenhavam um
papel decisivo no imaginário ritual e religioso das elites e do povo, em geral.
Esses rituais eram antecedidos por um jogo de alianças, levado a cabo pelos
responsáveis das linhagens uterinas detentoras da autoridade suprema, o que
constituía a continuação dos mecanismos relativos à História do Kongo. As
linhagens patrilineares ou agnáticas, por sua vez, l dialogue, le respect de la
hiérarchie se trouve contenu dans le ” Kodia”. Le concept de “contourner” fut
créé également en matière de sucession politique suivant le droit d’aînesse :
l’homme doit d’abord être enfant, avant d’atteindre le seuil de la vie adulte ;
il doit être d’abord subalterne avant d’accéder au pouvoir ; il doit d’abord
être initié avant de gouverner (…) » .
Em termos visuais, a espiral é o emblema do reino do Kongo
e, por este motivo, o caracol ( ou búzio) é frequentemente encontrado nas
representações do sagrado como símbolo de Mbumba – a divindade que rege a terra
e as águas. O Kódia pode ser metaforicamente entendido como a diáspora original
dos kongo, ou seja, a “Nzinga”, que se deve traduzir por “enrolar”. Curiosamente,
o apelido Nzinga é atribuído quer às crianças que nascem com o cordão
umbilical, à volta do pescoço, quer ao mais antigo dos povos da bacia do Congo,
o Nkita que, pela sua ancestralidade, se prende com os pigmeus Simbi. Nesta
relação de nascimento, a mãe Nkita Nzinga é, ao nível da kanda, a maior de
todas as parteiras. Contudo, esse enrolamento também significa o labirinto que
antecede o Lumbudo Ntotila. Para além do mais, o povo kongo usa o termo nzo
(casa) para identificar as diferentes partes das terras kongo – primeira nzo,
segunda nzo, terceira nzo ou quarta nzo,o que confere sentido ao seu sistema
matrilinear. Assim, o clã Nsaku está, tal como todos os outros clãs, protegido
pela primogénita, ou seja, a primeira ancestral de todos os kongo– ” a primeira
avó″, “Nkaka Ya Kisina” que, consequentemente, também é Nzinga.
Uma das versões da saga dos kongo realça a importância dos
filhos de Nku’u (também grafado como Kwo e ainda Kuwu), dando especial relevo a
Nsaku Ne Vunda, a Mpanzu e Nzinga, esta também conhecida por Muwana Kento
Lukeni. A partir do momento em que esta figura assume o poder matrilinear, ela
recebe o nome de Ngudi a Mfumu, o que em português se pode traduzir por ‘Mãe de
todas as nobres gerações de chefes dos clãs kongo’. Neste contexto, o adjectivo
mfumu refere-se aos chefes com poder político, sendo todos descendentes da
Lukeny Lwa Nzinga.
Porém, é no termo e no conceito Kuwu que reside a chave
Mítica dos kongo. Os relatos mais antigos que correm entre os kongo (grupo
étnico) referem que a primeira ancestral “Nkanka ya Kisina” ou kanda de origem
(que podemos subentender como a “avó placenta” ou, até mesmo, “cepa de origem”)
envolve e protege a generalidade dos kongo. Ela chamava-se Nzinga e era filha
de Nkuwu. Casou-se com Nimi (ou Nemi) e geraram dois filhos varões, Nsaku’a
Nimi e Mpanzu’a Nimi, e uma menina que recebeu o nome de Lukeny Lwa Nzinga. Ao
termo Kuwu voltaremos mais tarde, quando dissertarmos sobre os zombo e a sua
ancestralidade mítica, no propósito de compreendermos as malhas que teceram as
estruturas deste grupo kongo.
Cabe aqui referir que, durante a nossa estada no norte de
Angola, em Outubro de 2005, nos foi possível, após longas conversações e
combinações, obter valiosas informações. Contudo, tal não sucedeu sem que tivéssemos
de passar por alguns sobressaltos (que não foram pequenos). Consequentemente,
demos conhecimento da objectividade e origem dessas informações unicamente ao
nosso orientador, uma vez que nos foi pedida a máxima discrição quanto às
fontes. Estamos certos de que muito mais haveria a acrescentar, mas por
respeito e, sobretudo, por temor que nos viessem a subtrair a documentação, não
solicitámos outros detalhes. Continuamos a insistir que o mais pequeno sinal de
perigo seria suficiente para estragar tudo que se tinha conseguido até então,
uma vez que, sem que nos apercebêssemos, os nossos interlocutores introduziram
elementos propositadamente falsos a simularem muito bem a autenticidade da
informação. A explicação parece simples: neste estado avançado de investigação,
pareceu-nos sermos considerados estranhos na “casa”, no sentido atrás dado ao
termo nzo. Por este motivo, as figuras que se seguem não têm qualquer qualidade
fotográfica, mas, à falta de melhor, ficam aqui registadas.
O ancestral Nsaku A ancestral Nzinga O ancestral Mpanzu
No que se refere ao “mais velho de todos”, o ancestral
“Nsaku”, já o podemos identificar como sendo o ancestral dos zombo, o mais
velho dos filhos de Nzinga. Também é conhecido como Kabunga, Mani Mongo, sendo
que este nome sugere o senhor da montanha sagrada. Ora isto é fundamental para
a compreensão do poder sagrado e político dos zombo, uma vez que Nsaku era o
maior de todos os profetas e grande chefe da religião Nkisi. Esta questão virá
a prender-se, mais tarde, com todas as revoltas kongo contra estranhos,
incluindo os portugueses, e virá a passar pelas carismáticas figuras de Simão
Kimbangu e Simão Toco, este último de origem zombo. Como sabemos, estes dois
iniciados transmitiam ao seu círculo mais fechado a interpretação dos seus
sonhos, nos quais encontravam a inspiração para encaminhar a vida do Kongo, o
que, em kikongo. se expressa pela seguinte frase: “kayuvulu’e kuyvu ka lembi
van’emvutu”, atraindo a bênção divina, Nzambi à Mpungu para a comunidade kongo
” Nsaku Masamba Wasamb’e Kongo” com a força da espiritualidade Kinlongo Kia
Kongo.
O ícone, que representa o ancestral Mpanzu, simboliza o
célebre ferreiro do Kongo Kitari, por nós já referido como estando também na
origem dos kongo. Com os seus poderes mágicos, Mpanzu invocava o Ngo, o
leopardo mítico, e apoderava-se da sua força vital, apresentando-se ora como
leão, ora como leopardo e como lobo. Era então que encarnava o Ndamba’a Ngolo,
“o leão vigilante”, o que explica que não temesse nenhum ser. De salientar que esta
figura podia passar dias e dias sem comer, estando, no entanto, sempre
preparada para a guerra “walêmbela ntangu’a dya, ka lembela, ntangu’a mwana
ku”.Quanto ao ícone da Mwana Lukeni, a célebre ancestral Nzinga, já a ela nos
referimos anteriormente. Resta-nos ainda acrescentar que o epíteto laudatório
que envolve todos os clãs no Kongo ya Muxinga, tal como se de um cinturão de
segurança se tratasse, envolve também todo o território kongo: ‘é igual a nove
feijões que colocados na terra, crescem, e ao enrolar-se vão sufocando toda a
restante vegetação’.
Em termos antropológicos, podemos representar os ancestrais
kongo através do parentesco classificatório, o que deixa bem patente a
importância atribuída aos poderes matrilineares, da kanda ou kingudi, e patrilinear,
do lumbu ou ki se. Em termos metodológicos, o método genealógico é a ferramenta
que, pela sua utilidade na informação, representação e análise, se utiliza
durante a investigação etnográfica (em especial nos trabalhos de campo) aquando
da organização de dados, tanto de membros ascendentes como descendentes, de uma
comunidade ou famílias. Neste estudo, essas comunidades / famílias são os Clãs,
e analisamos quer os laços estabelecidos quer pela parte do pai lumbu, quer
pela parte da mãe kanda, de modo a possibilitar a evidência das conexões entre
os membros desses mesmos Clãs. Logo, não é ao acaso que o método genealógico é
frequentemente utilizado pelos investigadores das questões kongo.
Consideremos agora o esquema genealógico abaixo reproduzido,
da autoria de Custódio (1985).
Esquema genealógico Nº1, origem da kanda de Nsaku
Relativamente ao quadro genealógico nº1, Custódio (1985) afirma que o nome de
Nimi a Lukeni pode sugerir dois elementos: o primeiro, Nimi, pode ser o nome da
linhagem patriarcal de Lukeni, Nimi Nsinga; o segundo elemento, Lukeni, pode
ser o nome da linhagem matrilinear de Lukeni, Lukeny Nzanza. Este último
julgamos ser Nzenze, no sentido etimológico de visitante e/ou convidado,
proveniente do termo francês bonne nouvelle e afirmamo-lo com base no facto de
o Zenzeanunciar as chuvas como sinal de boa colheita. Os autores citados por
Custódio (1985) indicam que o pai de Lukeni Nzenze, não era outro senão Nsaku
Law, Chef de Mbata. A estakanda, que está representada em todo o país Kongo,
Cavazzi associa-lhe outro elemento:Nsuku, que tanto pode ser nome feminino como
masculino. Na genealogia longo seria o nome de uma kanda da mãe de Lukeny
Nzenze.
Quanto ao segundo esquema da autoria de Cavazi, referido por
W. Wing e George Balandier, entre outros investigadores acreditados, traduziram
Mpangi a Nkentu, irmã na língua kongo, por “sirochia” em italiano, filha de
Nsaku Lau e irmã de de Mpuku a Nsuku.
Esquema Genealógico
O autor chama a atenção para os termos clã e mvila (ou
kanda) e, tal como nós, prefere o termo kanda para identificar a matrilinhagem
e o termo Ki-Ngudi para identificar a ancestral mítica. É neste contexto que as
kanda se organizam na vida política e social.
No esquema seguinte, o grupo patrilinear, Ki-Tata, dá início
ao lumbu, ou ki se que joga nos compromissos das linhagens, nas relações
estabelecidas com as linhagens aparentadas de “estrangeiros” ou escravos, nos
direitos do seu domínio (que é uma parte da terra que gere em nome do lumbu),
permitindo assim o equilíbrio, por nós já citado, das pressões daki ngudi
representadas pela kanda.
Ilustração Nº Esquema genealógico da parentela segundo
Custódio
Curiosamente, fica de lado, em toda esta exposição e como
que esquecido, a kanda Nvemba a Zinga ou Mbemba-a-Nzinga, o quarto filho. Por
volta de 1486, Diogo Cão regressa a Portugal, fazendo-se acompanhar de quatro
nobres “muito qualificados por sangue”. O mais importante de todos, o Caçuta de
Ralph Delgado (1910:73), mais conhecido porZacuta, não é outro senão o legitimo
descendente do clã Nsaku. Ainda segundo Ralph Delgado[4] (1910:95), o rei do
Kongo, D. Afonso I, pertencia ao clã Nbemba ou Mvemba;vestia à europeia e lia,
escrevia e falava correctamente o idioma Português.
A 14 de Maio de 2006, consultámos o site, na Internet, da
Embaixada de Angola em Portugal e constatámos que na sua secção do Departamento
Cultural, logo na primeira página, se pode ler: ” (…) Para Portugal embarcaram
quatro naturais do reino do Kongo, destacando-se de entre eles o embaixador
Zacuta, um homem “bem disposto para receber uma educação civil e apto para
aprender línguas estrangeiras”, segundo Cavazzi. Reinavam em Portugal D. João
II e Dª Leonor que elogiaram “o comportamento diplomático” de Diogo Cão. A
embaixada do rei do Kongo foi recebida, tendo o rei de Portugal sido padrinho
de baptismo do emissário do Kongo. No prazo previsto, Diogo Cão regressou ao
reino do Kongo, tendo sido portador de “avultados presentes”. Entretanto, o
capitão português faria outra viagem para Portugal, novamente na companhia do
embaixador Zacuta (…).”
Da mesma fonte extraímos, a 11 de Maio de 2006, um documento
onde se lê: ” (…)Returning to the mouth of the R. Congo, and annoyed to find
that his messengers had not returned, he seized four unsuspecting visitors to
his ship including NSAKU, (also known as Caçuto, Caçuta), a man of some
distinction (…)”.
Fotografia Nº da ilustração recolhida da obra de Ralph
Delgado (História de Angola, 2º Volume, p. 15)
Ainda citando o mesmo documento, e aqui apelamos para a
importância dos dizeres, lê-se: ” (…) Para romper o cerco de Portugal, D.
Álvaro lançou iniciativas de carácter diplomático, privilegiando o
restabelecimento de relações directas com a Igreja Católica. Pretendia a
formação de um corpo eclesiástico autóctone, já que mantinha-se o ascendente de
o primeiro bispo instalado em Mbanza Kongo, também chamada S. Salvador, ter
sido português. Era preciso criar uma diocese com autonomia e denunciar as
atrocidades e abusos dos clérigos estrangeiros. D. Álvaro II retomou um
programa já antigo, ensaiado pelo pai. Em 1596 conseguiu obter do Papa a devida
anuência. Mas tal acto desqualificava a diplomacia portuguesa. O enviado do
Reino do Kongo ao Papa Paulo V foi António Manuel Ne Vunda, Nigrita, como lhe
chamaram os romanos ou Marquês de Funesta, como lhe chamou o autor do elogio
fúnebre. A referida embaixada chegara a Roma. Mas o embaixador e a sua
comitiva, exaustos em viagem, acabaram por sucumbir. O embaixador D. António
Manuel Ne Vunda viria a falecer a 5 de Janeiro de 1608. Foi sepultado na capela
Xisto V na Basílica de Santa Maria Maior. Em 1639 os seus restos mortais foram
transladados para um mausoléu da mesma Basílica ” Com um busto de pórfiro
preto, obra de Bernini (ou de Caporali?) com o seguinte texto inscrito: apesar
da missão inconclusiva do embaixador Ne Vunda, D. Álvaro II obteve do Papa a
nomeação de um bispo (…)”.
Imediatamente após a independência de Angola em 1975, o
estado angolano atribuiu, a filhos das mais altas linhagens zombo, cargos de
Embaixador, o que denota a importância que o sub-grupo continua a ter não só
entre os kongo, como também no partido da FNLA (UPA). Os textos falam por si,
não sendo por isso necessária qualquer outra consideração para que os zombo
reconheçam a importância adquirida pelos seus antepassados desde a época dos
descobrimentos portugueses.
[1] Oliveira, José Carlos (2004) O Comerciante do Mato – o
comércio no interior de Angola e Congo. Centro de Estudos Africanos –
Departamento de Antropologia – Universidade de Coimbra. Coimbra : p. 7.
[2] Jadin, L. (1963) Aperçu de la situation du Congo et rite
d’élection des rois en 1775, d’après le P. Cherubino da Savona, missionaire au
Congo de 1759 à 1774. Bulletin de l’Institut Historique Belge de Rome.
Universa. Bruxelas. 35.
[3] Gonçalves, António Custódio (1985) Kongo, le Lignage
contre l’état. Instituto de Investigação Científica de Portugal. Universidade
de Évora.
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