A IMPORTÂNCIA DO OUTRO NA TRANSMISSÃO E APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO E NA CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE SI E DO MUNDO

INTRODUÇÃO
As concepções da tradição filosófica, e de algumas correntes da psicologia, segundo as quais a consciência é uma realidade individual, derivada da introspecção do mundo íntimo e subjectivo, dão origem à ideia de que o sujeito toma consciência de seu próprio eu antes de tomar consciência do alter eu. A consciência seria uma "entidade" primitiva e essencialmente individual e a consciência do eu seria adquirida por intuição, introspecção ou experiência directa, enquanto o outro eu seria conhecido por analogia ou por projecção do primeiro sobre o segundo.  O estado inicial da consciência, na concepção walloniana, é confuso e nebuloso, pois sujeito e realidade exterior se confundem. A simbiose afectiva com o outro cede progressivamente, pela influência do meio e das interacções sociais, e a distinção entre o eu e o não-eu, inicialmente categorias indiferenciadas, dá-se através de um processo que ocorre no sentido da socialização para uma crescente individuação. A primeira categoria a se recortar é, para Wallon, a da consciência do eu e a segunda a do não-eu. Wallon não admite, portanto, a concepção piagetana de autismo e egocentrismo, como etapas do desenvolvimento infantil, pois essa concepção supõe a passagem de uma consciência individual (egocêntrica) para uma consciência social. "Não há autismo e depois egocentrismo: sistema fechado que deverá mais tarde abrir-se às exigências da compreensão recíproca em meio social" (Wallon, p. 150). Para Wallon, o indivíduo é essencialmente social, desde a origem, em função "desse estranho essencial que é o outro" (p. 156). A distinção entre o eu to não-eu resulta de uma "bipartição mais íntima entre dois termos que não poderiam existir um sem o outro, apesar de ou porque antagónicos, um que é uma afirmação de identidade consigo mesmo e o outro que resume o que é preciso expulsar dessa identidade para a conservar".




A IMPORTÂNCIA DO OUTRO NA TRANSMISSÃO E APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO E NA CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE SI E DO MUNDO

A imagem do outro é sempre algo impactante, comentários, opiniões e criticas surgem em diversos contextos (familiar, social, profissional, ou seja, nas relações). O conceito de certo e errado são formas relativas de ver, cada pessoa é única carrega intrinsecamente sua história.

Desde a infância a figura do outro é presença constante, como um espelho reflecti conceitos e preconceitos, sobrecargas composta de significados que ditam o melhor caminho a seguir. Ocorre que muitos indivíduos anulam-se e terminam assumindo os outros dentro de si, neste momento não são mais seus pensamentos e desejos que imperam, mas os dos outros.

Pensar por si, agir por si, dá ao sujeito ampla autonomia, ao mesmo tempo em que insere uma responsabilidade maior. Talvez seja esse o grande dilema psicossocial, pois ao adoptar uma postura mais individual, admitindo suas escolhas, consequentemente o indivíduo passa a ser mais vulnerável as criticas e opiniões alheias, essas nem sempre positivas e construtivas.

É importante entender que as pessoas vão compreender e opinar segundo suas historias de vida. A auto – avaliação ajuda neste processo de interdependência, saber separar o eu do outro do seu próprio eu auxilia a perceber que apesar das semelhanças pessoais cada ser é único.

Não existe uma pessoa igual à outra, o modo, a forma e o contexto existencial são distintos. Cada um vivencia de acordo com os conteúdos emocionais internos. Ao assumir as verdades alheias o sujeito exclui ou deixa de lado um caminho de possibilidades.

Cada pessoa tem sua trilha, seus sonhos e desejos, quando uma censura entre em seu psiquismo, consequentemente há perdas. Ao terciarizar seu espaço sentimental, emocional e relacional, menos espaço sobrará para o crescimento pessoal, a auto-aceitação torna-se quase nula, afinal o outro é mais importante que eu e estará sempre em primeiro lugar.

 Acreditar que é capaz de ascender iniciando um processo de auto-avaliação e consequentemente de auto-aceitação contribui para melhor valorização pessoal, saber lidar com as criticas é entender que somos os únicos capazes de um julgamento mais preciso a nosso próprio respeito.

Uma critica positiva é sempre aquela despida de emoção, de sentimentos de inveja, ciúme ou cobiça. O ato da auto-escuta minuciosa fornece ao indivíduo recursos que o auxiliam em seu desenvolvimento e maturidade, bem como o ajuda a perceber quais pontos devém ser tocados e trocados. 
Vale salientar que o verdadeiro crescimento ocorre quando o sujeito consegue tomar consciência de si mesmo.

Há tantas lacunas a serem preenchidas, tantos labirintos a serem desvendados e ainda diante deste complexo emaranhado mental existe um espaço cativo referente à opinião, afirmação e julgamento dos outros.

Nesta simbiose relacional é notória a luta que muitos desempenham para fazer valer o seu Eu, as suas escolhas, seus pensamentos livres de interferências estranhas. Ainda assim, muitos vivem do lado de lá, preocupados com o que os outros vão falar.

O outro não deve ser visto como uma extensão e sim como parte no processo de crescimento, desenvolvimento e evolução.
O LIMITE DO EU É O OUTRO
Encontramos comummente nas pessoas a fantasia de que elas estão preparadas para suportar o sofrimento apenas até certo limite. Este limite, arbitrariamente estipulado por elas, é concebido de tal forma que, em seu imaginário, a cota de suplício que o ultrapasse é prevista e antecipada como algo que as destruiria. Assim, elas alimentam a fantasia de terem vindo ao mundo munidas com uma espécie de fusível que queimaria se a situação “esquentasse” demais.

A reflexão sobre a fantasia do fusível invisível nos leva a inquirir sobre o porquê de as pessoas alimentarem um medo tão extremo das situações limites que elas estipulam arbitrariamente para si mesmas. Por que elas acreditam que a ocorrência destas situações poderia levá-las ao colapso.

Durante a primeira infância, nos encontramos em situação de total dependência daqueles que cuidam de nós. A dependência do outro, neste momento, é real. Sem o cuidado de outras pessoas, a criança não pode sobreviver. Mas, a dependência real torna-se também afectiva. Na medida em que aprendemos a reconhecer no outro a fonte de nossa existência e sobrevivência, aprendemos a amá-lo por isso. Entretanto, uma vez que o objecto deste amor é significado como o fundamento de nossa existência, o outro adquire o status de sede do nosso próprio eu. E mesmo quando crescemos, nos tornamos adultos e a dependência inicial e real perde a validade, o outro não perde sua condição inicial. Com efeito, se o outro adquire, inicialmente, o status de sede do eu, então este outro se torna o próprio eu ou, colocado mais adequadamente, ele se torna idêntico ao eu. E se o eu constrói o seu ser na forma da identidade com o outro, é teoricamente impossível que o outro perca sua posição de primazia na relação com o eu sem que o eu deixe de ser eu. A identidade do eu passa a ser o outro. É na relação com ele que esta identidade é construída, elaborada e amadurecida por toda a vida; uma relação conflituosa por princípio, porquanto ela se sustenta num paradoxo: O eu busca a si mesmo no outro de si mesmo – ou seja, busca a si mesmo naquilo que o nega por princípio. E este ‘outro de si mesmo’ é o próprio eu, uma vez que não há eu além dos limites do outro.

Quando ainda somos bebés, as pessoas que cuidam de nós são o nosso mundo. Com o desenvolvimento da consciência, passamos a distinguir não apenas entre estas pessoas e o mundo, mas as pessoas entre si, e também as pessoas de animais e objectos, e todos estes elementos em conjunto são ora distinguidos de uma noção abstracta do mundo, ora identificados como sendo o próprio mundo. Entretanto, a distinção entre pessoas e mundo não é absoluta. Ela opera de maneira que as pessoas com as quais nos relacionamos se tornem nosso mundo, e o mundo se torne nosso outro; outro este que implícita ou explicitamente adquire uma forma personificada. Em nossa cultura, a forma explícita de personificação do mundo é, geralmente, ‘Deus’. Quando o sujeito não expressa nenhuma crença religiosa, a personificação do mundo permanece implícita ou inconsciente. Mas, ela pode ser reconhecida nas exigências que, nos momentos de crise, pacientes ateus dirigem ao mundo e à vida; exigências que denotam uma relação entre pessoas entre um eu e seu outro.

Assim, o outro no qual buscamos nossa identidade, e no qual reconhecemos o fundamento de nossa existência, são as pessoas, o mundo, a vida. Por isso, a ausência deste outro representa nosso não-ser, ou a impossibilidade de nossa sobrevivência. E, porquanto o outro não é representado apenas pelas pessoas, mas também pelo mundo e pela vida, sua ausência não significa apenas o distanciamento físico daqueles que amamos. Uma vez que nossa relação com o mundo e com a vida é baseada naquilo que esperamos tanto de um quanto da outra, a relação com outras pessoas em geral também é fundamentada em certas exigências, ou naquilo que esperamos que elas sejam ou façam. E na medida em que na relação com as pessoas que amamos o abandono aparece como a principal forma da ausência, na relação com o mundo e com a vida a morte adquire papel fundamental. Morrer significa abandonar o mundo e ser abandonado pela vida.

Porém, se a identidade do eu representa um paradoxo, o desenvolvimento desta identidade também será paradoxal: Quanto maior o progresso da identificação do eu com o outro, maior a consciência do eu em sua distinção deste mesmo outro. Ou seja, é no processo de identificação com o outro que o eu desenvolve a consciência de si mesmo, a consciência de sua individualidade, ou a consciência de sua diferenciação com as demais pessoas e o mundo. É a condição em que se encontra a consciência de individualização do eu frente ao outro que determinará a natureza e a flexibilidade dos limites toleráveis de sofrimento que ele estabelecerá para si mesmo.

O limite que o eu estabelece arbitrariamente para si mesmo sobre a cota de sofrimento que ele crê ser capaz de suportar está relacionado à sua dependência afectiva com o outro. Na esfera de sua identidade, quanto menor a capacidade de o eu se distinguir conscientemente do outro, maior será a dependência afectiva na relação com ele e mais restritos os limites de ausência que ele acredita ser capaz de tolerar. Na prática, pacientes pouco individualizados sofrem por antecipação frente a possibilidades a que todos nós estamos sujeitos, tais como a de perder entes queridos, falhar no emprego ou no exercício de actividades diversas, não alcançar determinados objectivos pessoais e profissionais, etc. Estas são situações desagradáveis para qualquer um. A diferença é que, no imaginário destes pacientes, algumas ou muitas delas representam possibilidades intoleráveis.





CONCLUSÃO
Portanto, a ocorrência de situações limites pré-estabelecidas pelos pacientes pode representar uma oportunidade de desenvolvimento da consciência de individualização. Na ausência do outro, o eu não encontra jamais a destruição de si mesmo que ele tanto teme. Pelo contrário, nesta ausência reside a possibilidade de ele encontrar um si mesmo mais individualizado e mais fortalecido. A falta do outro não representa a ausência absoluta dele na relação com o eu. Na medida em que a relação entre eu e outro é paradoxal, é na falta do outro que reside a possibilidade de o eu encontrar a identidade mais plena com ele. Porém, esta é uma possibilidade que, para ser concretizada, depende da disposição do eu em se deixar estar na falta. Se ele não aprende a se deixar estar na falta e a transitar por ela, ele não aprende enxergar a individualização que já está nela implícita. Do contrário, a rejeição inflexível e intransigente da falta e do sofrimento no qual ela se manifesta pode levar o paciente à ansiedade, à depressão ou ao desespero.




BIBLIOGRAFIA
·         Almeida, S. F. C. Temas em Psicologia, O lugar da afectividade e do desejo na relação ensinar-aprender. 1,31-44. 1993.

·         Ribeirão Preto: Temas Psicológicos: Processos Sociais e Desenvolvimento Vol. 5. 1997.