Tecnologia de informação e comunicação na escola: novos horizontes na produção escrita


Tecnologia de informação e comunicação na escola: novos horizontes na produção escrita

Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida
Mestre e Doutora em Educação, PUCSP.
Professora do Programa de Pós-graduação em Educação: Currículo e do Depto. de Ciência da Computação, da PUCP.
Resumo
As tecnologias de informação e comunicação – TIC trazem contribuições à produção escrita e à leitura prazerosa apontando novos horizontes para a formação de uma sociedade de leitores e escritores. Por trata-se de uma nova forma de expressão do pensamento e interação, a incorporação desses recursos à educação é objeto de investigação não apenas como um meio para ensinar conteúdos específicos de disciplinas, mas principalmente pelos processos cognitivos, sociais e afetivos que suscitam. Este artigo apresenta uma análise da representação do pensamento e da construção do conhecimento por meio do uso do computador nas primeiras iniciativas de inserção do computador à educação brasileira e no momento atual em que as TIC e os ambientes virtuais de colaboração e aprendizagem revelam com maior ênfase a questão da autoria dos sujeitos do conhecimento (educadores e alunos).

Palavras-chave
Tecnologia de informação e comunicação; educação; ensino; aprendizagem; escrita; leitura; hipertexto; ambientes virtuais.

Abstract
The information and communication technologies – ICT – contribute to the development of written production and to the awakening of reading as pleasure, showing new ways make possible the constitution of society with in-learning readers and writers. Taking care of a new expression way of thought and interactivity, the incorporation of ICT on education are object of an investigation not just a instrument to teach specific contents of subjects. Principally through cognitive, socials and affective process that suscitate. This article goes on to present an analytical representation of thought and knowledge construction with the computer in the first attempts of ICT insertion in Brazilian educational contexts and the present, when collaborative learning environments bring up the question of authorship in knowledge-critic subjects (educators and students).

Resumen
Las tecnologías de información y comunicación - TIC traen contribuciones a la producción escrita y a la lectura placentera mostrando nuevos horizontes para la formación de una sociedad de lectores y escritores. Por tratarse de una nueva forma de expresión del pensamiento e interacción, la incorporación de estos recursos a la educación es objeto de investigación no apenas como un medio para enseñar contenidos específicos de disciplinas, más principalmente por los procesos cognitivos, sociales y afectivos que ellos suscitan. Este articulo presenta un análisis de la representación del pensamiento y de la construcción del conocimiento por medio del uso del computador en las primeras iniciativas de inserción del mismo a la educación brasileña y en el momento actual en que as TIC y los ambientes virtuales de colaboración y aprendizaje revelan con mayor énfasis la cuestión de la autoría de los sujetos del conocimiento ( educadores y alumnos).


Primeiros passos na inserção das TIC na educação brasileira
A integração da tecnologia de informação e comunicação – TIC na educação brasileira já passou por várias fases e traz em sua trajetória uma perspectiva educativa inovadora (Andrade & Lima, 1993), que a distingue de ações correlatas de outros países e respectivas políticas para o setor. No Brasil, o papel atribuído ao computador era o de catalisador de mudanças pedagógicas (Valente e Almeida, 1997) de uma perspectiva centrada no ensino e na transmissão de informações para uma prática pedagógica voltada à aprendizagem e construção do conhecimento pelo aluno. A inter-relação entre pesquisa, formação e prática pedagógica com as tecnologias de informação e comunicação tem sido a característica básica desde quando se falava em informática na educação.
A informática começou a disseminar-se no sistema educacional brasileiro nos anos 80 e início de 90, do século XX, com uma iniciativa do Ministério da Educação. Inicialmente o MEC patrocinou um projeto, denominado EDUCOM, destinado ao desenvolvimento de pesquisas e metodologias sobre o uso do computador como recurso pedagógico, do qual participavam cinco universidades públicas[1], nas quais foram implantados centros-piloto para desenvolver investigações voltadas ao uso do computador na aprendizagem (Almeida e Valente, 1997) ao tempo que realimentavam as práticas em realização nas escolas. Aprende-se a conhecer, aprendendo a fazer e a refletir sobre esse fazer.
Em seguida o MEC adotou uma política que visava implantar em cada Estado um Centro de Informática na Educação - CIED. Para possibilitar o funcionamento desses centros, foi desenvolvido o Projeto FORMAR que realizava cursos de especialização lato sensu a fim de preparar professores para o uso da informática na educação, bem como para atuar como multiplicadores na formação de outros professores em suas instituições de origem. Os participantes do FORMAR eram professores de diferentes áreas de atuação e formação, o que dificultava um rápido desenvolvimento da autonomia em relação ao domínio da tecnologia e, por outro lado, enriquecia as discussões com os diferentes pontos de vista e estilos de exploração do computador, bem como com as distintas reações aos desafios e conflitos cognitivos, afetivos e sociais (Almeida, 1996).
Conforme Almeida (2000a), uma das contribuições do FORMAR refere-se à mudança de perspectiva em relação à educação, à aprendizagem e à vida, propiciada pelas vivências do curso, o que se revelou na postura de vários participantes, os quais, ao retornarem às suas instituições de origem, imprimiram novo rumo às suas ações. Concomitante com esse projeto de formação, foram realizadas investigações e produzido conhecimento que realimentava as atividades e impulsionava as inovações.
Os centros-piloto do Projeto EDUCOM desenvolviam suas investigações em parceria com escolas onde o uso do computador era uma prática usual, embora caracterizada como atividade extra-curricular ou como prática eventual de sala de aula. Também o FORMAR pouco avançou no sentido de inserir o computador nas atividades de sala de aula. Ainda assim, professores e alunos ligados à essas escolas ou aos CIEDs utilizavam o computador para expressar suas idéias, desenvolver projetos e resolver problemas, o que trouxe avanços significativos na aprendizagem de distintas áreas de conhecimento, destacando-se a construção de conceitos matemáticos (Sidericoudes, 1996) e o desenvolvimento da produção escrita (Maraschin, 1995).
Em 1990, durante a gestão do Prof. Paulo Freire como secretário municipal de educação do município de São Paulo, foi iniciado o Projeto Gênese, com o objetivo de integrar a informática ao currículo como uma ferramenta interdisciplinar, trabalhando com temas geradores. Este projeto procurava criar condições para “contribuir para uma mudança da postura pedagógica do professor e para um repensar deste sobre a sua própria prática” (Menezes, 1993, p. 17).
            No Projeto Gênese, o conhecimento era visto como algo construído socialmente por meio de projetos cooperativos desenvolvidos com o uso do computador a partir de temas geradores que emergiam do cotidiano dos alunos “enquanto prática alternativa dentro do currículo” (Almeida, 1996, p. 60), o que propiciava aos alunos a representação de idéias e conceitos, bem como a compreensão de problemáticas do cotidiano e a proposição de alternativas que permitissem solucioná-las ou melhor compreendê-las. Para tanto, a formação dos professores ocorria em um ambiente propício ao estabelecimento de relações dialéticas “entre teoria-prática e entre ação-reflexão”, provocando mudanças nas relações sociais (PMSP, 1992, p. 17).
            A par disso, surgiram diversas iniciativas nas esferas estaduais, municipais e privadas. Estas últimas, com maiores recursos e autonomia para adquirir equipamentos tinham na informática um forte aliado para atrair o alunado, mas também enfrentavam desafios relacionados com a preparação do professor para utilizar o computador com seus alunos e com a necessidade de adaptação às rápidas e freqüentes mudanças nas configurações dos equipamentos. O lançamento e a disseminação dos computadores de 16 bits compatíveis com a linha IBM-PC e posteriormente, o surgimento do ambiente Windows, tornaram obsoletos o pequeno parque informático disponível nas instituições, exigindo o desenvolvimento de versões de software executáveis nos novos computadores cuja aquisição se fazia premente.
A reflexão, a mudança de postura na prática dos professores e a articulação entre centros de pesquisa e escolas apresentaram-se como características comuns desses projetos (Menezes, 1993; Valente, 1993; Freire & Prado, 1995; Almeida, 1996) e experiências iniciais, embora fosse atribuído ao professor toda a responsabilidade pela incorporação do computador na escola com vistas à aprendizagem do aluno por meio de um processo construtivo. Houve também a tomada de consciência de outros fatores a serem considerados para a implantação de um programa inovador de integração do computador na educação, destacando-se a disponibilidade de recursos computacionais, o apoio político-pedagógico-institucional e a redefinição dos conceitos de conhecimento, ensino e aprendizagem.

Novos projetos de inserção da TIC na educação
            Atualmente, o Programa Nacional de Informática na Educação - ProInfo, da Secretaria de Educação a Distância do MEC, desenvolvido em parceria com as secretarias estaduais de educação, está introduzindo as tecnologias de informação e comunicação – TIC na escola, visando sua incorporação à prática pedagógica de diferentes áreas de conhecimento, favorecendo a aprendizagem do aluno com ênfase em projetos de trabalho. Para atingir o aluno, o ProInfo atua na formação professores em um processo que integra domínio da tecnologia, teorias educacionais e prática pedagógica com o uso dessa tecnologia.
Na inter-relação entre pesquisa, formação de professores e prática pedagógica com o uso da TIC, a área de conhecimento tecnologia em educação se realimenta, se transforma e avança a partir dos  resultados das investigações e novos conhecimentos produzidos. Um dos aspectos que mudou de forma substantiva nos últimos anos foi a formação de professores para o uso das TIC na prática pedagógica tendo em vista a ênfase das atividades atuais na formação contextualizada na realidade da escola e na atuação do professor.
O subprojeto Informática na Educação, desenvolvido pela PUCSP, no período de agosto de 1997 a outubro de 1998, dentro da parceria com a Secretaria Estadual de Educação, no Programa de Educação Continuada – PEC, caracterizou-se como um programa de formação de professores e coordenadores pedagógicos para a inserção educacional do computador, com características relacionadas com a formação contextualizada e com o envolvimento dos sujeitos em sua inteireza de ser humano.
No PEC-PUCSP, o professor em formação vivenciou os conflitos e desequilíbrios inerentes ao sujeito da própria aprendizagem e teve a oportunidade de recontextualizar essa vivência para a sua prática pedagógica permitindo ao aluno expressar seu pensamento no computador por meio de desenhos, textos escritos e desenvolvimento de projetos colaborativos. A análise deste subprojeto em tese de doutorado (Almeida, 2000b), permitiu recontextualizar a teoria sobre a formação de professores para a incorporação do computador à prática pedagógica e reelaborar novas propostas de formação, bem como aprofundar a compreensão sobre a autoria do aprendiz.
Evidenciou-se que para inserir a TIC na escola é fundamental investir não só na formação de professores, mas envolver todos que atuam na escola (gestores, coordenadores, funcionários, alunos, pais e comunidade do entorno da escola) no uso de ambientes de aprendizagem interativos que favoreçam a representação de idéias, a construção do conhecimento, a troca de informações e experiências e a aprendizagem significativa e prazerosa, tendo como pano-de-fundo o desenvolvimento de projetos e o estudo de problemáticas do cotidiano. De maneira análoga, os formadores dos professores se envolvem e se comprometem com o processo de formação quando têm a oportunidade de serem co-autores na concepção do projeto, no planejamento e elaboração do material de apoio da formação, atuando como sujeito de um grupo em formação, no qual, conforme Paulo Freire (1987), todos aprendem juntos e em comunhão.

Tecnologias de informação e comunicação e produção escrita
O advento das tecnologias de informação e comunicação resultante da junção entre informática e telecomunicações, gerou novos desafios e oportunidades para a incorporação das TIC na escola em relação à representação e comunicação de idéias. O uso de ambientes virtuais de aprendizagem numa perspectiva de interação e construção e colaborativa de conhecimento evidenciaram a potencialidade de promover o desenvolvimento de habilidades de escrever, ler e interpretar textos. Daí decorre o grande impacto desses ambientes não só no sistema educacional, mas também no desenvolvimento humano e na cultura brasileira, de tradição essencialmente oral.
Para Cury (2001), a transmissão oral, imposta pela colonização e escravatura aliadas à moral e à fé cristã, impediu o acesso da população brasileira à escola, bem como ao mundo da leitura e da escrita e à conseqüente formação de leitores e escritores.
Com o uso da tecnologia de informação e comunicação, professores e alunos têm a possibilidade de utilizar a escrita para descrever e reescrever suas idéias, comunicar-se, divulgar fatos do cotidiano, trocar experiências, produzir histórias e desenvolver projetos. Assim, em busca de resolver problemas do contexto, podem representar e divulgar o próprio pensamento, ler, atribuir significados, trocar informações e construir conhecimento, num movimento de escrever, ler, refletir e refazer, que favorece o desenvolvimento pessoal, profissional e grupal, bem como a compreensão da realidade e a atuação na transformação da sociedade.
Formar escritores implica atribuir à escrita o significado de registrar, compreender e interferir na história pessoal e na transformação do mundo. De acordo com Kramer (2001, p. 114) escrever é deixar-se marcar pelos traços do vivido e da própria escrita, reescrever textos e ser leitor de textos escritos e da história pessoal e coletiva, marcando-a, compartilhando-a, mudando-a, inscrevendo nela novos sentidos.
A inserção das TIC na educação oportuniza romper com as paredes da sala de aula e da escola, integrando-a à comunidade que a cerca, à sociedade da informação e a outros espaços produtores de conhecimento. Ao usar as TIC para aproximar o objeto do estudo escolar da vida cotidiana, gradativamente se desperta no aluno o prazer pela leitura e escrita como representação de seu pensamento e interpretação do mundo, viabilizando a constituição de uma sociedade de escritores aprendentes.
Para alcançar o patamar de uma sociedade da leitura, da escrita e da aprendizagem, é preciso enfrentar inúmeros desafios, vários deles existentes no interior da escola. Entre estes últimos, os mais contundentes são:
ú  a dessacralização do laboratório de informática e da senha do computador;
·         o acesso à tecnologia de informação e comunicação por todos que atuam na escola (dirigentes, professores, funcionários, alunos e comunidade escolar);
·         o uso dessa tecnologia para a compreensão de problemáticas relacionadas ao cotidiano, as quais rompem com as fronteiras disciplinares, articulam distintas áreas de conhecimento e, ao mesmo tempo, propiciam o aprofundamento de conceitos específicos e levam à produção de novos conhecimentos;
ú  a flexibilização do uso do espaço da escola e do tempo de aprender;
·         o desenvolvimento da autonomia para a busca e troca de informações significativas em distintas fontes e para a respectiva utilização dos recursos tecnológicos apropriados a cada atividade em desenvolvimento;
·         a abertura à novas formas de representação escrita que rompem com a linearidade do texto impresso.
Enfrentar esses desafios implica em uma atuação do professor no sentido de resgatar a fala do aluno, ouvi-lo, observar e ler a sua escrita, procurando apreender seu universo cognitivo, social e afetivo, sua linguagem, condições de vida, conceitos espontâneos e quadro conceitual, bem como em revelar-se ao aluno (Freire & Shor, 1986). Assim, o uso das TIC na escola favorece o acesso ao universo do aluno, cuja interpretação ajuda o professor a criar condições facilitadoras de aprendizagem, leitura e escrita.

Leitura e a escrita por meio da TIC

A ênfase dada pela escola à leitura e à escrita vem se direcionando à elaboração de algo produzido para ser corrigido e pouco trata de uma prática voltada ao despertar do prazer da escrita e da leitura. Com freqüência observa-se professores reclamarem que seus alunos não sabem expressar-se pela escrita. De sua parte, os alunos têm apontado que a escola os leva a ler e a escrever sobre aquilo que não tem significado para suas vidas e realidade ou a fazer cópias e repetir palavras desarticuladas.
Quem não se lembra dos ditados de palavras e das regras gramaticais decoradas sem que se soubesse em que situação poderia empregá-las? Da mesma forma, sem conseguir atribuir significado, datas históricas, acidentes geográficos, fórmulas matemáticas e ossos do corpo humano foram memorizados e resolvidas infindáveis seqüências de exercícios com a justificativa de que um dia seriam úteis!
Em seu texto Dígrafos, Rubem Alves (1999) lembra que fazer ditados, análise sintática e morfológica e outras análises necessárias ao aprimoramento da escrita, não desenvolvem o prazer da leitura e a compreensão do texto nem o gosto pela escrita. No entanto, a atividade de sala de aula prima pela exigência das análises gramaticais, textuais e discursivas em detrimento da leitura e interpretação do mundo, da busca de compreender o outro e do escrever para representar idéias, comunicar-se, registrar a própria história e conhecer melhor a si mesmo.
Isso não significa que o conteúdo tenha perdido sua importância. No entanto, urge mudar a forma de trabalhar conceitos, informações, procedimentos e regras, procurando identificar aquilo que é significativo para o aluno e criar situações que favoreçam transformar os conhecimentos do senso comum em conhecimento científico. O rigor científico é necessário, mas não pode ser ponto de partida. Da mesma forma, é preciso compreender as novas formas de produção da escrita e acesso à leitura propiciadas pelas TIC para utilizar seu potencial na escola.
No entanto, o professor não é o culpado por essa situação. Ele foi preparado para cumprir o papel de detentor de um saber científico que supostamente poderia ser repassado a todos os alunos de forma homogênea e em ordem crescente de dificuldade, priorizando a linguagem notacional das disciplinas e a leitura linear dos textos impressos, distribuída seqüencialmente da esquerda para a direita e de cima para baixo, em ordem crescente do número das páginas (Soares, 2001). Assim, o desempenho do professor deveria voltar-se para o ensino de um conteúdo programático definido fora da sala de aula, para ser seguido conforme impresso nos livros e consumido de igual maneira em diferentes contextos para produzir os mesmos resultados.
Felizmente, a prática veio se tornando uma ação sobre o mundo, desenvolvida por sujeitos a pouco e pouco ganhando consciência do próprio fazer sobre o mundo (Freire, 1994, p. 102). Assim, aumenta de forma abrupta o contingente de professores inconformados com essa situação, em busca de alternativas para encontrar novos caminhos em que possam empregar a escrita e outras formas de representação para contar a sua história, registrar o seu cotidiano, a sua escola e o seu mundo, desenvolver projetos relacionados com problemáticas da realidade, compreendendo o passado para agir no presente e construir o futuro.
Devido ao continuum entre a formação do professor e a formação do aluno, tem-se o ponto de partida da educação do aluno congruente com o ponto de partida da educação do professor (Freire, 1987). Logo, a questão central para a formação dos educadores é como transferir essa necessidade de representação de si mesmo e leitura do mundo para a sua prática pedagógica de modo a despertar em seus alunos o desejo de se tornarem escritores de sua próprias histórias e experiências, sujeitos de suas vidas e projetos.
Outros recursos tecnológicos também permitem o registro de idéias e de visões de mundo por meio da escrita. Porém, até o presente, apenas a tecnologia de informação e comunicação tem como característica o fazer, rever e refazer contínuo, transformando o erro em algo que pode ser revisto e reformulado (depurado) instantaneamente para produzir novos saberes.
Rever o antes visto quase sempre implica ver ângulos não percebidos (Freire, 1995, p. 24), é o mote da formação, que busca despertar a curiosidade epistemológica e provocar a reflexão sobre o próprio processo de aprendizagem, visualizado por meio da representação com as TIC, cujos hipertextos rompem com a linearidade e temporalidade da leitura e escrita.

TIC e hipertexto
O acesso à representação de um pensamento ocorre segundo a estrutura de organização utilizada pelo emissor que expressa sua idéia. As formas de expressão do pensamento alteram-se conforme as tecnologias empregadas. Os livros e materiais impressos caracterizam um modo de apresentar idéias em sucessão linear de caracteres dispostos em um plano e, algumas vezes, também em colunas. É possível pular algumas partes na leitura de um livro, mas não se pode romper com a estrutura linear pré-estabelecida. Baseado no sistema de organização do pensamento humano, associativo e não-linear, foi desenvolvido o conceito de hipertexto[2] constituído como uma cadeia de informações interligadas por associações de pensamento.
A incorporação ao computador de recursos provenientes de diferentes mídias tais como palavras, páginas, imagens, animações, gráficos, sons, clips de vídeo, etc., associada ao conceito de organização em hipertexto deu origem aos sistemas hipertextuais, os quais favorecem uma leitura (exploração ou navegação) não linear baseada em indexações, conexões entre idéias e conceitos articulados por meio de links (nós e ligações). Desta forma, ao clicar sobre uma palavra, imagem ou frase definida como um nó de um hipertexto, encontra-se uma nova situação, evento ou outros textos relacionados.
O uso de hipertexto rompe com as seqüências estáticas e lineares de caminho único, com início, meio e fim fixados previamente. O autor disponibiliza um leque de possibilidades informacionais que permite ao leitor dar ao hipertexto um movimento singular ao interligar as informações segundo seus interesses e necessidades momentâneos, navegando e construindo suas próprias seqüências e rotas. Ao saltar entre as informações e estabelecer suas próprias ligações e associações, o leitor interage com o texto assumindo um papel ativo e tornando-se co-autor do hipertexto. Para Soares (2001), a leitura do hipertexto na tela é feita em camadas,  iniciando e terminando no ponto que o leitor decide, o qual pode ter liberdade e autonomia para intervir no texto e reconstrui-lo. Assim, a comunicação pela tela está criando não só novos gêneros da escrita, mas também está inovando o sistema da escrita (ib, 2001, p. 39).
            Pierre Lévy (1993) define o hipertexto como um conjunto de nós (conceitos, teorias, idéias...) e conexões (inter-relações entre os nós). Os nós podem ser apresentados em diferentes mídias e interligados em uma rede na qual não se identifica um nó fundamental e cujas ligações formam uma trama estelar, que caracteriza os processos interativos multidimensionais, como a interação na Web.
Lemos (2001) compara a navegação na Web com o andar a esmo na cidade deixando marcas por onde passa, fazendo ligações singulares na caminhada, escrevendo e apropriando-se do espaço, dos objetos que encontra pelo caminho. Todo sistema hipertextual permite essa forma de escrita, na qual ler e escrever é interagir, criar percursos próprios, deixar marcas, reconfigurar espaços e criar narrativas pessoais. Para este autor, “tanto a cidade como os hipertextos são (des)organizados de forma a promover uma marca (escrita) não-linear, indexada a associações de idéias e conceitos. Aqui o mapa não é o território”.
Alguns autores, entre os quais Fiderio (1988), definem hipertexto em dois níveis. O nível básico, refere-se a um gerenciador de banco de dados que permite a conexão entre janelas de informação por meio de associações, como é o caso de hipertextos em CD-Rom. O nível avançado de hipertexto trata de ambientes virtuais e software para desenvolvimento de atividades colaborativas, interações, criação, representação de idéias e construção/ reconstrução de conhecimento.

Ambientes virtuais de aprendizagem e produção da escrita
Em um ambiente virtual de aprendizagem, cada pessoa tem a oportunidade de percorrer distintos caminhos, nós e conexões existentes entre informações, textos e imagens; criar novas conexões, ligar contextos, mídias e recursos. Cada nó representa um espaço de referência e interação que pode ser visitado, explorado, trabalhado, não caracterizando local de visita obrigatória.
Os participantes de um ambiente virtual de aprendizagem são incitados a ler e interpretar o pensamento do outro, expressar o próprio pensamento através da escrita textual e hipertextual, conviver com a diversidade e a singularidade, trocar idéias e experiências, realizar simulações, testar hipóteses, resolver problemas e criar novas situações, engajando-se na construção coletiva de uma ecologia da informação, na qual compartilham valores, motivações, hábitos e práticas. Cada participante do ambiente torna-se receptor e emissor de informações, leitor, escritor e comunicador.
Um ambiente virtual de aprendizagem caracteriza uma ecologia da informação, criada na atividade de todos que estão inseridos nesse contexto, que transformam a forma de representar o próprio pensamento e se transformam mutuamente na dinâmica das relações que se estabelecem, ao mesmo tempo que vão transformando o ambiente.
A ecologia da informação (Nardi, 1999) caracteriza uma densa rede de inter-relações entre artefatos, pessoas e suas práticas em um contexto, no qual o foco não é a tecnologia, mas a atividade humana em realização, havendo total interdependência entre a TIC e o seu uso. Para Nardi (ib), o conceito de ecologia da informação traz o sentido de diversidade, evolução contínua e localidade, que favorece compreender o movimento dos ambientes virtuais de aprendizagem nos quais atividades humanas, recursos e múltiplas mídias ajustam-se um em relação ao outro e co-evoluem nesses ambientes.
O sentido de localidade diz respeito ao espaço virtual, cujas condições são continuamente contextualizadas nas ações em desenvolvimento no ambiente e descontextualizadas na apropriação destas ações para outras situações e ecologias em que os participantes encontram-se envolvidos.
Mesmo que exista da parte dos conceptores de um ambiente virtual de aprendizagem uma tentativa de aproximar a estrutura do ambiente ou as atividades propostas da linearidade e do respectivo controle e direcionamento, a interatividade inerente a esse sistema impulsiona o ir e vir pelos nós e ligações, não permitindo aprisionar quem o utiliza. Cada pessoa assume o risco de escolher seus próprios caminhos, de aventurar-se a enveredar pelo desconhecido e de descobrir-se perdido ou de chegar a novas descobertas.
Com o uso de ambientes virtuais de aprendizagem redefine-se o papel do professor que finalmente pode compreender a importância de ser parceiro de seus alunos e escritor de suas idéias e propostas, aquele que navega junto com os alunos, apontando as possibilidades dos novos caminhos sem a preocupação de ter experimentado passar por eles algum dia. O professor provoca o aluno a descobrir novos significados para si mesmo, ao incentivar o trabalho com problemáticas que fazem sentido naquele contexto e que possam despertar o prazer da descoberta, da escrita, da leitura do pensamento do outro e do desenvolvimento de projetos colaborativos. Desenvolve-se a consciência de que se é lido para compartilhar idéias, saberes e sentimentos e não apenas para ser corrigido.

Problematizações, tema gerador e projetos
O uso das TIC na educação caminha no sentido da leitura e seleção crítica de informações para estabelecer articulações com conhecimentos colocados em ação ou conhecimentos em uso (Papert, 1985) no desenvolvimento de projetos relacionados com as problemáticas do cotidiano para a produção compartilhada de novos conhecimentos, representados em textos ou hipertextos.
A aprendizagem por projetos e problematizações surge de algo que é significativo no universo do aluno (tema gerador) e se desenvolve por meio da interação e articulação entre conhecimentos de distintas áreas, conexões estas criadas pelos aprendizes, cujas expectativas, desejos e interesses são mobilizados no levantamento de perguntas epistemológicas que incitam a construção de conhecimentos científicos.
Os conhecimentos cotidianos emergem da problemática em estudo como um todo unitário, portanto sem fragmentação disciplinar, e são direcionados por motivações intrínsecas. Cabe ao professor provocar a tomada de consciência sobre os conceitos representados e sua respectiva formalização, mas é preciso empregar o bom-senso e respeitar o trabalho do aluno para fazer as intervenções no momento apropriado de modo a desestabilizar as certezas inadequadas e impulsionar a busca do rigor científico na investigação e na transformação do conhecimento do senso comum em conhecimento científico. A par disso, esse conhecimento é colocado em ato para provocar reflexões sobre o mundo e sobre a situação do aluno como sujeito desse mundo. Desta forma, o aluno pode tomar consciência de sua participação e compromisso como sujeito histórico de seu tempo.
O estudo de problemáticas e desenvolvimento de projetos com o uso da TIC, permite o registro desse processo construtivo em textos ou hipertextos, criando condições para desenvolver o domínio da TIC em uso, a competência da linguagem escrita e a compreensão de conceitos específicos de áreas de conhecimento. Essa forma de utilização das TIC funciona como um recurso para o diagnóstico do nível de desenvolvimento do aprendiz, suas dificuldades e potencialidades, e, principalmente, favorece a identificação e correção dos erros e a constante reelaboração sem perda do que já foi criado.
Nessa aventura, o professor também é desafiado a assumir uma postura de aprendiz ativo, crítico e criativo, articulador do ensino com a pesquisa, constante investigador sobre o aluno, seu nível de desenvolvimento cognitivo, social e afetivo, sua forma de linguagem, expectativas e necessidades, seu estilo de escrita, seu contexto e cultura. O professor é um artista que busca projetar as bases de um currículo intrinsicamente motivador para o aluno tornar-se leitor e escritor. Não é o professor quem planeja para os alunos executarem, ambos são parceiros e sujeitos do processo de conhecimento, cada um atuando segundo o seu papel e nível de desenvolvimento. Para Freire & Shor (1986), o educador faz com os seus alunos e não faz para os alunos.
O professor que atua nessa perspectiva, tem uma intencionalidade enquanto responsável pela aprendizagem de seus alunos e esta constitui o seu projeto de atuação, elaborado com vistas a respeitar os diferentes estilos e ritmos de trabalho dos alunos, incentivar o trabalho colaborativo em sala de aula no que se refere ao planejamento, escolha do tema e respectiva problemática a ser investigada e registrada em termos do processo e respectivas produções por meio da representação textual e hipertextual.
O uso da representação hipertextual na educação a expõe a um dinamismo, mobilidade e flexibilidade semelhante aos encontrados nos movimentos sociais, representando uma abertura de novas perspectivas que permitem: romper com as grades disciplinares e com o rigor dos espaços e tempos escolares; incentivar a imaginação, a leitura prazerosa e a escrita criativa; favorecer a iniciativa, a espontaneidade, o questionamento e a  inventividade; vivenciar a colaboração, o diálogo, a  partilha e a solidariedade. Desta forma, a educação caminha no sentido da produção escrita, favorecendo a liberdade de expressar e comunicar sentimentos, registrar percepções, idéias, crenças e conceitos, refletir sobre o pensamento representado, compartilhar e reelaborar conhecimento, transformar a educação em ato de conhecimento da realidade.

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Valente, J. A. (org.). Computadores e Conhecimento: repensando a educação. Campinas/SP: Gráfica Central da UNICAMP, 1993.


[1] O Projeto EDUCOM foi iniciado em 1985 e encerrado em 1991. As seguintes universidades faziam parte do Projeto: Universidade Estadual de Campinas/ UNICAMP, Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG, Universidade Federal de Pernambuco, Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ e Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS.
[2] A noção de hipertexto foi concebida originalmente pelo matemático Vannevar Bush (1945), que propôs um sistema de organização de informações cuja representação e funcionamento se aproximasse do pensamento humano. Na década de 1960, Ted Nelson associou o termo hipertexto ao funcionamento do computador para definir um banco de dados que permitia percorrer distintos caminhos por meio de associações de pensamento em um documento digital.