Prevalência do vínculo biológico perante paternidade socioafetiva constituída
Prevalência do vínculo biológico perante paternidade socioafetiva constituída
1. O parentesco nos dias atuais e a prevalência da sociopaternidade
Segundo Costa (2009, p.04), anteriormente, era a verdade jurídica premissa da paternidade, depois a busca da verdade biológica e nos dias atuais diante do princípio da dignidade humana, a defesa da paternidade sócio-afetiva. Assim, o conceito de paternidade compreende, hoje, o parentesco psicológico, ou seja, a paternidade socioafetiva que segundo Costa (2009, p.05), a jurisprudência brasileira tem se posicionado no sentido de sua prevalência sobre as demais e de ser irrevogável com amparo constitucional nos artigos 226 e 227 e seus parágrafos.
2. A impossibilidade de desconstituição da paternidade socioafetiva através da ação negatória de paternidade
Seguindo a linha da irrevogabilidade do vínculo socioafetivo constituído, a doutrina e jurisprudência majoritárias têm entendido que na ação negatória de paternidade, dentre as condições da ação (possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir, legitimidade de parte) que são condições de procedibilidade (de iniciar o processo) o pai socioafetivo não possui o interesse de agir, por isso não tem legitimidade para propô-la.
Explana esse entendimento Nery Júnior (2008, P. 1071), afirmando que o posicionamento da doutrina brasileira no que diz respeito à desconstituição da paternidade socioafetiva através de uma ação negatória de paternidade é de impossibilidade por falta de uma das condições processuais de validade da ação que é a falta de interesse de agir do marido, pois só ele tem legitimatio ad causam para propô-la a qualquer tempo ou se falecer na pendência da lide, a seus herdeiros continuá-la de acordo com o Código Civil (BRASIL, 2002) em seu art. 1.601, parágrafo único.
Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.
Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.
3. O princípio do melhor interesse da criança e o direito à identidade
O Brasil adotou em seu sistema jurídico, o princípio do "melhor interesse da criança" sendo signatário da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente que foi aprovada em 20 de novembro de 1989 na Assembléia Geral das Nações Unidas e ratificada pelo Brasil, em sua versão oficial que dispõe em seu artigo 31 dever-se considerar em primeiro lugar o interesse maior da criança.
art. 31: todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança. (Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 1989)
Maior interesse da criança que pode ser exemplificado no artigo 8º da referida Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e que fala sobre “respeitar o direito da criança e a preservar a sua identidade, incluindo a nacionalidade, o nome e relações familiares, nos termos da lei”. Esse determinante legal foi trazido por Maria Berenice Dias em artigo sobre “a prevalência do direito a identidade”.
“No plano internacional a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, de 1989, em seu art. 8º, n.1, assinala que os Estados-Partes comprometem-se a respeitar o direito da criança e a preservar a sua identidade, incluindo a nacionalidade, o nome e relações familiares, nos termos da lei, sem ingerência legal. Nas palavras de Rolf Madaleno: A origem genética é direito impregnado no sangue que vincula, por parentesco, todas as subseqüentes gerações, inexistindo qualquer fundamento jurídico capaz de impedir que o homem investigue a sua procedência e que possa conhecer a sua verdadeira família e saber quem é seu pai.” (www.mariaberenice.com.br/pt/home-artigos-filiacao-e-paternidade-filiacao-e-parentalidade.dept)
4. Prevalência do vínculo biológico perante paternidade socioafetiva constituída
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 17/10/2013, deu um importante passo no entendimento dos limites da prevalência da filiação socioafetiva frente a um vínculo biológico. Conforme notícias do STJ, por unanimidade, a referida Turma decidiu que sendo a filiação um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, o filho pode exercitá-lo sem restrições. “A existência de vínculo socioafetivo com pai registral não pode impedir o reconhecimento da paternidade biológica, com suas consequências de cunho patrimonial.”
Segundo a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi:
“Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão”, assinalou a ministra.”
O presente posicionamento de uma Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que diz respeito a não prevalência da paternidade socioafetiva em relação à biológica no caso do filho que queira exercitar o direito a ter em seu registro a sua filiação biológica, vem quebrar o absolutismo da prevalência da paternidade socioafetiva existente na doutrina majoritária quanto a impossibilidade de qualquer desconstituição de paternidade sócio-afetiva.
Segundo as mesmas notícias do STJ sobre o caso, a relatora, ministra Andrighi, afirmou que quando o próprio filho busca o reconhecimento do vínculo biológico não se pode impor a paternidade socioafetiva.
“É importante frisar que, conquanto tenha a recorrida usufruído de uma relação socioafetiva com seu pai registrário, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência, ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura” (ministra Nancy Andrighi.)
Conclusão
Recentes decisões e posicionamentos jurídicos, vêm mostrando a mitigação do absolutismo sobre a irrevogabilidade do reconhecimento da paternidade socioafetiva. No caso específico do posicionamento do STJ, através de uma de suas Turmas, no que diz respeito ao fato de que a filiação socioafetiva não é impedimento para o reconhecimento do vínculo biológico, vem reafirmar que não pode a lei ou a doutrina obstaculizar a análise e a possibilidade de uma decisão favorável à desconstituição da paternidade socioafetiva quando visar o melhor interesse da criança.
Desta feita, através da garantia do acesso a justiça e do subjetivismo do Direito é possível a desconstituição da paternidade socioafetiva nos casos em que o próprio filho busque o reconhecimento do vínculo biológico.
Referências
BRASIL. Código Civil de 2002. Brasília: Senado Federal, 2002.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Disponível em: www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=111773
COSTA, Everton Leandro. Paternidade sócio-fetiva. Disponível em: www. feb.br/revistafebre/Paternidade-Socio-Afetiva-Everton.pdf. Acesso em: 23 de out. 2009.
DIAS, Maria Berenice. A prevalência do direito à identidade. Disponível em: www.mariaberenice.com.br/pt/home-artigos-filiacao-e-paternidade-filiacao-e-parentalidade.dept
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado. 6 ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais. 2008.
ONU. Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. (Assembléia Geral das Nações Unidas). 1989.