a descentralização e o poder local
INTRODUÇÃO
O tema em
abordagem, é um enfoque sobre a descentralização e o poder local: o papel das
autoridades tradicionais na governação local participativa. Pretende-se
averiguar o papel das Autoridades Tradicionais e o seu poder de decisão em
programas que criem desenvolvimento das comunidades e o bem-estar das
populações. Desta forma, formula-se a questão: Que relação existe entre as
Autoridades Tradicionais e o poder político, na gestão administrativa Local,
tendo em conta a aproximação dos serviços públicos aos cidadãos?
Objectivo Geral
-
Analisar as relações entre as Autoridades Tradicionais e o Poder Político em
Angola.
Objectivos Específicos
- Analisar os mecanismos de
intervenção e decisão das Autoridades Tradicionais no desenvolvimento das
comunidades.
-
Compreender a legitimidade e legalidade das Autoridades tradicionais em relação
ao poder político;
-
Conhecer a importância das Autoridades Tradicionais, no actual contexto de paz
em Angola.
Metodologia Aplicada
Tendo
em conta os objectivos que nos propusemos alcançar, recorreu-se a metodologia
de natureza qualitativa.
Quanto
as técnicas utilizadas, recorremos a pesquisa bibliográfica como técnica que
procura explicar um problema a partir de referências teóricas publicadas (em
livros, e revistas).
I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Administração
Local – é a administração exercida por
órgãos desconcentrados da administração central e visa, a nível local,
assegurar a realização das atribuições e dos interesses específicos da
administração do Estado, participar promover orientar o desenvolvimento económico
e social e garantir a prestação de serviços públicos na respectiva
circunscrição administrativa, sem prejuízo da autonomia do poder local (Artigo 201.º C.A).
Autoridade, segundo Jesuíno autoridade é definida como a
possibilidade que tem um agente de agir sobre os outros, sem que esses outros
reajam sobre ele, sendo todavia capazes de o fazer. A autoridade é aqui
contraposta à noção de força e não à noção de poder que, Kojève, não distingue
da autoridade. O termo poder, para o autor, aplica-se sobretudo ao domínio
político e, desde que legítimo, não se distingue da autoridade (política). E se
é certo que o poder (político) fundado na autoridade pode servir-se da força, a
força não pode nunca, por definição, engendrar uma autoridade política (Jesuíno
e Duarte, s/d).
De acordo com Perissinotto (2004) o conceito de
autoridade refere-se ao mais engenhoso dos processos políticos, uma vez que
refere uma realidade aparentemente paradoxal. Ele identifica uma relação
hierárquica de mando e obediência, mas não se traduz em violência, não opera
por meio da persuasão e é hierarquizada, pois quem executa fá-lo por respeito.
Autoridades
Tradicionais, são entidades que
personificam e exercem o poder no seio da respectiva organização
política-comunitária tradicional, com os valores e normas usuais e no respeito
pela e pela lei[1].
I.1
– Administração e Governação Local em Angola
A lógica da divisão político-administrativa do Estado
colonial acabou por se impor e o poder das chefias “tradicionais” foi perdendo
importância, de forma progressiva, no condicionamento da vida económica e
social dos respectivos povos.
O poder antigo ficou limitado às chefias das linhagens,
que se faziam sentir a nível de aldeias ou de grupos de aldeias, com actuação
na resolução de conflitos, na gestão de terras cada vez mais exíguas, no culto
dos antepassados, nas relações com o mundo sobrenatural (que lhes “conferia” o
poder de fazer chuva ou garantir boas colheitas).
No quadro das reformas que se seguiram à eclosão da luta
armada de libertação nacional, Portugal decidiu “enquadrar” o poder tradicional
na organização do Estado vigente. Como fazem lembrar os juristas Virgílio
Fontes Pereira e Carlos Feijó, o Decreto n.º 43897 de 6 de Setembro de 1961,
sobre as regedorias, recusava a “imposição da fórmula municipalista sem que se
verificassem os pressupostos para a sua implantação “ e estabelecia a necessidade
de se recorrer a outras formas de instituições locais que se articulassem com a
Administração, mas respeitando os usos e costumes da população. Com isso
pretendia-se dizer que, apesar da abolição do Estatuto Indígena[2],
a organização de autarquias locais, previstas na legislação portuguesa, era
vedada nos territórios onde o progresso económico e social ainda não era
“adequado”, na medida em que isso colidiria com os usos e costumes das
populações autóctones.
As regedorias foram definidas como unidades administrativas
chefiadas por um regedor nomeado pelo governador (de distrito ou de província)
ouvidas as populações, e assessorado por um conselho de sua escolha no
exercício das suas funções. Ainda de acordo com o decreto acima citado, as
regedorias teriam representantes no Conselho Legislativo de Angola.
A identificação e os limites das regedorias deveriam
seguir os usos e as tradições, e para isso seria necessário conhecer e
investigar tais usos e tradições e negociar com as populações. Na prática,
porém, a imposição de regras que estivessem de acordo com os interesses da
administração sempre prevaleceram. Aos regedores foram definidas uma série de
atribuições que tinham por objectivo a inserção da vida económica e social das
populações no sistema colonial: o controlo da população, a cobrança de
impostos, o angariamento de força de trabalho, a reparação de estradas e
caminhos, a imposição de culturas agrícolas, o canal de comunicação com o
Estado e com o exterior em geral. Verifica-se, assim, que os regedores estavam
investidos de certas funções de Estado.
Uma regedoria, em princípio, era dividida em grupos de
povoações e povoações. Quando a implantação das regedorias era feita de forma
mais sensata, procurava-se que os seus limites correspondessem, de forma
genérica, aos antigos territórios dos “sobados” maiores (ombala, ixi
ou mbanza, respectivamente nas línguas umbundu, kimbundu e kicongo).
Para os grupos de povoações e simples povoações também deveria acontecer o
mesmo, procurando-se adequação com os limites territoriais das “sobados”
antigas de nível hierárquico inferior. Mas, infelizmente, o bom senso foi mais
excepção do que regra, e daí as inúmeras e conflituosas aberrações derivadas de
uma divisão político-administrativa que ignorou a realidade social e cultural
vigente.
No mesmo decreto os portugueses definiram três níveis de
chefias dentro de cada regedoria: o regedor, o chefe do grupo de povoações e o
chefe de povoação[3]. Com
bastantes reservas derivadas da complexidade do assunto, das perplexidades
produzidas pela acção dos portugueses, do Governo do MPLA e da UNITA, e da
falta de transparência na informação veiculada pelas próprias populações na
tentativa de preservarem as suas identidades e instituições, foi possível
estabelecer relações entre as designações portuguesas (sistema exógeno) e as
designações em umbundu, kimbundu e kicongo (sistema endógeno) para os três
níveis de poderes e respectiva conotação com os territórios a que dizem
respeito.
Embora a legislação portuguesa recomendasse que a nomeação
dos regedores fosse antecedida por uma consulta às populações, isso também era
mais excepção do que regra. Por outro lado, na intenção de preservarem a
dignidade dos seus verdadeiros chefes, as comunidades autóctones – pelo menos a
partir de certa altura – nem sempre as indicavam para o exercício das funções
de regedor, de chefe de grupo ou de povoação, na medida em que isso significava
a sua subalternização em relação à hierarquia do Estado. Em seu lugar, eram
indicadas pessoas de confiança dos chefes, normalmente com ele aparentados,
mais jovens e habilitados a negociar com a administração e o exterior em geral.
Nascia assim um poder bicéfalo constituído por um chefe “administrativo” e por
um outro “original”, ligado às linhagens aristocráticas, que procurava manter,
na medida do possível, as funções e títulos antigos e que, na prática, geria a
vida comunitária, e a quem os chefes “administrativos” prestavam obediência.
No entanto, em certas circunstâncias, o Estado colonial
favoreceu o reforço do poder dos chefes “administrativos” em prejuízo dos
chefes “originais”, através de recompensas pelas ajudas prestadas: acesso a
créditos bonificados e a outros factores de produção, benefícios dos sistemas
de assistência técnica, facilidades na construção de residências, oportunidades
de estudo para os filhos etc. Em consequência, aumentaram os factores de
conflitualidade entre chefes “administrativos” e “originais”, agravados pelo
aumento relativo da complexidade da gestão comunitária.
O Estado colonial não deu um tratamento adequado ao poder
tradicional. Não é verdade que tenha havido preocupação com o respeito pelos
usos e costumes das populações. O Estado colonial desestruturou esse poder
tradicional e reduziu-o à expressão dos seus interesses. Utilizando a retórica
do respeito pelos usos e costumes, produziu uma legislação que excluía a maior
fatia da população, remetendo-a a uma situação de não cidadãos por oposição aos
que tinham direitos, isto é, os “civilizados”.
Após a independência, em 1975, o poder tradicional e suas
instituições foram praticamente ignorados pelo poder de Estado, não lhe sendo
reconhecidos constitucionalmente a sua existência e o seu papel enquanto
representações locais de um poder público. Durante um certo período, o seu
papel foi ofuscado pela presença do Comité de Acção do MPLA, que assumiu o
monopólio do poder político e administrativo a nível local. Contudo, o
reconhecimento tácito das autoridades acabou por se impor, na medida em que,
por ausência de outros poderes públicos, eles foram chamados a desempenhar
determinadas funções por delegação da Administração do Estado. A expressão
máxima deste tipo de funcionalidade ocorreu quando, em 1992, tais instituições
foram chamadas a decidir sobre quem deveria votar em vastas áreas do país onde
não existiam outras formas de poder público ou instituições suficientemente
idóneas para desempenhar tal papel. De qualquer modo, o seu desempenho, tendo
sempre um cariz meramente utilitário, revelou a existência de estruturas locais
de poder que preenchiam um vazio que o Estado socialista não conseguiu
preencher. Ultrapassada a ideia do Estado totalitário omnipresente, a Lei
Constitucional de 1992 tentou abordar a questão do poder local pela primeira
vez na Angola independente.
I.2 – A Evolução Histórica das Bases Legais da
Administração e Governação Local
O catálogo de diplomas sobre a administração e governação
local pode ser referenciado em termos de evolução histórica da lei nº 3-A/80 de
22 de Março. Em 1981, portanto um ano depois e com a eleição das Assembleias
Populares Províncias, um novo diploma é aprovado, consagrando o Comissariado
Provincial como órgão colectivo da direcção da província, constituindo o
Executivo. Fala-se, aqui, concretamente, da lei nº 7/81 de 4 de Setembro –
sobre os órgãos locais do Estado, que ficou bastante conhecida pelo acrônimo
Lole.
No espírito do diploma estava o ideal do lançamento dos
alicerces para a implantação progressiva dos órgãos do poder popular, na
terminologia da época.
Em 1988, por via da lei nº 4/88 de 9 de Abril, foram
introduzidas alterações pontuais na lei dos órgãos locais do Estado, tendo em
vista imprimir um maior dinamismo às suas actividades.
O decreto-lei nº 2/07 de 3 de Janeiro foi outro
instrumento introduzido na ordem jurídica angolana com o propósito de regular a
organização e a actividade administrativa do Estado em nível local.
A aprovação, em Fevereiro de 2010, da Constituição da
República tornou imperiosa a adequação do quadro organizativo e funcional dos
órgãos da administração local do Estado ao novo figurino constitucional.
Nessa perspectiva, a Assembleia Nacional fez aprovar, nos
termos do mandato que lhe é conferido pelo povo angolano e fundado na alínea
“b” do artigo 161º da Constituição da República de Angola, a lei nº 17/10 de 29
de Julho, que, em harmonia com a Carta Magna em vigor, estabelecia os
princípios e as normas de organização e de funcionamento dos órgãos da
administração local do Estado.
Carlos Feijó (2000, p. 3) refere que o poder
local se encontra relacionado com a auto-determinação, e que ele deve ser constituído por órgãos representativos das
populações, e que o poder local se
diferencia da descentralização administrativa, por exemplo, “(…) o poder
local não é operacionalizado por qualquer descentralização territorial. É necessário que
a descentralização administrativa seja encarada no plano jurídico e político, isto é, não é, pelo facto
de, por exemplo, existirem autarquias
locais, no plano jurídico, que se deve aferir a existência de um verdadeiro poder local. É necessário, ainda, apurar se
no plano político, os órgãos das
autarquias locais são, livremente, eleitos pela população locais.
Carlos Feijó apresenta assim uma visão autonómica do poder local, englobando nele as autarquias, as autoridades
tradicionais e outras organizações de base, como
as comissões de moradores, por exemplo (Feijó, 2000, p. 4). Neste contexto, a
visão do autor poderia definir-se mais no sentido de uma integração dualista das autoridades tradicionais,
pois o próprio autor define este
tipo de poder local como “anterior do Estado ou até mesmo desenvolver-se fora dele”, e ainda de que esta
instituição deveria ter um reconhecimento
constitucional, mas que “trata-se de apenas de reconhecimento de uma realidade pré e extra-estadual” (Feijó, 2000, p.
4).
A administração e governação
local como forma de exercício do poder de autoridade do Estado, constitui uma
das fórmulas institucionais do exercício do poder de autoridade do Estado nos
sistemas democráticos modernos.
Esse modelo resulta de um exercício de
desconcentração de competências para as entidades e entes que, estando mais
próximas dos cidadãos, encontram-se em melhores condições de dar respostas
céleres e cabais às demandas daqueles.
É ainda ao nível da administração
e governação local que encontramos as melhores oportunidades de envolver os
cidadãos no processo de tomada de decisões governamentais naquelas matérias que
têm que ver com o seu dia-a-dia.
A Constituição da República de
Angola consagra, a propósito da administração local do Estado, no seu artigo
201, o seu exercício por órgãos desconcentrados da administração central, como
propósito de assegurar, em nível local, a realização das atribuições e
interesses específicos da administração do Estado na respectiva circunscrição
administrativa, respeitando a autonomia do poder local.
A representação da administração
central na respectiva província cabe ao governo provincial, a quem incumbe
genericamente a condução da governação da circunscrição e velar pelo normal
funcionamento da administração local do Estado.
Ao governo provincial cabe, por
conseguinte, promover e orientar o desenvolvimento socioeconómico, com base nos
princípios e nas opções estratégicos definidos pelo titular do Poder Executivo
e no plano nacional, bem como assegurar a prestação dos serviços públicos na
respectiva área geográfica. Igual tarefa cabe à administração municipal na
respectiva área geográfica de jurisdição nos termos do artigo 44º da lei 17/10
da organização e do funcionamento dos órgãos de administração local do Estado.
A Constituição da República de
Angola consagra o princípio da autonomia do poder local. Com base nesse
princípio, muitos poderes e funções podem ser delegados ao nível da
administração e governação local. Como sempre o ideal da governação local é a
pedra de toque da democracia gestionária, que pode, entretanto, encontrar
obstáculos se aquela não tiver a expertise, os recursos financeiros e as
infraestruturas administrativa para o exercício das funções e dos poderes a
elas alocadas.
Os desafios da desconcentração versus
a descentralização acarretam também alguns espinhos na efectivação
dos objectivos da administração e governação local, tais como:
a) Insucesso na prossecução dos
seus poderes funcionais por escassez de recursos;
b) Considerar-se por vezes que a
descentralização é uma fórmula organizacional que pode agravar ainda mais as
desigualdades sociais;
c) Alguns serviços públicos
poderem manipular mais facilmente as decisões governamentais e administrativas
em favor de interesses de fortes grupos privados;
d) A descentralização em nível
local poder ser utilizada por instituições e outros níveis para fugir às suas
responsabilidades.
I.3 – O Poder Local na Constituição da República de
Angola
Falar do poder local na
Constituição da República de Angola pressupõe fazer uma incursão sobre a
constituição conceitual.
Assim, diremos que o poder local
se alicerça necessariamente num direito positivo em concreto, ainda que possa
ser inspirando em realidades jurídicas alheias e de contextos históricos ou
políticos de outrem.
Para o nosso caso, interessa-nos
analisar o conceito constante da Constituição da República de Angola, que
mereceu do legislador constitucional a devida atenção, dedicando-lhe o título
VI, 3 capítulos e 13 artigos.
Assim, o poder local é, à luz da
Constituição da República de Angola, um fenómeno da esfera do poder político
alicerçado na descentralização, tal como preceitua o artigo 213º.
A anterior lei constitucional
indexava o conceito de poder local à organização democrática do Estado,
dando-lhe um reconhecimento e projecção de grande importância.
A actual Constituição da
República de Angola dá ao conceito de poder local uma valência tridimensional
ao consagrar três formas organizativas: as autarquias locais, as instituições
do poder tradicional e outras modalidades específicas de participação dos
cidadãos, conforme disposto no nº 2 do artigo 213º.
Segundo o professor Doutor José
Melo Alexandrino (2010) ao analisar o conceito de poder local na Constituição
da República de Angola, ressalta que o texto constitucional assinala a dimensão
do poder político (democrático e tradicional).
Diferentemente do que ocorria na
lei constitucional, o poder local tem hoje a ele dedicado na Constituição da
República um título em separado.
Por conseguinte, o poder local,
sendo na sua dimensão um poder político, não é, todavia, soberano (não pode
ameaçar a soberania do Estado unitário), devendo conviver com outros poderes,
públicos, tradicionais e privados, assim como outros poderes administrativos do
Estado, especialmente o de controlo, nos termos previstos no artigo 241º da
Constituição.
Da leitura do texto da
Constituição resulta ainda que o poder local pode derivar do ordenamento do
Estado, mais democráticos e autônomos; de um ordenamento originário próprio e
decorrente do exercício dos poderes tradicionais, ou de meros poderes legais de
participação em actos, procedimentos, órgão ou instituições.
Quanto às autarquias locais, já a
anterior lei constitucional fazia referência a ela, em seu artigo 146º,
deferindo-a como pessoas coletivas territoriais que visam à prossecução de
interesses próprios das populações, dispondo para o efeito de órgãos próprios
representativos eleitos e de liberdade de administração das respectivas
colectividades.
Actualmente, é o artigo 217º da
Constituição da República de Angola que o conceptualiza como pessoas colectivas
territoriais correspondentes ao conjunto de residentes em certas circunscrições
do território nacional e que asseguram a prossecução de interesses específicos
resultantes da vizinhança, mediante órgãos representativos eleitos das
populações.
Estão, pois, aqui, implícitos os
elementos constitutivos do conceito de autarquias locais designadamente:
personalidade jurídica, comunidade de residentes, território, interesses
próprios, caráter eletivo dos órgãos e poderes locais.
Por outro lado, a devolução de
poderes, por parte do Estado angolano, evidencia-se também na nova Constituição
angolana, promulgada a 5 de Fevereiro de 2010, onde se vê consagrado o
princípio da descentralização da administração local do estado, tanto no
capítulo I - Princípios Gerais, que explicita os princípios do Poder Local
(artigos 213.º, 214.º, 215.º e 216.º), como no capítulo II – Autarquias Locais,
que enquadra a constituição das autarquias locais (artigos 217.º, 218.º, 219.º,
220.º, 221,º e 222º), reconhecendo também no capítulo III – Instituições do
Poder Tradicional. Ora, esta nova postura estatal e a sua Constituição não
pretendem que o estado se desresponsabilize das suas obrigações. Bem pelo
contrário, pretendem encontrar recursos humanos e meios mais eficazes para
conseguirem responder às necessidades locais que, por diversas razões, não
conseguem satisfazer na sua totalidade, através de uma via democrática. Como
refere Henriques (2004), está em curso um novo contrato social entre os
governos e os seus parceiros, atribuindo mais responsabilidades aos poderes
locais, empresas e instituições da sociedade civil. Essa devolução, segundo o
mesmo autor, desenvolve-se respeitando os 4 P’s, ou seja, os princípios
de prevenção, parceria, proximidade e produtividade.
A prevenção é cada vez mais a base das políticas públicas, uma vez que
as políticas de reacção são cada vez mais dispendiosas.
O princípio de parceria com
as instituições da sociedade civil, o sector privado e com poderes regionais e
locais que defendam e proporcionem, por diferentes meios, o bem-estar da
comunidade é exigido pela governança local20. Por exemplo, a diminuição da carga
fiscal permitirá às empresas criar e manter empregos de qualidade, ou ainda, o
sistema escolar, público e privado, é responsável de fazer das escolas meios de
excelência. Desenvolve-se o princípio da proximidade quando é permitido
ao cidadão o seu direito de escolha com o mínimo de interferência estatal. Por
fim, conforme o princípio da produtividade, os serviços serão mais
acessíveis em termos de custos, se considerarem as novas tecnologias e os novos
modos de governação. Portanto, a descentralização parece ser a melhor forma de
fornecer serviços públicos de qualidade, mais flexíveis, mais personalizados,
mais utilizados e de prevenção superior. Posto isto, esperamos que a “(…)
descentralização [não] surja antes como o último estratagema dos regimes pós-transicionais
africanos para se reformularem sem porem radicalmente em causa a sua natureza
(…)” (Otayek, 2007, p. 147).
I.4 – As Relações entre as Autoridades Tradicionais e o
Poder Político: O Papel das Autoridades Tradicionais
A
sociedade Angolana está caracterizada por ser uma sociedade onde as tradições
jogam ainda um papel primordial e decisivo, representam um determinado grupo de
pessoas que vivem num determinado território e têm autoridade sobre elas.
As
autoridades tradicionais desempenham um papel importante e decisivo de apoio na
coordenação dos processos de desenvolvimento local, com as seguintes funções:
-
Participam na obtenção de dados e informação sobre a realidade na região onde
radicam como base para a tomada de decisões sobre as acções de desenvolvimento
que deve executar a Administração do Município.
-
Propor, priorizar e solicitar a realização de obras e prestações de serviços
públicos de acordo as necessidades comunitárias em matérias de educação, saúde,
desporto, saneamento básico, micro-rego, estradas terciárias e desenvolvimento
urbano e rural.
-
Participar e cooperar na execução e administração de obras para o bem-estar
social, atendendo principalmente os aspectos de educação, melhoramento da
vivência, cuidado e protecção da saúde e massificação do desporto.
-
Controlar e supervisionar a realizar das obras e a prestação dos serviços
públicos para garantir a boa execução.
-
Coadjuvar na manutenção, resguardo e protecção dos bens públicos, municipais e
comunitários.
-
Participar e promover acções relacionadas à gestão e preservação do meio
ambiente, o equilíbrio ecológico e o desenvolvimento sustentável.
-
Solicitar a modificação de acções, decisões, obras e serviços oferecidos pelos
órgãos públicos quando sejam contrárias ao interesse comunitário
- A
execução das medidas de desenvolvimento deve ser acompanhadas pelas Autoridades
a fim de garantir os impactos das mesmas.
- A
Administração do Município deve aproveitar a convocatória natural que têm as
Autoridades Tradicionais para garantir a ordem e a tranquilidade dentro do
território municipal.
- As
Autoridades Tradicionais devem participar no recenseamento da população, e
informação em geral que serve de base para a tomada de decisões em relação ao
desenvolvimento.
-
Apoiar as autoridades sanitárias no combate as epidemias nas campanhas de
vacinação a população rural.
-
Devem participar no planeamento, organização e execução de programas, um
aspecto importante e de importante é de informar a população sobre o programa
previsto e das datas e lugares de acção.
-
Levar ao conhecimento da Administração do Município as preocupações que afectam
as populações da região e propor vias possíveis que permitam a solução das
mesmas
-
Manter a ordem e a tranquilidade nas respectivas áreas da sua jurisdição.
-
Tanto na fase de análise da situação da agricultura e pesca e das outras
actividades económicas do município como no desenho de programas de
desenvolvimento do sector e a sua execução as autoridades tradicionais jogam um
papel importante e devem participar.
-
Mobilizar as populações nas campanhas de alfabetização e ensino de adultos.
É
importante que as Autoridades Tradicionais informem detalhadamente a comunidade
representada por eles sobre as acções que desenvolvem na sua representação, e igualmente
devem ser impulsoras na modernização da sociedade promovendo o acesso
equitativo de mulheres e homens a níveis de representação.
A
descentralização é entendida assim como uma revalorização da importância
politica da periferia relativamente ao centro, tendo por base o principio de
que o poder é tanto mais visível quanto mais próximo estiver do cidadão e que
essa visibilidade não depende apenas da apresentação em público de quem está
investido de poder mas também da proximidade espacial que deve existir entre
quem governa e quem é governado. É através dele que a sociedade civil se poderá
manifestar.
Desde
a independência que o Estado aceitou reconhecer a eficácia das Autoridade
Tradicionais como elementos de intermediação entre o Poder político e determinados
grupos locais.
CONCLUSÃO
O soba no município tem um papel
preponderante e é um parceiro importante na sua solução de muitos problemas que
afectam a comunidades, como por exemplo, conflitos que incluem casos de
violência doméstica. Neste campo incluem-se os conflitos ligados à falta de
assistência de um dos cônjuges (normalmente o homem) à família (mulher e
filhos), casos envolvendo acusações de
feitiçaria, que apesar de estarem aparentemente em declínio, ocorrem
ainda bastantes casos de acusação de feitiçaria. Normalmente, são casos em que
crianças são acusadas, pela própria família, de serem feiticeiras, sendo por
isso vítimas de maus-tratos e mesmo mortas. Para a sua solução, recorre-se a
mediação e o aconselhamento. Para tal recorrem quer à auscultação das partes,
de forma individual, quer a audiências de mediação, onde se discute e avalia os
vários ângulos do conflito.
Como parceiro do governo, o soba
joga também um papel preponderante, o respeito
pela vida humana, a salvaguarda e garantia dos direitos de cidadania.
BIBLIOGRAFIA
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HENRIQUES, M. (2004). Conferência Panorama da
Cidadania. Comunicação oral apresentada numa conferência desenvolvida
Universidade Católica de Angola Conferência Panorama da Cidadania, Julho, 2004
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KOJÈVE,
A. (2004/1942). La Notion d’Autorité. Paris: Éditions Gallimard.
offunctionalist reason. Boston:
Beacon Press, 1987.
OTAYEK, R. A descentralização como modo de redefinição do
poder autoritário? Algumas reflexões a partir de realidades africanas. Revista
Crítica de Ciências Sociais, 2007.
PERISSINOTTO, R. M. Hannah Arendt, poder e crítica da
“tradição”. Revista Lua Nova, 2004.
MAT (Ministério
da Administração do Território). 2002. Relatório
síntese sobre o 1.º Encontro Nacional sobre a Autoridade Tradicional em Angola.
Luanda, Ministério da
Administração do Território.
MAT (Ministério
da Administração do Território). 2003. Estudo
Sobre a Macro- Estrutura da Administração Local. (Contribuição para a
Desconcentração e Descentralização). Luanda, Ministério da Administração
do Território.
Lei constitucional de Angola 1992
Constituição de Angola 2010
Relatório dos contributos das autoridades tradicionais
em Angola, 2010-2011, p 231.
[1]
Constituição, 2010 – Cap. I, Art. N.º 224
[2] Trata-se do “Estatuto
dos Indígenas Portugueses das Províncias de Angola, Moçambique e Guiné”, cuja
última versão, datada de 1954, determinava que o regime de trabalho, o
pagamento de impostos, o serviço militar, o ensino, a assistência médica,
enfim, quase tudo era regulamentado de modo específico para quem não tivesse a
cidadania portuguesa, os “indígenas”, por oposição aos “civilizados”.
[3] Povoação aqui
corresponde a aldeia (sanzala, kimbo, hata), não se devendo confundir
com a povoação da divisão político-administrativa actual, que corresponde a uma
unidade territorial mais ampla (ombala, ixi, mbanza)