Tétano neonatal

Definição

Doença infecciosa aguda,  não-contagiosa,  causada por neurotoxinas produzidas por uma bactéria que invade as células nervosas do Sistema Nervoso Central (SNC), provocando  espasmos musculares e convulsões violentas. A contratura permanente se intensifica em conseqüência de: estímulos  luminosos, tosse, micção, deglutição ou  barulhos. O tétano pode surgir a partir de qualquer ferimento.   

Devido as campanhas de vacinação infantil e da gestante,  reduziu-se bastante as ocorrências de tétano no Brasil,  mas quando acontece a letalidade ainda é muito alta, principalmente pelo diagnóstico tardio.  Apesar de facilmente evitável por meio da vacinação materna, o tétano  neonatal, que acomete bebês com até 28 dias, ainda é causa de mortes no Brasil e em outros países. Os óbitos acontecem principalmente em áreas rurais e carentes, onde são mantidas práticas inadequadas de corte e tratamento do coto umbilical (resíduo do cordão umbilical). O Tétano neonatal  chega em alguns países do Terceiro Mundo a ser a doença neonatal que mais causa óbitos nos recém-nascidos.

Sinonímia

O Tétano neonatal também é conhecido popularmente como:
  • Mal de 7 dias.

Incidência

  • Acomete mais o sexo masculino, por causa da maior exposição dos homens aos traumatismos.
  • É mais comum nos meninos por causa das brincadeiras infantis que  causam mais ferimentos.
  • Nos países em desenvolvimento atinge mais o recém-nascido, as crianças e os adultos jovens, enquanto em países desenvolvidos atinge mais os idosos por que não foram vacinados na infância.
  • Ocorre uma incidência muito alta em trabalhadores braçais.
  • Maior incidência na zona rural.
  • Tem maior incidência na população com nível sócio-econômico mais baixo.
  • Em países subdesenvolvidos a doença ocorre com altos índices de morbidade e mortalidade.
  • É uma doença que é fatal em quase 40% dos casos.
  • Tem maior prevalência nas zonas de clima tropicais e subtropicais, com uma maior incidência nos meses de clima quente.
  • Ocorre 1000 casos de tétano acidental por ano.
  • 60% dos recém-nascidos com o tétano neonatal infelizmente morrem.

Agente etiológico

Bacilo Clostridium tetani; bacilo Gram-positivo; móvel; anaeróbico;. sob condições desfavoráveis tem a capacidade de se transformar em esporo que assume uma resistência excepcional às condições ambientais.

Em condições de anaerobiose o esporo germina, assumindo a forma vegetativa com a capacidade de elaborar a exotoxina tetânica. É uma toxina neurotrópica tão forte e devastadora que só é superada em potência pela toxina botulínica.

Fisiopatologia

A bactéria que transmite o tétano  é muito sensível,  só pode sobreviver fora do contato com o oxigênio (anaeróbio). Por isso assume a forma de esporo para aumentar suas condições de sobrevivência. Através de um ferimento na pele, queimaduras, ou outros tipos de lesões que rompam a pele, o esporo penetra  no organismo e retorna a sua forma original de bacilo. Este se prolifera  e passa a produzir toxinas que invadem o sangue, essas toxinas atacam as células nervosas que regulam os movimentos musculares. O processo de contração tetânica se espalha rapidamente em todos os músculos, provocando espasmos e contrações violentíssimas e involuntárias.

Tipos 

  • Tétano acidental: os bacilos penetram nos ferimentos superficiais ou profundos, fraturas expostas, feridas cirúrgicas, abortos provocados por objetos perfurantes, fios cirúrgicos não esterilizados. É considerado tétano acidental quando a doença atinge crianças a partir do vigésimo oitavo dia de vida.
  • Tétano umbilical  ou neonatal (neonatorum): contaminação do coto umbilical pelo bacilo do tétano. É considerado tétano umbilical quando a doença atinge recém-nascidos até o vigésimo sétimo dia de vida.

Transmissão

Os bacilos do tétano ou seus esporos podem ser encontrados em:
  • terra ou areia contaminados com fezes animais e humanas;
  • águas putrefatas;
  • latas e pregos enferrujados;
  • espinhos;
  • nas folhas das plantas
  • fezes de animais herbívoros;
  • agulhas não esterilizadas;
  • seringas de vidro;
  • instrumental cirúrgico não esterilizado ou mal esterilizado.
Focos tetânicos
São considerados como prováveis focos tetânicos:
  • ferimentos superficiais ou profundos de qualquer natureza que tenham estado em contacto com poeira da rua ou terra;
  • queimaduras, principalmente por fogos de artifícios;
  • tecidos necróticos, principalmente quando supurados;
  • feridas cirúrgica suturados com fio de categute mal esterilizado ( fio cirúrgico categute é feito com intestino de carneiro);
  • fraturas expostas contendo restos de tecidos desvitalizados;
  • roupas e corpos estranhos;
  • cotos umbilicais tratados com substâncias contaminadas.

Período de incubação

O tempo médio entre a lesão até os primeiros sintomas varia de 1 a 14 dias, mas também pode chegar até 2 meses. Se o organismo tiver com a imunidade baixa e houver contaminação por muitos bacilos, a doença pode aparecer em até dois dias.

Período de regressão

O tempo médio entre os primeiros sintomas até o primeiro espasmo no tétano acidental varia de 24 a 72 horas, e de 12 a 24 horas no tétano umbilical. Esse período é utilizado quando o foco não é percebido.

Obs: Quanto menor o tempo entre o período da incubação e o período da regressão, pior  o prognóstico para o paciente. O diagnóstico da doença e o tratamento tem que ser feito o mais precocemente possível, porque a demora faz com que a vida do paciente corra mais risco.

Sinais e sintomas

Os sintomas do tétano neonatal são mais graves do que em casos de tétano acidental (que atinge adultos e crianças com mais de 28 dias).

Tétano neonatal ou umbilical: 

A contaminação ocorre geralmente no momento do corte do cordão umbilical  por instrumento  cortante contaminado, ou por substâncias contaminadas que são colocadas no coto umbilical para a cicatrização:

  • dificuldade do bebê de chupar o seio ou a mamadeira;
  • trismo; 
  • espasmos musculares paroxísticos;
  • hiperextensão dos membros inferiores;
  • hiperflexão dos membros superiores junto  ao tórax;
  • flexionamento total das mãos e pés;
  • crises de apnéia;
  • fronte pregueada;
  • olhos cerrados;
  • opistótono (corpo em forma de arco, cabeça para trás).
  • lábios contraídos  em U.
ObsNa maioria dos casos de tétano neonatal ou umbilical, os pais referem precocemente que o queixo da criança endureceu, tanto que não abre a boca nem para mamar nem tomar mamadeira. Todo o recém-nascido com trismo, tem tétano até prova em contrário, embora o opistótono seja mais comum. Nos casos mais graves, o primeiro sinal já podem ser os espasmos, e estes tanto podem surgir tanto em resposta a estímulos como espontaneamente. Ao espasmo intenso, segue-se coloração acinzentada da pele, flacidez, anóxia e exaustão. 

Tétano acidental:

Os sinais e sintomas do tétano  acidental  podem ser divididos geralmente por uma ordem cronológica de aparecimento:  tétano local, sintomas prodrômicos, contratura permanente, espasmos paroxísticos (convulsões).
  • dificuldade em deambular; 
  • espasmos involuntários; 
  • dores nas pernas;
  • disfagia;
  • adormecimento da língua;
  • trismo;
  • opistótono; 
  • taquicardia;
  • hipertonia abdominal;
  • hipertonia torácica;
  • hipertonia muscular;
  • rigidez na nuca, projetando a cabeça para trás;
  • rigidez abdominal em tábua;
  • dispnéia;
  • convulsões  violentas;
  • hipertensão arterial.
Obs: Qualquer barulho, toque na pessoa, apagar e ligar de luzes, mudança de temperatura, alteração no ambiente podem provocar espasmos dolorosos e involuntários. A repetição desses espasmos por muito tempo pode causar exaustão profunda e  asfixia, que pode acarretar em algumas situações o óbito do paciente.

Graus de severidade

  • Leve:   apresenta  apenas rigidez muscular.
  • Moderado:  apresenta espasmos de intensidade média, pouco freqüentes, controláveis com dose baixa de sedativos.
  • Grave:  apresenta espasmos freqüentes  junto com a síndrome de hiperatividade simpática. Esse tipo de grau ocorre geralmente quando a doença surge com períodos de incubação e progressão curtos.

Diagnóstico

  • Anamnese rigorosa.
  • Exame físico.
  • Exame clínico.
  • Exames laboratoriais.
  • Cultura do material do ferimento.
Obs: O exame mais rápido para o médico que fornece um diagnóstico precoce e positivo para verificar se a pessoa está com tétano é o exame  clínico. Através desse exame o médico tem chances de dar início ao tratamento mais precocemente e tentar reverter as  complicações e seqüelas do tétano. ë importante o médico determinar o tempo de incubação porque quanto menor ele for, pior será o prognóstico. Um período de incubação de 1 a 4 dias geralmente é acompanhado pelo tétano grave.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial deve ser feito para que o Tétano não seja confundido com outras patologias com quadro clínico semelhante. Através dos exames clínico, físico, laboratoriais e estudos radiológicos o médico pode excluir essas doenças, até chegar ao diagnóstico correto. As doenças  que podem ser confundidas com o Tétano são as seguintes: 

Tétano acidental:
  • Intoxicação por estricnina.
  • Intoxicações por inseticida organo-fosforados.
  • Reações colaterais às fenotiazinas.
  • Tetania (hipocalcemia ou alcalose).
  • Poliomielite.
  • Meningite.
  • Meningoencefalite.
  • Raiva.
  • Histeria.
  • Processos inflamatórios da região buco-amígdalo-faríngea.
Tétano neonatal ou umbilical:
  • Infecção do SNC.
  • Trauma obstétrico.
  • Hipocalcemia.
  • Desidratação hipertônica.
  • Kernicterus.
Fatores que podem complicar o tratamento
  • Idade: a mortalidade é mais alta nos extremos da vida (RN e idosos).
  • Período de incubação: quanto menor pior o prognóstico. Período de incubação de 1 a 4 dias sugere tétano grave.
  • Período de regressão: menor que 48hs - mal prognóstico;  maior que 3 dias - melhor o prognóstico.
  • Febre: elevada desde o início maiores serão as complicações.
  • Extensão do comprometimento: quanto mais o tétano localizado melhor será o prognóstico.
  • Freqüência dos espasmos musculares, grau de hipertonia e de disfagia, crises apnéicas, presença e intensidades de insuficiência respiratória; quanto mais intensos esses sintomas, pior o prognóstico.
  • Qualidade do tipo de tratamento  e assistência dada ao paciente no hospital. 

Tratamento

Objetivo:   Evitar que a doença se desenvolva causando as complicações respiratórias e cardiovasculares.

O tétano é uma doença que requer uma equipe de enfermagem especializada, pois os cuidados de enfermagem são extremamente importantes para o paciente, por isso, a necessidade de que todos os Estados do Brasil tenham uma unidade de referência específica para os casos de internamento de pacientes tetânicos.
  • Internação imediata do paciente em enfermaria adequada, de preferência em hospital que exista uma instalação e uma equipe médica e  de enfermagem, treinada no atendimento para paciente tetânicos e no caso de recém-nascido deve-se utilizar incubadoras para manter a constância térmica.
  • Dentre os inúmeros cuidados de enfermagem pode-se destacar:  higiene nasotraqueobrônquica por aspiração; manipulação do paciente; sondagem; alimentação; higiene corporal; cuidados com os olhos; administração prescritas de medicamentos quando ocorrem espasmos ou convulsões; nebulizações; controle de diurese; fisioterapia da caixa torácica; evitar escaras no paciente; coleta de secreções traqueais; coleta de urina para cultura; observação permanente do paciente para que possa atuar quando houver necessidade imediata, pois o paciente tetânico tem uma facilidade grande de sofrer asfixia devido aos espasmos e convulsões, e se os cuidados de enfermagem não forem corretamente e tecnicamente empregados, podem ser um dos motivos para o agravamento da saúde do paciente.  
  • O paciente deve ficar isolado em um quarto silencioso, sem muita luminosidade e sem variações térmicas.
  • Deve-se manipular o mínimo possível o paciente,  para não desencadear contraturas paroxísticas. 
  • A manipulação do paciente quando o mesmo necessita da mobilização para evitar ulceras de decúbito  e ajudar a movimentar as secreções traqueobrônquicas, devem ser executadas por uma  equipe de enfermagem bem treinada com as técnicas necessárias para que não desencadear espasmos por estímulo táctil.
  • Sedação do paciente conforme prescrição médica.
  • Cuidados com os olhos do paciente,  com medicação prescrita pelo médico, para evitar ulcerações de córnea e conjuntiva.
  • Administrar o soro antitetânico. 
  • Miorrelaxantes musculares de ação central ou periférica para atuar no controle das contraturas.
  • Antibioticoterapia em doses elevadas.
  • Respiração controlada com pressão positiva intermitente (respirador tipo Bennet, Bird), através de entubação endotraqueal ou traqueostomia, se houver comprometimento respiratório.
  • Posição de Trendelemburg, quando houver muita secreção pulmonar.
  • Proteção de língua contra mordedura.
  • Desbridamento  profundo  e extenso do foco.
  • Manter a ferida limpa, sem curativo até a cicatrização. 
  • Paciente deve ser alimentado de preferência por sonda nasogástrica, ou alimentação via parenteral.
  • Isolamento e contenção do paciente.
  • Dieta zero para casos graves e gravíssimos. 
  • Em casos gravíssimos ou que não respondam ao tratamento, utilizam-se curares de ação rápida.
  • Em alguns casos é necessário a traqueostomia.
  • Em alguns casos gravíssimos em que o paciente não está reagindo à tratamento médico, é indicado induzir o paciente ao coma, através de medicamentos.
  • RX  da coluna dorsal para detecção de fraturas de vértebras.
  • RX do tórax para detecção de costelas fraturadas.
Obs: O soro antitetânico administrado não neutraliza a toxina da bactéria já fixada nas células nervosas, mas somente impede que novas quantidades de bactérias invadam  e se fixem  nos receptores nervosos.

Complicações

  • Fraturas vertebrais por compressão  mecânica, devido às fortes contrações musculares.
  • Parada respiratória devido aos espasmos musculares.
  • Septicemia.
  • Insuficiência cardíaca.
  • Insuficiência respiratória.
  • Embolia pulmonar.
  • Embolia cerebral.
  • Crises hipertensivas.
  • Hemorragia digestiva.
  • Atrofias musculares e deformidades torácicas.
  • Lesões neurológicas decorrentes da hipoxia tecidual.
  • Cifose.
  • Flebite (inflamação dos vasos sanguíneos do corpo).
  • Atelectasia.
  • Asfixia.
  • Choque anafilático.
Prevenção do tétano neonatal
  • Para prevenir o tétano umbilical a gestante deve ser vacinada com duas doses durante a gravidez. A imunidade materna ativamente adquirida, é transferida passivamente ao feto através da circulação placentária, conferindo uma imunidade contra o tétano neonatal por um período de 2 meses em média. 
  • A gestante deve ter uma assistência obstétrica durante a gravidez  e o parto.
  • O parto deve ser realizado em ambiente hospitalar, mas caso não seja possível  as parteiras ( curiosas) devem ter treinamento para evitar o tétano neonatal.
O tétano neonatal ou umbilical poderia em muitas vezes ser evitado,  se não fossem utilizadas substâncias  e instrumentos, tanto no corte do cordão umbilical como no coto umbilical, que por incrível que pareça, é comum em algumas regiões do Brasil e principalmente em alguns países subdesenvolvidos:

Cordão umbilical é seccionado pelos seguintes instrumentos não esterilizados:
  • facas sujas;
  • lascas de bambu;
  • lanças;
  • cacos de vidro;
  • gillete.
Coto umbilical é utilizado as seguintes substâncias como "curativo", para estimular a cicatrização:
  • teia de aranha;
  • pó de ervas;
  • fumo queimado
  • picumã (vegetação e pó das paredes de fogões a lenha);
  • fezes de vaca se for menina, e fezes de boi se for menino;
  • óleo vegetal;
  • folha de mamona;
  • lama;
  • estrume de animais;
  • extrato de bananas verdes.

Prevenção do tétano acidental

medidas sanitárias:
  • Notificação Obrigatória às Autoridades Sanitárias;
  • imunização ativa (vacinação)  com o toxóide tetânico;
  • imunização passiva (soro antitetânico)  suspeita de infecção;
  • a vacina deve ser renovada a cada 10 anos.
medidas gerais:
  • quando houver um ferimento lave-o imediatamente com água corrente e sabão, não cubra o ferimento.
  • usar proteção nos membros inferiores como sapatos, botas e roupas protetoras, já que a grande parte dos ferimentos se localiza nos pés e pernas.
  • usar luvas longas de borracha quando o trabalhe exige contato com material que possa causar ferimentos nos membros superiores.
  • noções  elementares de higiene e assepsia são importantes na prevenção do tétano.
Obs: O tétano pode ser prevenido por campanhas de vacinação e se campanhas educativas por parte do governo fossem feitas para a comunidade ensinando os cuidados primários e elementares de saúde para tratar de um ferimento. Ignorância, pobreza, medicina primitiva (leiga, folclórica), crendices religiosas, baixo nível cultural e principalmente a falta de assistência médica  são responsáveis pela incidência  do tétano.