António Jacinto do Amaral Martins
António Jacinto do Amaral Martins
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio de te perder
deste mais que bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...
amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio de te perder
deste mais que bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...
Extractos do Poema “Carta do contratado” In: Carlos Ervedosa. Roteiro da Literatura Angolana. Luanda, Edição da Sociedade Cultural de Angola, 1974, p. 74. António Jacinto é o pseudónimo literário do poeta António Jacinto do Amaral Martins, nascido em Luanda aos 28 de setembro de 1924 e falecido em Lisboa a 21 de Junho e 1991. Fez os seus estudos no Golungo Alto e em Luanda, onde concluiu no liceu Salvador Correia o curso complementar de Ciências. Trabalhou durante alguns anos como escriturário, desenvolvendo nessa altura actividades literárias e patrióticas.
“O meu gosto pela leitura e pela poesia é influência da minha mãe. Na minha infância vivíamos no interior de Angola, numa terra muito pequena, muito isolada, com muito pouco convívio (Cambondo), e a minha mãe contava-me contos infantis, da tradição portuguesa e não só, e também ela conhecia – até de cor – poemas de poetas portugueses, que recitava e muitas vezes também cantava! Daí ficou esse gosto pela poesia e pela literatura Eu lembro-me que o meu primeiro escrito seria dentro dessa linha de contos infantis e, talvez, o meu primeiro poema – uma quadra – surgiu ainda no período de infância.” Extractos da entrevista concedida a Michel Laban, para a sua obra “Angola: Encontro com Escritores”.
Foi um dos fundadores do Partido Comunista Angolano que funcionou na clandestinidade, o redactor dos Estatutos do Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUAA), foi preso em 1959, aquando do “Processo dos Cinquenta”. Preso novamente em 1961, onde é condenado após o julgamento de 1963 a 14 anos de cadeia, sendo deportado para o Tarrafal (Cabo Verde). Resultado de uma campanha internacional em 1972, é-lhe fixada residência em Lisboa, onde trabalha na empresa transitária ARNAUD até 1973, data em que foge para Argel (Argélia) para a guerrilha do MPLA. Foi director do CIR (Centro de Instrução Revolucionária) Kalunga na 2ª Região Político-Militar e do CIR Binheco no Mayombe.Integrou a 1ª Delegação Oficial do MPLA que chegou a Luanda em 8 de Novembro de 1974. Após a independência ocupou cargos de responsabilidade no país, como o de Ministro da Educação e Cultura, Secretário de Estado da Cultura, e na Direcção do MPLA.
Não é este ainda o meu poema
o poema da minha alma e do meu sangue
não
Eu ainda não sei nem posso escrever o meu
[poema
o grande poema que sinto já circular em mim
o poema da minha alma e do meu sangue
não
Eu ainda não sei nem posso escrever o meu
[poema
o grande poema que sinto já circular em mim
O meu poema anda por aí vadio
no mato ou na cidade
na voz do vento
no marulhar do mar
no Gesto e no Ser
no mato ou na cidade
na voz do vento
no marulhar do mar
no Gesto e no Ser
Extractos do “Poema da Alienação” In: Poemas. Luanda, INALD; 1985, p. 48-51.
Participou em actividades literárias na Sociedade Cultural de Angola, no Cine-Clube de Angola, no movimento “Movimento dos Novos Intelectuais de Angola”, na criação da revista Mensagem em Luanda. Colaborou em diversos jornais e revistas como Mensagem (CEI), Cultura (II), Boletim Cultural do Huambo, Jornal de Angola, Itinerário, Brado Africano, Império, Notícias do Bloqueio, entre outros. Como contista por vezes usava o nome literário de Orlando Távora, também usou o de Kiaposse. Foi membro fundador da União dos Escritores Angolanos. Foi galardoado com o Prémio LOTUS em 1979; com o Prémio Nacional de Literatura em 1987, com o Prémio NOMA e com a Ordem Félix Varela de 1ª Classe, do Conselho de Estado da República de Cuba. Em 1993, o Instituto Nacional do Livro e do Disco (INALD) do então Ministério da Cultura instituiu o «Prémio Literário António Jacinto»
Seus contos e poemas integram diversas antologias e publicações colectivas entre outras: Antologia dos Poetas de Angola (1950), Caderno da Poesia Negra de Expressão Portuguesa (1953), Antologia da Poesia Negra de Expressão Portuguesa (1958), Contistas Angolanos (1960), Estrada Larga (s.d.), Poesia Africana di Rivolta (1969), Antologia da Poesia Pré-Angolana (1976), No Reino da Caliban. Antologia Panorâmica da Poesia Africana de Expressão Portuguesa II (1976).
Suas obras publicadas são: Poemas (1961; 1985), Vovô Bartolomeu (1979), Em Kiluange do Golungo (1984), Sobreviver em Tarrafal de Santiago(1985), Prometeu (1987), Fábulas de Sanji (1988), Vôvô Bartolomeu (1989).
Pires Laranjeira escreveu que “António Jacinto produziu uam poesia de escalpelização dos temas típicos do sócio-realismo: a dominação e a exploração coloniais, o analfabetismo, a prostituição, o alcoolismo, a alienação e a consciência de classe, a revolta e a transformação política da sociedade. No grande Desafio contra o poder colonial, a união no campo político está expressa nos textos em que todos se aglutinam sob o foco iluminador do sujeito consciente de carregar a odiosa máscara branca da dominação da terra dos negros que quer ajudar a libertar.” In: Pires Laranjeira. Literatura, Cânone e Poder Político. Comunicação apresentada .....p.1
Carlos Ervedosa escreveu referindo-se à década de 50 e o “Movimento dos Novos Intelectuais de Angola” e à poesia de Jacinto: “António Jacinto escreve então alguns dos mais belos poemas do Movimento, com temas que se inscrevem tanto no mundo urbano como no mundo rural. Deste, dá-nos o escritor, entre outros poemas, a “Carta de um contratado”, onde nos transmite a angústia do homem do campo, saudoso, longe da terra e da sua amada, escolhendo o poeta, com precisão as palavras e as imagens, a forma em suma, que melhor pode servir o texto.” In: Carlos Ervedosa. Roteiro da Literatura Angolana. Luanda, Edição da Sociedade Cultural de Angola, 1974, p.73.