O tráfico de escravo
INTRODUÇÃO
O estudo do processo de escravização dos povos africanos é essencial para que se compreenda a
situação atual de desigualdade no planeta. Revela uma longa história de exploração e subjugação
de populações fragilizadas por outras, mais equipadas. Demonstra também que a
desestruturação econômica e cultural tem efeitos desastrosos de longa duração.
Do ponto de
vista econômico, a escravidão foi uma forma eficiente de acumulação primitiva.
No que diz respeito às pessoas, foi uma violência irreparável, que pressupõe,
dentre outros fatores, a existência de povos muito pobres, mão de obra
excedente que possa ser explorada em benefício de uma minoria. Assim, parte do
atual contexto socioeconômico da África de
miséria e exclusão é consequência de fatos passados.
O TRAFICO DE ESCRAVO EM
ANGOLA
O
actual território de Angola, que pesquisas recentes de investigadores franceses
comprovam ter sido habitado desde o Paleolítico Inferior, foi alvo ao longo da
sua história de muita movimentação populacional, com sucessivas levas de povos
bantos a empurrar para Sul os primitivos autóctones de origem não bantu, os
khoi-san, hoje reduzidos a uma população de menos de dez mil pessoas. Essas
migrações mantiveram-se mais ou menos regulares até pelo menos os fins do
século XIX.
A chegada
dos primeiros europeus data de fins do século XV, em 1482, quando o navegador
português Diogo Cão aportou a foz do rio Congo ou Zaire. O padrão que ergueu
então numa das suas margens em nome do rei D. João II atesta assim o primeiro
reconhecimento exterior do reino do Congo. Na sua capital, a ainda hoje
existente cidade de Mbanza Congo, no Norte de Angola, o rei recebeu os
estrangeiros como amigos e deixou-se converter ao cristianismo, tomando o nome
de Afonso I.
Em 1700,
segundo os cálculos do historiador Ravenstein, os portugueses dominavam em
Angola uma área de 65 mil quilómetros quadrados, a partir do litoral de Luanda
e Benguela até 200 quilómetros para o respectivo interior, praticamente com o
objectivo único de manter abertas as rotas dos escravos a partir do planalto.
Por essa altura, de facto, já os escravos negros eram a principal mercadoria a
dominar todo o comércio, sendo "exportados" para Portugal, Brasil,
Antilhas e América Central.
Durante os
séculos XVIII e XIX, a situação não se altera na essência de maneira
significativa, aumentando apenas a área de captura dos escravos, que se estende
para o planalto central, e o número dos que eram enviados para fora de Angola.
Em fins do
século XVIII, sob o impulso do Marquês de Pombal, o todo-poderoso ministro do
Rei de Portugal, uma tímida tentativa foi feita para a exploração de algumas
das riquezas do país. Essa tentativa fracassou por falta de apoio local e da
própria metrópole mais interessada no desenvolvimento do Brasil com base nos
escravos angolanos. Angola teve assim de continuar a manter o seu título de
"mina da escravaria" e o seu papel de fornecedora de escravos para as
plantações brasileiras.
Como está
amplamente demonstrado na correspondência da época entre o rei de Portugal e o
rei do Congo, esse primeiro contacto realizou-se entre soberanos iguais em
direitos, mostrando-se a sociedade congolesa aberta ao convívio com os
recém-chegados e ao funcionamento de uma verdadeira aliança entre Estados
organizados.
Só ao
longo do século XVI, e depois de contínuos e complicados jogos de sedução,
intrigas e traições, se começariam a acentuar os laços de dependência do reino
do Congo em relação a Coroa portuguesa.
Do reino
do Congo dependiam outros reinos menores mais a Sul, como o da Matamba e o do
Ndongo, de cujos soberanos, os Ngola, provirá mais tarde o nome de Angola. A
resistência desses três reinos a penetração colonial será praticamente esmagada
na segunda metade do século XVII, no curto espaço de 20 anos: Congo (1665),
Ndongo (1671) e Matamba (1681).
Contraditoriamente,
ao mesmo tempo em que se multiplicam as revoltas contra o comércio de escravos
por parte de alguns sobados independentes e dos estados africanos do planalto
(que só serão relativamente pacificados mais de um século depois), uma elite
económica de origem africana vai-se firmando com base nesse mesmo comércio.
O século
XIX foi o das grandes explorações do continente africano e da partilha
colonial. As explorações de Serpa Pinto, de Capelo e de Ivens permitiram
precisar a cartografia de Angola. A Conferência de Berlim, em 1885, estabeleceu
o direito público colonial e tratados entre Portugal, a França, o Estado Livre
do Congo (Belga), a Grã-Bretanha e a Alemanha definiram as fronteiras actuais
de Angola.
Para a
população angolana, a abolição do tráfico da escravatura em 1836 e o fim
oficial da condição de escravo em 1878 não alteraram o fundo da questão,
continuando a exploração das grandes massas trabalhadoras angolanas por parte
do poder colonial a ser feita sob a forma do chamado contrato. Essa situação
vai agravar-se com a política colonial do regime de Salazar a partir dos anos
30 do século XX.
Muitas das
grandes famílias africanas que se haviam constituído um século antes começam
então a perder progressivamente o seu relativo poderio económico, e é
significativo que alguns dos seus descendentes tenham sido dos primeiros a
envolver-se na fase moderna das lutas de libertação, a partir dos anos 60,
ocupando hoje lugares chave no sistema político e económico que se seguiu à
proclamação da Independência em 11 de Novembro de 1975.
A colónia dos portugueses em Angola
Na
colônia de Angola, a
exportação de mão de obra escrava pelo porto de Luanda terá
sido alvo de competição no século XVII entre portugueses e holandeses.
É
depois da disputa entre os colonizadores, cujo vencedor foi o reino de Portugal, que
pode ter se originado a captura direta de escravos, nas chamadas Guerras
Angolanas, no seio de certas tribos que tinham lutado contra os portugueses.
Foi dessa forma que Angola se tornou um centro importante de fornecimento de
mão de obra escrava para o Brasil, onde crescia não apenas a produção de
cana-de-açúcar no Nordeste, mas
também a exploração de ouro na região central.
Navios
com mercadorias de Goa faziam escala em Luanda
lá deixando panos, as chamadas "fazendas de negros". Dali, seguiam
para Salvador, na Bahia,
carregados de escravos e de outras mercadorias provenientes da Índia (como
louças e tecidos). Foi assim que Salvador se tornou um centro difusor de
mercadorias da Índia pela América do Sul.
Os
negócios foram se estruturando aos poucos. Num primeiro momento, os
governadores da colônia detinham o poder de determinar o preço dos escravos. O
pagamento era feito em ouro proveniente de Minas
Gerais, no Brasil. Mais tarde, em 1715 a coroa portuguesa
proibiu que os governadores se envolvessem com o tráfico. Negociantes provenientes
do Brasil (principalmente do Rio de
Janeiro, da Bahia e também dePernambuco)
assumiram as rédeas do comércio, que se aqueceu. A principal feira fornecedora
de escravos para o porto de Luanda era a feira de Kassanje.
No
século XVIII, a cachaça brasileira (geribita)
passou a ter papel de destaque nas trocas, sendo valorizado tanto em Angola quanto
no Brasil. Figurava, ao lado da seda chinesa e as armas europeias, como uma das
principais moedas de troca. Era, na verdade, a moeda mais corrente, já que o
comércio de armas era controlado e a seda chinesa a só chegava à África depois
de passar por Lisboa, o
que elevava seu preço e reduzia sua liquidez. Outro produto brasileiro
valorizado na África era o fumo de corda de Salvador.
O sobado de Kabuko Kambilu
Ao
sul de Luanda, deságua o Rio
Kwanza, que vem do interior do continente. Esse rio
foi de fundamental importância na penetração portuguesa, além de servir de
corredor para a comercialização de mercadorias de regiões interioranas como
Lunda, Kassanje, Malanje, Lubolo, Matamba, Ambaca, Cazembo e outras.
Às
margens desse rio, tradicionalmente, se organizavam os sobados, agrupamentos de
famílias que respeitavam o chefe de linhagem, que, por sua vez, prestava
obediência ao soba, líder escolhido por conselheiros.
De
maneira geral, os sobas serviram como instrumentos de dominação e controle das
sociedades africanas pelos europeus. Durante o período colonial, o soba se
transformou num vassalo do colonizador, sob a ameaça de receber em seu povoado
uma "expedição punitiva", ou seja, saque e escravização.
Em
troca da obediência, tinha maior acesso a mercadorias, o que teoricamente
aumentava seu poder local.
Na
outra face da moeda, nota-se que, no século XIX, os portugueses dependiam
totalmente da lealdade de sobas influentes.
Kabuku
Kambilu era um dos maiores sobados da região de Angola, já forte antes da
chegada dos portugueses no século XVI. O chefe (conhecido como Kabuku Kambilu)
era reconhecido pelos demais sobados como a "primeira autoridade",
detentor de poderes mágico-religiosos.
A
ordem foi desequilibrada quando o grupamento se aliou aos portugueses e, entre
1875 e 1880, adotou uma política de agressão armada aos sobados vizinhos,
passando a controlar grande parte do comércio e do tráfico. Com o passar do
tempo, entretanto, as desavenças internas e o crescente descontentamento dos
portugueses tiraram do Kabuko suas principais fontes de renda: o monopólio da
travessia do Rio Lukala e as feiras de Mukoso, Kangongue e Lukala. Mais tarde,
fazendeiros brancos de Cazengo expandiam suas propriedades até os limites da
área ocupada pelo do povo do Kabuku.
A TRANSFORMAÇÃO DA ESCRAVIDÃO NA ÁFRICA
Como
se viu, no início do século XIX havia forte pressão para que o tráfico de
escravos africanos promovido por europeus fosse extinto. Esse movimento, ao contrário
do que se poderia esperar, não extinguiu a escravidão no continente africano,
mas fez nascer o modo de produção escravista dentro da própria África.
Diferente,
como não poderia deixar de ser, daquele praticado nas colônias americanas, o
modo de produção escravista na África foi incorporado de muitas maneiras.
Foram
introduzidas plantations (principalmente na savana setentrional), além do
trabalho em minas na chamada Costa do Ouro (que contava com um estado
centralizado capaz de continuar coagindo indivíduos à escravidão).
Ocorre
que não havia na África como controlar todo aquele contingente de indivíduos
escravizados sem a ajuda dos europeus. Muitos fugiam ou se revoltavam
encorajados pela retórica abolicionista de missionários e reformadores – figuras
que se tornavam cada vez mais comuns. "A imposição do colonialismo
extinguiu a escravidão como um modo de produção e marcou a completa integração
da África na órbita do capitalismo".
Não
se deve incorrer no erro, no entanto, de acreditar que um sistema tão arraigado
ao longo de séculos na cultura africana pudesse ser simplesmente abandonado e
esquecido de um momento para o outro. O que se deu, a princípio, foi a
transição do tráfico de escravos para o comércio
"legítimo" – um processo repleto de problemas e de implicações.
A
persistência da prática no Daomé (antigo reino africano
localizado na região em que hoje está o Benim) é
um exemplo ilustrativo. Apoiado pelo rico e influente traficante de escravos
brasileiro Francisco Félix de Souza(Chacha),
ocorreu ali um golpe de estado.
Em
1818, chegou ao fim o curto e polêmico reinado de Adandozan. Quem assumiu o
comando, Guezô, permaneceu no poder por quarenta anos, nos quais incentivou o novo
comércio, superando a "crise de adaptação" com sucesso.
Assim
como no golfo de Biafra, em Daomé o
comércio de escravos e o de azeite de dendê (principal mercadoria do
comércio legítimo) se expandiu até a década de 1860. Mas, a partir de 1840, o
declínio do tráfico já se mostrava iminente.
O legado da escravidão
Na
África, o resultado do sistema escravagista foi devastador. Comunidades que
antes conviviam pacificamente se militarizaram e travaram guerras infindáveis.
Enquanto durou a escravidão, os escravos, assim "produzidos", eram
vendidos em feiras e exportados. Depois, os antagonismos étnicos entre os
capturados e os captores se acentuaram, de forma que mesmo após a retirada dos
últimos colonizadores, já no final do século XX, as guerras continuaram
ocorrendo.
Houve
mais interferências externas. O empresário inglês Cecil Rhodes, por exemplo,
investiu largamente em mineração, e fundou o estado da Rhodésia,
depois dividido em Rhodésia do sul e Rhodésia do norte, hoje Zâmbia e Zimbábue. Queria formar um império inglês.
Mais
tarde, o problema foi agravado, e generalizado, pelo fato de a África ter sido
dividida em países artificiais, forjados pela régua dos burocratas da Organização das Nações Unidas (ONU) após a Segunda Guerra Mundial. Sem
levar em conta a cultura local, a ONU subjugou ao tacão de líderes não
reconhecidos como tal, povos com hábitos, idiomas e economias diversas.
Outras
circunstâncias contribuíram para que a África chegasse ao século XXI como o
continente mais pobre, injusto e desigual do planeta. Uma delas foi a
introdução de mercadorias estrangeiras, ainda no tempo colonial, que provocou a
ruína do sistema de produção local.
Em
Angola, o sistema do sobado entrou em decadência com a implantação de
plantations. Outros centros comerciais próximos ao Rio Kwanza, como o Dongo,
passaram a comercializar borracha, cera, café, amendoim e outros produtos
demandados pelos europeus – em detrimento da produção de bens de subsistência
essenciais para a população.
O
resultado dessa história milenar de exploração e injustiça são as guerras civis e a
extrema pobreza em que o continente chafurda até os dias atuais.
A situação na actualidade
Angola
conseguiu até aqui o que parece ser essencial, ou seja, conseguiu preservar a
independência, manter a integridade territorial, lançar as bases de um Estado
Democrático de Direito e conquistar a paz, garantindo a unidade e a consciência
do seu povo em torno de um projecto nacional, apesar de todas as agressões e de
todas as acções de desestabilização que sofreu durante quase 30 anos de guerra.
Para tal o
país teve de resistir logo em 1975 a invasão simultânea de dois exércitos, o
zairense a Norte e o sul-africano a Sul, à ocupação de parte do seu território
pelo exército de Pretória no início dos anos 80 e a desestabilização de longa
duração conduzida por um partido armado, a UNITA de Jonas Savimbi, directamente
apoiado pelo regime racista da Africa do Sul e, até pelo menos o inicio dos
anos 90, por sucessivas administrações norte-americanas.
Enquanto
isso as autoridades angolanas foram prestando um apoio constante aos
combatentes da Namíbia que lutavam pela sua própria independência, conseguida
apenas em 1988, e aos militantes sul-africanos que combatiam o apartheid e
pugnavam pela integração racial e a democratização do regime.
Posteriormente
impediram, com a intervenção do seu exército, o colapso da República
Democrática do Congo, vítima de agressões armadas de dois países vizinhos, e
contiveram um maior alastramento do chamado Conflito dos Grandes Lagos,
continuando hoje a desempenhar um decisivo papel estabilizador em toda a região
central e austral de Africa.
CONCLUSÃO
Depois da pesquisa feita cheguei a conclusão que a escravatura foi
determinante na conformação das sociedades africanas. Na África, a exploração da mão de obra escrava,
primeiro pelos árabes e depois pelos europeus, provocou uma desestruturação de
enormes proporções.
Nesse
movimento, muitos dos povos africanos perderam sua cultura, sua liberdade, suas
riquezas. A história mostra que há pontos de inflexão, em que as transformações
se mostram inevitáveis, e ocorrem em processos pacíficos ou por revoluções.
Nos
últimos momento, com o advento da paz, com a estabilidade e reconstrução
nacional, Angola entrou finalmente numa fase que o seu presidente já teve
oportunidade de caracterizar como a da "conquista da paz, consolidação da
economia nacional e devolução da dignidade e da esperança a todos os
angolanos".
BIBLIOGRAFIA
·
O tráfico de escravo em áfrica. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Escravid%C3%A3o_em_%C3%81frica. Acessado aos 7 de Maio de 2015.
·
História Geral da África -
Volume V: África do século XVI ao XVIII.
·
A manila e o libambo. A
África e a escravidão de 1500 a 1700, Rio de Janeiro, Nova Fronteira: Fundação
Biblioteca Nacional, 2002, *Cap. 9, O Benin e o delta do Níger, pp 309–357;
*Cap. 11, Angola, pp 407–450; *Cap. 18, Na Zambézia, pp 657–701.
ÍNDICE