A excisão em Angola


EPÍGRAFE
Se a cultura fere o seu corpo, por que preserva-la?
A excisão começa quando uma rapariga se aproxima da maturidade. É drogada e submetida a mutilações na presença do grupo familiar. A operação é praticada por uma mais velha com a ajuda de uma lâmina de bambu. Consiste no corte do hímen à entrada da vagina e separação dos lábios, expondo completamente o clítoris.

INTRODUÇÃO
Com o intuito de abordar “ A Excisão," que é um ritual sacrificial de iniciação. No entanto, nota-se que, mais do que nunca, cresce a consciência de que a excisão da mulher se põe como um problema para a sua saúde física e psicológica. Desde os anos 80 essa prática foi denunciada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que estimava em 70 milhões as mulheres mutiladas. De lá para cá proliferam denúncias que chegam aos ouvidos da comunidade internacional praticamente de modo esporádico e tímido, sem organização de luta. No entanto, a excisão continua nos" bastiões tradicionais" que defendem o paradigma de"identidade imutável" e enclausurado no esquema do poder patriarcal que explora a mulher africana.
No decorrer do nosso trabalho, procuraremos centrar as nossas atenções" A Excisão como Iniciação Sexual e Religiosa em Mulheres Negra Bantu," retratando os seguintes subtemas: o conceito de excisão, os objectivos do nosso trabalho, a classificação dos tipos de excisão, as causas, os ritos de puberdade, a iniciação das meninas púberes, as mutilações sexuais, o significado sacrificial, o simbolismo religioso eficaz da iniciação, as consequências físicas e o papel da sociedade face a excisão.

Conceito
Excisão: são todos os procedimentos envolvendo total ou parcial remoção dos órgãos genitais femininos exteriores ou outras lesões para os órgãos genitais femininos por razões culturais, de modo a que seja impossível às mulheres posteriormente obter prazer sexual.
Objectivos
·      Defender a liberdade da mulher africana nos seus diversos aspectos;
·      Promover de forma clara a sua saúde é, certamente, um compromisso urgente e relevante.
Classificação dos Tipos de Excisão
A OMS e a Unicef classificaram os seguintes tipos de excisão:
·           A excisão do prepúcio;
·           A excisão do clítoris;
·           A excisão dos órgãos genitais externos;
·           A excisão que inclui práticas como piercing, inserção de substâncias corrosivas ou ervas na vagina.
Causas
·           A excisão é defendida como prática tradicional pelas seguintes causas:
·           Psico-sexuais - o clítoris são considerados um órgão agressivo; protecção da castidade; a crença de que uma mulher não mutilada não pode dar à luz.
·           Religiosos - são resultados da crença que é exige da pela fé islâmica (apesar de também ser praticados por católicos, protestantes, coptas, animistas e não crentes).
·           Sociológicas - são actos de iniciação e passagem para a idade adulta.
·           Higiénicos (saúde) - os órgãos genitais femininos exteriores são sujos.
RITOS DE PUBERDADE
A excisão é cerimónia inaugural dos ritos de puberdade. Portanto, sua prática deve ser entendida como rito da fase de puberdade, como iniciação à vida da comunidade.
Sem ela a mulher não se vai fazendo, completando, realizando. Só a excisão a situa no lugar religioso e social exacto, torna-a apta para as suas responsabilidades e lhe permite movimentar-se com eficácia pirâmide vital interactiva.
A mulher guarda no maior sigilo o que viveu; há referência mítico-misticos que desconhecemos, que utilizam linguagem e nome cifrados, esotéricos, que nunca se revelam ao profano. As iniciações das meninas para a vida comunitária, os chamados ritos de iniciação na puberdade," além de se apresentarem como os mais chamativos desta cultura, revestem-se dum claro significado e da mais vistosa exterioridade.
A mulher adulta não iniciada, não gerada por esses ritos, é um indivíduo não apreciado; carece do estatuto de gente; permanece excluído da comunidade.
Iniciação das Meninas Púberes
Os ritos de passagem e iniciação da menina púbere não têm quase relevo nas sociedades matrilineares. Ou desapareceram, ou ficaram reduzidos a insignificantes ritos simbólicos.
Em Angola, por exemplo, a iniciação é praticada por vários grupos: Ganguela, Tshokwe, Nhaneka-Humbe, Ambó. A menina deve ser iniciada quando lhe aparece a primeira menstruação. Em alguns grupos, iniciam-nas antes e, outros, depois de passar dois anos ou mais; associam-nas, ainda, ao contrato matrimonial. A cerimónia única é realizada nas aldeias e na casa paterna.
A menina deve apresentar-se virgem nestes ritos, do contrário sofre vexações e paga uma indemnização, além de atrair a vergonha para a sua mãe, responsável por sua educação. Antes, podiam ser mortas com uma lança.
Se aparecer grávida, a desonra assume a maior gravidade. Se uma menina kwanyama dava à luz antes da efundula (os ritos iniciatórios), prenunciava a morte do soberano. O nascimento dum menino cuja mãe não passou por estes ritos é um indício muito funesto.
Entre os Kwanyama (Angola), no segundo dia da "efundula" as meninas bebem uma cerveja especial, misturada com drogas, em que inclui um pouco de esperma de um circuncidado de outro grupo, já que eles não praticam a circuncisão. No olukufo dos kwamatwi (norte de Angola), a mestra anciã prepara uma cerveja com drogas da qual retira uma porção em uma taça; nela, um circunciso lava o seu membro viril três vezes. A menina, que desconhece estas práticas, bebe um gole. O resto a mãe vai derramado pelo baixo-ventre da jovem ate chegar a uma enxada que lhe colocaram abaixo dos membros inferiores.
Todos os ritos femininos estão sempre relacionados com o mistério do nascimento e da fertilidade.
A menina fica apta para o casamento e para a sua missão fundamental: ser mãe. Os ritos de puberdade definem oficial e publicamente a sua capacidade, valor e estima como procriadora vivificadora. Porque se transformou, também ontologicamente, recebe o estatuto social, jurídico e religioso de mulher adulta e para a comunidade. A ruptura do hímen é prova da feminilidade adulta. Pode-se chamar"ritos de nubilidade" visto que procura sobretudo a preparação e disponibilidade imediata para o casamento.
Durante os ritos, o ventre e a região púbica são tatuadas. Atribuem à tatuagem um poder fecundante e, sobretudo, afrodisíaco. A menina aprende durante a sua iniciação que ela é antes de mais um campo vaginal destinado a ser fecundado pelo homem.
MUTILAÇÕES SEXUAIS
Normalmente, as mutilações sexuais são realizadas por mulheres, na intimidade da iniciação familiar. Os kikuyu, povo bantu do Kénia, parece que são os únicos que exigem inexoravelmente a excisão de todas as mulheres. A clitoritomia é uma iniciação pela qual a jovem alcança o estatuto de mulher. Nenhum kikuyu se casará com uma mulher não iniciada e, inclusive, é magicamente perigoso relacionar-se sexualmente com que não sofreu a excisão.
É uma operação dolorosa e cruel, extirpam o clítoris com uma faca candente, com pedaços de vidro, com uma lâmina de barbear, com uma faca de sílex ou um tição incandescente. Muitas vezes também cortam os pequenos e grandes lábios da vulva. A operação é feita por mulheres especializadas, que, em alguns lugares, aplicam urtigas como dolorosa anestesia. Costumavam faze-la quando a jovem chega a puberdade e, em alguns grupos, aos oito nove anos.
Alguns povos pensam que, desta forma, se propicia a fertilidade e se favorece o relacionamento sexual. Entre os Nandi (norte da República Democrática do Kongo), a crença geral é se as jovens não são iniciados, o seu clítoris se alongará e ramificará, e que os seus filhos serão anormais. Nestas condições é fácil de compreender a importância psicológica da iniciação. Se uma mulher não passa por ela, não chega a ser pessoa, fica incompleta e permanece criança.
A iniciação feminina nandi é um rito de maturidade, uma dramatização da ruptura com a infância e o ingresso na condição de adulto. O órgão sexual é o símbolo da vida: cortá-lo é como que abrir as comportas para a vida, para que o seu caudal possa ter livre curso. Em outros lugares, com na Etiópia, pensam que é uma medida higiénica com consequência morais positivas que garante a feminilidade. Na Costa de Marfim, convencem-nas de que, de outra forma, não terão filhos.
Muitos grupos bantu realizam a desfloração da menina durante os ritos de puberdade. Embora muitos outros apreciam a virgindade ate ao casamento. A ruptura do hímen, mecânica, é feita por uma mulher idosa com os dedos ou utilizado um pequeno instrumento. Na costa ocidental da África, as jovens são desfloradas com a ajuda de um bambu, que conservam dependurado da vagina por cerca de três meses. A volta da vulva coloca formigas que devoram as ninfas e o clítoris.
SIGNIFICADO SACRIFICIAL
Alguns etnólogos viram na excisão um significado religioso sacrificial. O resgate e a propiciação exigem sangue. Por isso, o indivíduo imola parte do seu ser, oferece um sacrifício parcial em vez de se oferecer como vítima. A excisão, estaria relacionada com a nova vida, como renascimento para uma vida superior mais dinâmica e poderosa. O sangue derramado substituiria os sacrifícios humanos aplicativos e propiciatórios.
Alguns psicanalistas têm dado as suas contribuições no que concerne ao tema em questão, depois de analisarem os grupos Fingu e Tembum (sudeste do Cabo - África do Sul), afirmam que"mutilação cirúrgica ou excisão deve ser considerada não só como prova de aptidão para o estado adulto e como uma iniciação a este estado, mas também como uma forma de sacrifício. Outros vêem no sangue derramado uma aliança com a terra.
SIMBOLISMO RELIGIOSO EFICAZ DA INICIAÇÃO
A iniciação parece ser em muitos aspectos com um sacramento que põe em contacto como transcendente, quer porque lhe revela parte do sagrado (a iniciada conhece os mistérios), quer porque sacriliza o homem.
A iniciada deixa definitivamente uma existência profana para passar a outra medularmente sacralizada; de natural passa a consagrado, já que é assumida pelos antepassados, responsabiliza-se pela solidariedade, e mover-se-á para sempre dentro do circuito místico da participação vital. É preciso considerar a iniciação no Continente Negro mais como uma transformação lenta do indivíduo, como um trânsito progressivo da exterioridade à interioridade. A descoberta que a iniciada faz da sua realidade humana comunitária e dos fundamentais mítico religiosos da sua vida participada com variadíssimas potencial idades. A iniciação consegue na metanóia, consequência da emulação ontológica, da mudança substancial de personalidade que operou na jovem.
Consequências Físicas
As consequências físicas da excisão são as seguintes:
Falecimento;
Hemorragias;
Infecções;
Dores agudas;
Formação de abcessos;
Quistos;
Hepatite B;
HIV/SIDA;
Retenção urinária;
Obstrução crónica das vias urinárias;
Complicações no trabalho de parto;
Infecção das vias urinárias;
Quelóides;
Infecção das vias genitais;
Ausência de cicatrização.
PAPEL DA SOCIEDADE FACE A EXCISÃO
O papel ideal seria que toda a sociedade e particularmente os líderes de opinião como são os parlamentares, as autoridades tradicionais e os responsáveis religiosos, bem como os médicos e os técnicos de saúde se mobilizasse para proteger as jovens de tais práticas que atentam contra a dignidade da mulher e deixam marcas duradouras na sua integridade física e moral e perturbam as relações entre homens e mulheres.

CONCLUSÃO
Depois de um árduo trabalho, os elementos do grupo em questão, chegaram as seguintes conclusões:
A iniciação feminina é uma situação que, por estar carregada de emoção, mistério, dramaticidade e religiosidade, origina uma vivência psíquica que marca e determina para toda a vida da mulher negro-bantu. As meninas são mutiladas com pequenas lâminas de pedra, pedaços de vidros, com faca de sílex ou com um tição incandescente. Muitas costumavam ficar defeituosas (físicas e psicologicamente) e a ausência de assepsia acarreta graves infecções que causam, por vezes, a morte. Alguns etnólogos viram nessa pratica um significado sacrificial.
As mutilações sexuais femininas tornaram-se um dos crimes mais ignóbeis contra a Humanidade, indica um documento do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Hoje, em um mundo mais aberto, consciente da valorização do ser humano e de seus direitos. A dignidade e a igualdade no género humano que o mundo pós-moderno prega descarta toda a possibilidade de a pratica de excisão da mulher possuir carácter regulada dentro da relação conjugal (homem e mulher).

BIBLIOGRAFIA
Revista de estudos da religião Nº 1/ 2006/pp. 116-129
Etnografia do sudeste de Angola. Lisboa (1960), vol.1.
Ruiz de Asua, Raul. Cultura Tradicional Bantu. Luanda-Angola: SAP, 1985.