A importancia da música na idade pré-escolar

A importância da música

A música é uma necessidade humana fundamental que atravessa a diversidade cultural e a idade. Faz parte da vida da criança desde o seu nascimento, havendo mesmo quem defenda que durante o período de gestação ela é sensível ao som.
A educação musical, a nível do pré escolar, tem como principal objectivo, desenvolver a personalidade humana, isto é, desenvolver todas as faculdades humanas que a criança tem em potência e fornecer bases para esse desenvolvimento no sentido rítmico, de sensibilidade auditiva e afectiva, bem como despoletar as potencialidades criadoras. A formação musical dá respostas válidas quanto à organização das percepções auditivas da criança, e é através do campo sensorial que ela começa a organizar o seu conhecimento sobre o mundo.
Actualmente a educação musical desempenha um papel acrescido. Vivemos numa sociedade rodeada de estímulos e também de muita poluição sonora. A formação musical, para além de todos os benefícios que lhe são atribuídos, poderá sensibilizar a criança para o que é realmente harmonioso, fazendo contrapor o que é ruído com os sons, que por vezes passam despercebidos, mas que fazem parte da natureza e do meio em que estamos inseridos. O silêncio também é outra característica que pode ser trabalhada nesta área, mesmo sendo a ausência de som, é importante para que os sons se tornem percepcionados e desejados.
Alguns autores, como Howard Gardner, defendem a teoria das inteligências múltiplas que sugere que existe um conjunto de habilidades que cada um possui em grau e em combinações diferentes. Uma inteligência implica a capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos que são importantes num determinado ambiente ou comunidade cultural. Para além de outras, existe a inteligência musical que é caracterizada pela habilidade para reconhecer sons e ritmos, gosto em cantar ou tocar um instrumento musical. A cultura circundante desempenha um papel predominante na determinação do grau em que o potencial intelectual de um indivíduo é realizado. A escola deve considerar todas as inteligências para que os alunos tenham a oportunidade de se destacarem na que mais apreciam. A teoria das inteligências múltiplas vem contrariar a ideia comum de que inteligência é sobretudo a capacidade lógico matemática, e considerar, entre outras, a musicalidade como um tipo de inteligência que não pode ser descurada no processo educativo.
Segundo Edwin Gordon, investigador americano, as crianças desde que nascem que devem ser “orientadas” para uma formação musical, facto este que lhes trará ganhos a diversos níveis. Ao colocarmos um bebé em contacto com sons e música estamos a potenciar o seu futuro desenvolvimento.
Para Gordon existe a aptidão musical, que é inata, sendo que é a medida do potencial de uma criança para aprender música; representa possibilidades interiores. Contudo esta característica é afectada pela qualidade do meio em que ela está inserida. Quanto mais cedo beneficiar de um ambiente musical rico, mais cedo a sua aptidão musical começa a aumentar. O efeito que o ambiente de música fértil tem sobre a aptidão musical da criança diminui progressivamente à medida que a idade aumenta. A riqueza do meio, os estímulos fornecidos através de orientações estruturadas ou não influi directamente no desempenho musical da criança que é o resultado do que ela aprendeu relativamente à sua aptidão: representa uma realidade exterior que pode ser observada.
O princípio da aprendizagem musical é que se deve primeiro expor a criança ao som, respeitando assim a premissa da experiência, não subestimando a sua capacidade de compreensão. Quanto mais precoce for a aproximação da criança à música, mais á vontade terá com todos os tipos de música, bem como desenvolverá atitudes positivas em relação a esta área que a influenciará a sua vida e todas as suas futuras aprendizagens.
A exposição repetida despertará o prazer para uma grande variedade de estilos musicais, sabendo que as crianças sofrem influências daquilo que ouvem ou que lhes é dado a ouvir, havendo no entanto certas características musicais que elas apreciam mais.
Numa perspectiva construtivista, dificilmente uma criança entoará melodias se não ouvir música, se não interagir rítmica e melodicamente com as canções, se não tiver referências musicais que a estimulem na prática musical.
O desenvolvimento da criança surge com a sua interacção com o objecto de conhecimento, sendo por isso necessário, oferecer-lhe possibilidades de sensações e de experiências musicais. Nesta perspectiva devem-se proporcionar à criança descobertas auditivas, criações sonoras, primeiras interpretações, jogos de percepção rítmica e melódica, oficinas de instrumentos, etc. O objectivo é criar um laboratório musical dentro das salas do pré-escolar, onde a criança possa agir directamente sobre os materiais e aprender com essa acção e em interacção com os seus pares e o adulto.
Uma forma de orientar a criança nesta aprendizagem é através do jogo. Os jogos proporcionam flexibilidade e através dos quais se proporciona um meio de desenvolver um programa. Eles podem ser praticados de uma maneira construtiva, com uma finalidade e através da diversão alcançar objectivos em vez de serem actividades sem sentido. Através das situações de jogo o educador pode perceber quais os pontos fortes e fracos das crianças, principalmente quanto à capacidade de memória auditiva, observação, descriminação e reconhecimento de sons, podendo assim ajustar melhor a sua prática educativa.
Bréscia ressalva que os jogos musicais podem ser de três tipos correspondentes as fases de desenvolvimento infantil:
– Sensório -motor (até aos dois anos) – São actividades que relacionam o som e o gesto. A criança pode fazer gestos para produzir sons e expressar-se corporalmente para representar o que ouve e canta. Favorecem o desenvolvimento da motricidade.
– Simbólico (a partir dos 2 anos) – A criança começa a representar o significado da música, o sentimento e a expressão. O som tem função de ilustração.
– Analítico ou de regras (a partir dos 4 anos) – são jogos que envolvem a estrutura da música onde são necessárias a socialização e organização. Ela precisa de escutar a si mesma e os outros. Esperando pela sua vez de cantar ou tocar. Os jogos de grupo promovem uma comunicação efectiva sendo um bom recurso no desenvolvimento da identidade do grupo, promovendo a inclusão, a coesão e uma atmosfera aberta e solidária.
Outras distinções são feitas conforme os estudos sobre aprendizagem musical. O autor Edwin Gordon, atrás referido, no livro da teoria de aprendizagem musical para recém nascidos e crianças em idade pré-escolar, caracteriza esta faixa etária como um período de audiação preparatória. Entenda-se por audiação a capacidade de ouvir compreender e pensar a música quando o som não está presente. Permite utilizar a música como uma linguagem independente e expandir as capacidades de criatividade sonora, de audição, de execução, de improvisação, composição, leitura e escrita musical. A audiação preparatória é um estádio de desenvolvimento musical que precede a aprendizagem formal.
A capacidade de audiar permite não só melhorar o desempenho na execução mas também melhorar a apreciação. Sem a audiação apenas é possível a memorização onde é enfatizado o que vai ser executado independentemente de ter ou não sentido musical.
A audiação preparatória passa por três fases: aculturação; imitação; assimilação. A aculturação é o período que vai desde o crescimento até aos 2 / 4 anos.
Na aculturação as crianças são postas em contacto com o repertório musical tendo em vista potenciar o desenvolvimento da sua aptidão musical. A aculturação compreende três estádios: “o da absorção, onde a criança ouve e colecciona auditivamente os sons da música ambiente: o da resposta aleatória onde se movimenta e balbucia em respostas aos sons da música ambiente mas sem estabelecer relação com os mesmos: o da reposta intencional, onde tenta relacionar o movimento e o balbucio com os sons da música ambiente”
A imitação é a fase seguinte à aculturação e compreende idades dos 2 / 4 anos aos 3 / 5 anos. Ao contrário da primeira que não requer pensamento consciente por parte das crianças, na imitação há uma actividade intencional; ao imitarem fazem-no com algum propósito. A criança participa com pensamento consciente agindo sobre as oportunidades que o meio ambiente lhe oferece, sendo capaz de imitar com alguma precisão os sons da música ambiente especificamente padrões tonais e rítmicos. A imitação permite a criança começar a decifrar o código da cultura musical que as rodeia.
Na assimilação a criança dirige o seu pensamento não para o meio, mas para as suas potencialidades e recursos. As “crianças tomam sobretudo consciência da forma como usam os músculos em coordenação com o acto de cantar padrões tonais e a respiração em coordenação com a entoação de padrões rítmicos”.[1] Para além disto é capaz de executar padrões e participar em movimentos corporais. A capacidade de se movimentar é necessária para se aprender a ser rítmico, e para aprender ritmo o movimento deve ser do tipo contínuo e sustentado. Sentir no corpo em movimento o som e a música é, na criança, uma forma privilegiada e natural de expressar e comunicar o que ouve.
Na sua teoria Gordon refere-se a dois tipos de aprendizagem: aprendizagem por descriminação e por inferência.
Aprendizagem por descriminação
A aprendizagem faz-se por imitação. É o coleccionar de competências, padrões tonais e padrões rítmicos que hão-de formar o vocabulário musical da criança. É a base
a partir da qual podem fazer novas descobertas musicais e formular novas ilações e aprendizagens.
Aprendizagem inferencial
Tem como preparação a imitação, mas na aprendizagem inferencial as crianças são orientadas de forma a ensinarem-se a elas próprias novos conteúdos e competências. Seguindo sequências de aprendizagem ao nível de competências e conteúdos tonal e rítmico, deve-se depois estimular a criação, a expressão da particularidade de cada criança de maneira que ela seja capaz de se ensinar a si “própria”, podendo depois funcionar como um ser autónomo e criador. A aprendizagem inferencial é a fonte da personalização e da criatividade, do saber adquirido pela descoberta. Contudo ela não pode acontecer sem que tenha havido lugar e tempo suficiente dado á aprendizagem por descriminação. Não se pode entender um texto se não se domina a língua em que está escrito.
Posto isto, sai mais reforçada a ideia da importância da música no ensino pré-escolar, como sendo fundamental para o desenvolvimento da musicalidade na criança. Durante este período todas as experiências e todos os estímulos que possam ser dados são reforçados pelo estado mental da criança que é muito maleável. Isto é, é uma fase onde se processam muitos desenvolvimentos e aquisições de uma forma natural que caracteriza as faixas etárias abrangidas. Oferecer oportunidades ricas e diversificadas da aprendizagem por descriminação para que se possa almejar os níveis sequencias posteriores: o da criatividade, da improvisação, onde se revela essa capacidade de pensar e de se expressar por si própria.
Em suma, para Edwin Gordon, a aprendizagem musical passa por ultrapassar os estádios de audiação preparatória com uma orientação informal ou dirigida desde o nascimento. Entenda-se por orientação “ programa curricular sequencial de aculturação, imitação e assimilação, destinado a encorajar as crianças que ainda se encontram em audiação preparatória a responder natural e espontaneamente à música. Na orientação informal, as crianças não são obrigadas a responder á música. São simplesmente postas em contacto com a música em casa ou no ensino pré-escolar. A ênfase é colocada na intuição e em aprender a audiar e não o que audiar.”
Só depois de superada esta fase se deve passar á instrução formal da música. Quanto á idade mais favorável para isso acontecer, não está directamente relacionada com a idade cronológica mas com a idade musical. Ou seja, deve-se respeitar o nível de desenvolvimento, a sequência natural de aprendizagens e conteúdos.
A música é uma arte cuja matéria-prima é o som, e como tal deve-se privilegiar a sua abordagem como uma experiência auditiva e oral. Só depois de a criança ser exposta a um meio muito estimulante em termos musicais para apreender a cultura musical se deve iniciar na aprendizagem de instrumento e na leitura e escrita musical. Há que primeiro desenvolver o ouvido musical, o sentido rítmico e a reprodução de frases musicais cada vez mais complexas, aliando estes aspectos á necessidade de expressão da criança que encontra na música um meio privilegiado par o fazer. Algumas concepções modernas de iniciação musical defendem mesmo que “mais que aprender música interessa que a criança exteriorize todas as suas pulsões interiores, expressando-as musicalmente e ao fazê-lo, actue de forma criadora, desenvolvendo ao mesmo tempo o seu sentido estético…não interessa aprender música mas sim brincar com a música, inventar e criar formas de música.”
Referencias: https://afadadoremi.wordpress.com/a-importancia-da-musica-para-o-desenvolvimento-das-criancas/