A Teoria das Inteligências Múltiplas
INTRODUÇÃO
Dentro da psicologia, vários enfoques distintos já foram
adotados para definir inteligência humana. A psicometria é metodologia mais usada e mais
conhecida do público geral, além de ser a mais pesquisada e amplamente usado. Conforme
a definição que se tome, a inteligência pode ser considerada um dos aspectos da linguagem ou um
traço de personalidade Neste contexto podemos definir a inteligência aos indivíduos que diferem-se
na habilidade de entender ideias complexas, de se adaptarem com eficácia ao
ambiente, de aprenderem com a experiência, de se engajarem nas várias formas de
raciocínio, de superarem obstáculos mediante o pensamento. Embora tais
diferenças individuais possam ser substanciais, nunca são completamente
consistentes: o desempenho intelectual de uma dada pessoa vai variar em
ocasiões distintas, em domínios distintos, a se julgar por critérios distintos.
Os conceitos de 'inteligência são tentativas de aclarar e organizar esse
conjunto complexo de fenômenos.
A TEORIA
A Teoria das Inteligências
Múltiplas, de Howard Gardner (1985) é uma alternativa para o conceito de
inteligência como uma capacidade inata, geral e única, que permite aos
indivíduos uma performance, maior ou menor, em qualquer área de atuação. Sua
insatisfação com a idéia de QI e com visões unitárias de inteligência, que
focalizam sobretudo as habilidades importantes para o sucesso escolar, levou
Gardner a redefinir inteligência à luz das origens biológicas da habilidade
para resolver problemas. Através da avaliação das atuações de diferentes
profissionais em diversas culturas, e do repertório de habilidades dos seres
humanos na busca de soluções, culturalmente apropriadas, para os seus
problemas, Gardner trabalhou no sentido inverso ao desenvolvimento, retroagindo
para eventualmente chegar às inteligências que deram origem a tais realizações.
Na sua pesquisa, Gardner estudou também:
( a) o desenvolvimento de
diferentes habilidades em crianças normais e crianças superdotadas; (b) adultos
com lesões cerebrais e como estes não perdem a intensidade de sua produção
intelectual, mas sim uma ou algumas habilidades, sem que outras habilidades
sejam sequer atingidas; (c ) populações ditas excepcionais, tais como
idiot-savants e autistas, e como os primeiros podem dispor de apenas uma
competência, sendo bastante incapazes nas demais funções cerebrais, enquanto as
crianças autistas apresentam ausências nas suas habilidades intelectuais; (d)
como se deu o desenvolvimento cognitivo através dos milênios.
Psicólogo construtivista
muito influenciado por Piaget, Gardner distingue-se de seu colega de Genebra na
medida em que Piaget acreditava que todos os aspectos da simbolização partem de
uma mesma função semiótica, enquanto que ele acredita que processos
psicológicos independentes são empregados quando o indivíduo lida com símbolos
lingüisticos, numéricos gestuais ou outros. Segundo Gardner uma criança pode
ter um desempenho precoce em uma área (o que Piaget chamaria de pensamento
formal) e estar na média ou mesmo abaixo da média em outra (o equivalente, por
exemplo, ao estágio sensório-motor). Gardner descreve o desenvolvimento
cognitivo como uma capacidade cada vez maior de entender e expressar
significado em vários sistemas simbólicos utilizados num contexto cultural, e
sugere que não há uma ligação necessária entre a capacidade ou estágio de
desenvolvimento em uma área de desempenho e capacidades ou estágios em outras
áreas ou domínios (Malkus e col., 1988). Num plano de análise psicológico,
afirma Gardner (1982), cada área ou domínio tem seu sistema simbólico próprio;
num plano sociológico de estudo, cada domínio se caracteriza pelo
desenvolvimento de competências valorizadas em culturas específicas.
Gardner sugere, ainda, que
as habilidades humanas não são organizadas de forma horizontal; ele propõe que
se pense nessas habilidades como organizadas verticalmente, e que, ao invés de
haver uma faculdade mental geral, como a memória, talvez existam formas
independentes de percepção, memória e aprendizado, em cada área ou domínio, com
possíveis semelhanças entre as áreas, mas não necessariamente uma relação
direta.
AS
INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS
Gardner identificou as
inteligências lingúística, lógico-matemática, espacial, musical, cinestésica,
interpessoal e intrapessoal. Postula que essas competências intelectuais são
relativamente independentes, têm sua origem e limites genéticos próprios e
substratos neuroanatômicos específicos e dispõem de processos cognitivos
próprios. Segundo ele, os seres humanos dispõem de graus variados de cada uma
das inteligências e maneiras diferentes com que elas se combinam e organizam e
se utilizam dessas capacidades intelectuais para resolver problemas e criar
produtos. Gardner ressalta que, embora estas inteligências sejam, até certo
ponto, independentes uma das outras, elas raramente funcionam isoladamente.
Embora algumas ocupações exemplifiquem uma inteligência, na maioria dos casos
as ocupações ilustram bem a necessidade de uma combinação de inteligências. Por
exemplo, um cirurgião necessita da acuidade da inteligência espacial combinada
com a destreza da cinestésica.
Inteligência
lingüística - Os componentes centrais da inteligência lingüistica são
uma sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras, além de uma
especial percepção das diferentes funções da linguagem. É a habilidade para
usar a linguagem para convencer, agradar, estimular ou transmitir idéias.
Gardner indica que é a habilidade exibida na sua maior intensidade pelos
poetas. Em crianças, esta habilidade se manifesta através da capacidade para
contar histórias originais ou para relatar, com precisão, experiências vividas.
Inteligência
musical - Esta inteligência se
manifesta através de uma habilidade para apreciar, compor ou reproduzir uma
peça musical. Inclui discriminação de sons, habilidade para perceber temas
musicais, sensibilidade para ritmos, texturas e timbre, e habilidade para
produzir e/ou reproduzir música. A criança pequena com habilidade musical
especial percebe desde cedo diferentes sons no seu ambiente e, freqüentemente,
canta para si mesma.
Inteligência
lógico-matemática - Os componentes centrais desta
inteligência são descritos por Gardner como uma sensibilidade para padrões,
ordem e sistematização. É a habilidade para explorar relações, categorias e
padrões, através da manipulação de objetos ou símbolos, e para experimentar de
forma controlada; é a habilidade para lidar com séries de raciocínios, para
reconhecer problemas e resolvê-los. É a inteligência característica de
matemáticos e cientistas Gardner, porém, explica que, embora o talento
cientifico e o talento matemático possam estar presentes num mesmo indivíduo,
os motivos que movem as ações dos cientistas e dos matemáticos não são os
mesmos. Enquanto os matemáticos desejam criar um mundo abstrato consistente, os
cientistas pretendem explicar a natureza. A criança com especial aptidão nesta
inteligência demonstra facilidade para contar e fazer cálculos matemáticos e
para criar notações práticas de seu raciocínio.
Inteligência
espacial - Gardner descreve a inteligência espacial como a capacidade para
perceber o mundo visual e espacial de forma precisa. É a habilidade para
manipular formas ou objetos mentalmente e, a partir das percepções iniciais,
criar tensão, equilíbrio e composição, numa representação visual ou espacial. É
a inteligência dos artistas plásticos, dos engenheiros e dos arquitetos. Em
crianças pequenas, o potencial especial nessa inteligência é percebido através
da habilidade para quebra-cabeças e outros jogos espaciais e a atenção a
detalhes visuais.
Inteligência
cinestésica - Esta inteligência se refere à habilidade para resolver
problemas ou criar produtos através do uso de parte ou de todo o corpo. É a
habilidade para usar a coordenação grossa ou fina em esportes, artes cênicas ou
plásticas no controle dos movimentos do corpo e na manipulação de objetos com
destreza. A criança especialmente dotada na inteligência cinestésica se move
com graça e expressão a partir de estímulos musicais ou verbais demonstra uma
grande habilidade atlética ou uma coordenação fina apurada.
Inteligência
interpessoal - Esta inteligência pode ser descrita
como uma habilidade pare entender e responder adequadamente a humores,
temperamentos motivações e desejos de outras pessoas. Ela é melhor apreciada na
observação de psicoterapeutas, professores, políticos e vendedores bem
sucedidos. Na sua forma mais primitiva, a inteligência interpessoal se
manifesta em crianças pequenas como a habilidade para distinguir pessoas, e na
sua forma mais avançada, como a habilidade para perceber intenções e desejos de
outras pessoas e para reagir apropriadamente a partir dessa percepção. Crianças
especialmente dotadas demonstram muito cedo uma habilidade para liderar outras
crianças, uma vez que são extremamente sensíveis às necessidades e sentimentos
de outros.
Inteligência
intrapessoal - Esta inteligência é o correlativo
interno da inteligência interpessoal, isto é, a habilidade para ter acesso aos
próprios sentimentos, sonhos e idéias, para discriminá-los e lançar mão deles
na solução de problemas pessoais. É o reconhecimento de habilidades,
necessidades, desejos e inteligências próprios, a capacidade para formular uma
imagem precisa de si próprio e a habilidade para usar essa imagem para
funcionar de forma efetiva. Como esta inteligência é a mais pessoal de todas,
ela só é observável através dos sistemas simbólicos das outras inteligências,
ou seja, através de manifestações lingüisticas, musicais ou cinestésicas.
O desenvolvimento das inteligências
Na sua teoria, Gardner
propõe que todos os indivíduos, em princípio, têm a habilidade de questionar e
procurar respostas usando todas as inteligências. Todos os indivíduos possuem,
como parte de sua bagagem genética, certas habilidades básicas em todas as inteligências.
A linha de desenvolvimento de cada inteligência, no entanto, será determinada
tanto por fatores genéticos e neurobiológicos quanto por condições ambientais.
Ele propõe, ainda, que cada uma destas inteligências tem sua forma própria de
pensamento, ou de processamento de informações, além de seu sitema simbólico.
Estes sistemas simbólicos estabelecem o contato entre os aspectos básicos da
cognição e a variedade de papéis e funções culturais.
A noção de cultura é básica
para a Teoria das Inteligências Múltiplas. Com a sua definição de inteligência
como a habilidade para resolver problemas ou criar produtos que são
significativos em um ou mais ambientes culturais, Gardner sugere que alguns
talentos só se desenvolvem porque são valorizados pelo ambiente. Ele afirma que
cada cultura valoriza certos talentos, que devem ser dominados por uma
quantidade de indivíduos e, depois, passados para a geração seguinte.
Segundo Gardner, cada
domínio, ou inteligência, pode ser visto em termos de uma seqüência de estágios:
enquanto todos os indivíduos normais possuem os estágios mais básicos em todas
as inteligências, os estágios mais sofisticados dependem de maior trabalho ou
aprendizado.
A seqüência de estágios se
inicia com o que Gardner chama de habilidade de padrão cru. O aparecimento da
competência simbólica é visto em bebês quando eles começam a perceber o mundo
ao seu redor. Nesta fase, os bebês apresentam capacidade de processar
diferentes informações. Eles já possuem, no entanto, o potencial para desenvolver
sistemas de símbolos, ou simbólicos.
O segundo estágio, de
simbolizações básicas, ocorre aproximadamente dos dois aos cinco anos de idade.
Neste estágio as inteligências se revelam através dos sistemas simbólicos.
Aqui, a criança demonstra sua habilidade em cada inteligência através da
compreensão e uso de símbolos: a música através de sons, a linguagem através de
conversas ou histórias, a inteligência espacial através de desenhos etc.
No estágio seguinte, a
criança, depois de ter adquirido alguma competência no uso das simbolizacões
básicas, prossegue para adquirir níveis mais altos de destreza em domínios
valorizados em sua cultura. À medida que as crianças progridem na sua
compreensão dos sistemas simbólicos, elas aprendem os sistemas que Gardner chama
de sistemas de segunda ordem, ou seja, a grafia dos sistemas (a escrita, os
símbolos matemáticos, a música escrita etc.). Nesta fase, os vários aspectos da
cultura têm impacto considerável sobre o desenvolvimento da criança, uma vez
que ela aprimorará os sistemas simbólicos que demonstrem ter maior eficácia no
desempenho de atividades valorizadas pelo grupo cultural. Assim, uma cultura
que valoriza a música terá um maior número de pessoas que atingirão uma
produção musical de alto nível.
Finalmente, durante a
adolescência e a idade adulta, as inteligências se revelam através de ocupações
vocacionais ou não-vocacionais. Nesta fase, o indivíduo adota um campo
específico e focalizado, e se realiza em papéis que são significativos em sua
cultura.
Teoria das inteligências
múltiplas e a educação
As implicações da teoria de
Gardner para a educação são claras quando se analisa a importância dada às
diversas formas de pensamento, aos estágios de desenvolvimento das várias
inteligências e à relação existente entre estes estágios, a aquisição de
conhecimento e a cultura.
A teoria de Gardner
apresenta alternativas para algumas práticas educacionais atuais, oferecendo
uma base para:
( a) o desenvolvimento de
avaliações que sejam adequadas às diversas habilidades humanas (Gardner &
Hatch, 1989; Blythe Gardner, 1 990) (b) uma educação centrada na criança c com
currículos específicos para cada área do saber (Konhaber & Gardner, 1989);
Blythe & Gardner, 1390) (c) um ambiente educacional mais amplo e variado, e
que dependa menos do desenvolvimento exclusivo da linguagem e da lógica
(Walters & Gardner, 1985; Blythe & Gardner, 1990)
Quanto à avaliação, Gardner
faz uma distinção entre avaliação e testagem. A avaliação, segundo ele,
favorece métodos de levantamento de informações durante atividades do
dia-a-dia, enquanto que testagens geralmente acontecem fora do ambiente
conhecido do indivíduo sendo testado. Segundo Gardner, é importante que se tire
o maior proveito das habilidades individuais, auxiliando os estudantes a
desenvolver suas capacidades intelectuais, e, para tanto, ao invés de usar a
avaliação apenas como uma maneira de classificar, aprovar ou reprovar os
alunos, esta deve ser usada para informar o aluno sobre a sua capacidade e
informar o professor sobre o quanto está sendo aprendido.
Gardner sugere que a
avaliação deve fazer jus à inteligência, isto é, deve dar crédito ao conteúdo
da inteligência em teste. Se cada inteligência tem um certo número de processos
específicos, esses processos têm que ser medidos com instrumento que permitam
ver a inteligência em questão em funcionamento. Para Gardner, a avaliação deve
ser ainda ecologicamente válida, isto é, ela deve ser feita em ambientes
conhecidos e deve utilizar materiais conhecidos das crianças sendo avaliadas.
Este autor também enfatiza a necessidade de avaliar as diferentes inteligências
em termos de suas manifestações culturais e ocupações adultas específicas.
Assim, a habilidade verbal, mesmo na pré-escola, ao invés de ser medida através
de testes de vocabulário, definições ou semelhanças, deve ser avaliada em
manifestações tais como a habilidade para contar histórias ou relatar
acontecimentos. Ao invés de tentar avaliar a habilidade espacial isoladamente,
deve-se observar as crianças durante uma atividade de desenho ou enquanto
montam ou desmontam objetos. Finalmente, ele propõe a avaliação, ao invés de
ser um produto do processo educativo, seja parte do processo educativo, e do
currículo, informando a todo momento de que maneira o currículo deve se
desenvolver.
No que se refere à educação
centrada na criança, Gardner levanta dois pontos importantes que sugerem a
necessidade da individualização. O primeiro diz respeito ao fato de que, se os
indivíduos têm perfis cognitivos tão diferentes uns dos outros, as escolas deveriam,
ao invés de oferecer uma educação padronizada, tentar garantir que cada um
recebesse a educação que favorecesse o seu potencial individual. O segundo
ponto levantado por Gardner é igualmente importante: enquanto na Idade Média um
indivíduo podia pretender tomar posse de todo o saber universal, hoje em dia
essa tarefa é totalmente impossível, sendo mesmo bastante difícil o domínio de
um só campo do saber.
CONCLUSÃO
Assim, se há a necessidade de se
limitar a ênfase e a variedade de conteúdos, que essa limitação seja da escolha
de cada um, favorecendo o perfil intelectual individual. Quanto ao ambiente
educacional, Gardner chama a atenção pare o fato de que, embora as escolas
declarem que preparam seus alunos pare a vida, a vida certamente não se limita
apenas a raciocínios verbais e lógicos. Ele propõe que as escolas favoreçam o
conhecimento de diversas disciplinas básicas; que encoragem seus alunos a
utilizar esse conhecimento para resolver problemas e efetuar tarefas que
estejam relacionadas com a vida na comunidade a que pertencem; e que favoreçam
o desenvolvimento de combinações intelectuais individuais, a partir da
avaliação regular do potencial de cada um.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Blythe, T.; Gardner, H. A school for
all intelligences. Educational Leadership, v.47, n.7, p.33-7, 1990.
2. Gardner, H.; Giftedness: speculation
from a biological perspective. In: Feldman, D.H. Developmental approaches to
giftedness and creativity. São Francisco, 1982. p.47-60.
3. Gardner, H.Frames of mind. New York,
Basic Books Inc., 1985.
4. Gardner, H. The mind's new science.
New York, Basic Books Inc., 1987.
5. Gardner. H.;Hatcb, T. Multiple
intelligences go to school: educational implications of the theory of Multiple
Intelligences. Educational Researcher, v.18, n.8. p.4-10, 1989.
6. Kornhaber, M.L.; Gardner, H. Critical
thinking across multiple intelligences. Trabalho apresentado durante a
Conferência "The Curriculum Redefined. Paris, 1989.
7. Malkus, U.C.; Feldman, D.H.; Gardner,
H. Dimensions of mind in early childhood. In: Pelegrini, A. (ed.)The
psychological bases for early education Chichester, Wilev. 1988, p.25-38.
8. Walter,J.M.; Gardner, H. The theory of
multiple intelligences: some issues and answers. In: Stemberg, RJ.; Wagner,
R.K. (ed.) Pratical intelligence: nature and origins of competence in the every
world.. Cambridge. Cambridge University Press, p.163-82