HISTORICISMO, MATERIALISMO HISTÓRICO

INTRODUÇÃO
As orientações epistemológicas que consideram a história como a verdadeira ciência do homem e que a interpretação dos fenómenos sociais por assinalar-se  o encadeamento dos fenómenos sociais no tempo bem como a respectiva singularidade. Neste sentido, consideram como tarefa da ciência a contemplação do processo histórico, tudo tendendo a reduzir à filosofia da história.
Em sentido amplo, o qualificativo, originário do alemão Historismus, é dado a correntes do pensamento, segundo as quais é a história que faz o homem e não o homem que faz a história. Baseia-se no modelo romântico inaugurado por Herder e Schelling, para os quais o universo deixou de ser um sistema e passou a ser entendido como história, numa passagem do cosmológico para o antropocêntrico. De certa maneira, é o exacto contrário do conservadorismo, gerando uma fuga para a frente, através do evolucionismo e do progressismo.
Com base nesta introdução, o presente trabalho nos remete nos colóquios históricos do tema historicismo e materialismo histórico.






HISTORICISMO, MATERIALISMO HISTÓRICO
HISTORICISMO
Historicismo é uma nova concepção de ciência social e do conhecimento social. Frequentemente a percepção que se tem do debate na ciência social é do confronto entre positivismo e o marxismo, que são duas correntes importantes, mas é um erro ignorar a existência de uma terceira corrente, que é o historicismo.
Esta é uma corrente específica, que não é idêntica nem ao positivismo, nem ao marxismo, embora possa se articular entre ambas. Encontramos formas de ciências sociais que são de vertente, ao mesmo tempo, positivista e historicista, como é o caso de Max Weber, e vamos encontrar também um marxismo historicista.
O historicismo é também uma das correntes mais importantes na teoria do conhecimento social, na ciência social, na sociologia do conhecimento em particular, posto que Karl Mannheim é o fundador da sociologia do conhecimento como disciplina científica, sendo ele próprio um representante do historicismo.
O historicismo parte de três hipóteses fundamentais:
I. qualquer fenómeno social, cultural ou político é histórico e só pode ser compreendido dentro da história;
II. existe uma diferença fundamental entre os fatos históricos ou sociais e os fatos naturais;
III. tanto o objecto quanto o sujeito da pesquisa estão imerso no processo histórico. Ou seja, ninguém está de fora da história, estamos todos dentro dela.
Quando o historicismo surgiu, fim do século XVIII e começo do XIX, ele tinha um carácter conservador. Tinha como objectivo defender as instituições económicas, sociais e políticas da sociedade tradicional, dizendo que essas instituições eram produtos do processo histórico e que a tentativa de aboli-las seria anti-histórica e que os levaria ao caos.
Devido a isso o historicismo, conservador, condena as revoluções e também o capitalismo. Ambos, novos e opostos os instituições acima citadas. Assim sendo contrários ao desenvolvimento histórico, segundo o historicismo conservador, e que poderia conduzir a catástrofe.
Esse primeiro historicismo tem forma conservadora, voltada para o passado e para a justificação de instituições - como as económicas, sociais e políticas.
Porém ele também traz consigo a visão histórica, tanto que a ciência histórica moderna começa com o historicismo alemão e é nesse momento em que aparecem os primeiros grandes historiadores.
Em um primeiro momento a objectividade não incomoda muito os cientistas sociais. Somente no fim do século XIX ela começa a ser vista como um problema. Nesse momento alguns historiadores colocam esses problemas - da objectividade - principalmente Droysen, que foi um dos primeiros a colocar a perspectiva relativista em um de seus textos.
Para Droysen a ciência histórica não poderia ser completamente objectiva ele coloca um nome nisso "objectividade de eunucos". Ele considerava que o historiador verdadeiro não é neutro.
"Eu não aspiro atingir nada mais, nada menos, do que a verdade relativa ao meu ponto de vista, tal com ele resulta de minha pátria, de minhas convicções políticas e religiosas e do meu estudo sério."
Porém esse método só leva a resultados parciais e unilaterais. "Devemos ter a coragem de reconhecer esta limitação e nos consolarmos com o fato de que o limitado e o particular são mais ricos do que o comum e geral."
É nessa época em que as antigas instituições e os valores tradicionais começam a mudar. O estilo capitalista-industrial e científico técnico surgem como valores novos. E é nesse momento de transição que o historicismo perde seu conservadorismo e se torna mais relativista.
Outro representante é WilhelmDilthey. Uma de suas primeiras contribuições foi o empenho na distinção entre as ciências naturais e sociais.
Para ele nas ciências sociais a pessoa está estudando a si mesma - "Em certa medida, é o homem como ser cultural que estuda sua própria cultura" (LÖWY) - existe afinidade entre o sujeito e o objecto estudado. Enquanto nas ciências naturais o individuo estuda um objecto a ele exterior.
Ele chega a conclusão de que as ciências sociais tem prazo de validade, ou seja, tem "validez historicamente limitada" (LÖWY).
"A história do mundo, como um tribunal do mundo, revela cada sistema teórico como relativo, passageiro, transitório, apesar de sua vã pretensão à validez objectiva. A história é um imenso campo de ruínas, de tradições religiosas, de afirmações metafísicas, de sistemas teóricos, de obras científicas, e cada um desses sistemas exclui o outro, nenhum consegue se provar definitivamente." Ele chama isso de " a anarquia dos sistemas teóricos".
Dilthey considera que cada visão de mundo, teorias, obras científicas tem um valor de conhecimento, mas esse valor é historicamente condicionado, limitado e relativo; ou seja, todo conhecimento sobre a sociedade, sobre a história é relativo a uma situação histórica determinada. Cada um é verdadeiro, mas também é unilateral (só toma uma dimensão da realidade).
Dilthey se dá conta de que as ciências sociais possuem uma profunda contradição. Por um lado, ela aspira ao conhecimento objectivo, válido; mas por outro lado, cada obra é vinculada a uma visão de mundo, uma visão limitada, unilateral; impondo, assim, certos limites ao conhecimento.
Dilthey percebeu o perigo do relativismo total, porque ele conduz ao ceticismo; ou seja, já que todo mundo tem uma parte da verdade (cada pessoa possui a sua verdade e a sua mentira) faz-se uma mistura e com isso se chega a verdade. Dilthey se recusa a este ceticismo, mas também não tem uma resposta para o problema.
 Simmel foi o principal aluno de Dilthey, que fez críticas ao positivismo. Entre elas a de que a ciência pode ser representada tal qual ela é, o que para ele não é verdade pois a ciência é um produto social.
 Entretanto a sua busca para resolver o relativismo foi a de que pegar todos os pontos de vista, os unir e fazer uma síntese.
Simmel tem uma desvantagem grande em relação a Dilthey, para ele a solução para o relativismo é exactamente os diversos pontos de vista, ou seja, o cepticismo, o conhecimento parcial e subjectivo.
 Porém existem duas críticas a cerca do ecletismo:
* a razão que Max Weber põe: "as soluções intermediária não são em nada mais objectivas que as soluções extremas [...], não há razão alguma para considerar a solução intermediária, eclética, que faz a média entre os extremos, como mais objectiva que as soluções extremas."
* e a outra que em soluções intermediárias as possibilidades são infinitas. Dessa forma voltamos ao ponto de partida em que existirão diversas visões cada uma delas dizendo que é objectiva e verdadeira.
Karl Mannheim é um pensador húngaro, de cultura alemã, que foi muito influenciado por Lukács. Lukács foi ministro da Cultura e nomeou Karl Mannheim catédrático de filosofia da universidade. Essa nomeação só durou três meses, quando a contra-revolução triunfou e eles tiveram que fugir. Com isso, Lukács foi para Viena e Mannheim foi para a Alemanha. Mannheim foi aluno de Simmel. 
 Em seus primeiros artigos, Mannheim cita dois conceitos importantes:
1. Conceito de Standortsgebundenheit
2. Conceito de Seinsgebundenheit
Ambos os conceitos são traduzidos erradamente como "determinação social"; numa melhor tradução quer dizer "dependência em relação à posição social". Deste modo, ele quis dizer que toda a forma de pensamento ou de conhecimento está vinculada ou depende de uma posição social determinada, ou de um ser social determinado.
Mannheim dá um avanço enorme ao historicismo que é o conceito de classe, que até então não aparecia. Ele afirma que o conhecimento não é só historicamente relativo, mas é também socialmente relativo, em relação a certos interesses, a certas posições, a certas condições do ser social, particularmente das classes sociais.
Mannheim afirma o relativismo como um caminho necessário para chegar a qualquer teoria social do conhecimento. Ele busca o máximo de relativização, para depois colher todos os pontos de vista e tentar fazer uma síntese. 
Partindo de Marx Lukács, Mannheim vai formular o conceito de ideologia total, que é uma certa estrutura de consciência ou um certo estilo de pensamento, socialmente condicionado.
Essa ideologia total, ou visão total de mundo ou estrutura da consciência, ou estilo de pensamento, tudo isso determina o processo de conhecimento, porque determina a problemática, a orientação da pesquisa, a análise e a teoria. Porém há muitas contradições em Mannheim, para ele essa ideologia total não é só fonte de ignorância, obscuridade, cegueira, falsificação, mas é também fonte de conhecimento, de lucidez.
A fórmula de Mannheim é que o dever do intelectual não é só o de se transformar em porta-voz de tal ou qual classe social, mas de tomar consciência de sua própria missão, de sua "predestinação a tornar-se o advogado dos interesses espirituais do conjunto da sociedade". No entanto, não fica claro quem são esses intelectuais, o que gera inúmeras polémicas contra esta tese.
Tanto o positivismo, quanto o historicismo, como o marxismo, partem da hipótese de que existe uma realidade social, uma realidade histórica; só que para o historicismo e o marxismo, existe uma relação dialéctica entre o sujeito e o objecto do conhecimento, não existe uma separação total como no positivismo.
A distinção entre ciências naturais e ciências sociais é fundamental, mas não é absoluta. Entre as ciências naturais e as ciências sociais, há um terreno intermediário, não se pode fazer um corte entre ciências naturais e ciências sociais, mas a distinção existe. 
No campo científico natural existe todo um espaço que é politicamente, ideologicamente e socialmente condicionado. Neste sentido, falar em ciência neutra é uma ilusão. Toda e qualquer observação de fatos não é desprovida de valores, e a própria escolha do objecto de pesquisa depende de preferências pessoais do pesquisador. Pesquisas científicas são financiadas por pessoas ou instituições com interesses políticos.
A fragilidade do historicismo e do historicismo relativista é de não perceber a relação entre essa limitação histórica do conhecimento e as classes sociais; o problema de classes está ausente no historicismo relativista de Droysen e quando ele aparece, no caso de Mannheim, aparece de maneira muito discutível.

MATERIALISMO HISTÓRICO

O materialismo histórico é uma abordagem metodológica ao estudo da sociedade, da economia e da história que foi pela primeira vez elaborada por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), apesar de eles próprios nunca tenham empregado essa expressão. O materialismo histórico procura as causas de desenvolvimentos e mudanças na sociedade humana nos meios pelos quais os seres humanos produzem colectivamente as necessidades da vida. As classes sociais e a relação entre elas, além das estruturas políticas e formas de pensar de uma dada sociedade, seriam fundamentadas em sua actividade económica.O materialismo histórico na qualidade de sistema explanatório foi expandido e refinado por milhares de estudos académicos desde a morte de Marx.

Ideias Centrais

De acordo com a tese do materialismo histórico defende-se que a evolução histórica, desde as sociedades mais remotas até a actual, se dá pelos confrontos entre diferentes classes sociais decorrentes da "exploração do homem pelo homem". A teoria serve também como forma essencial para explicar as relações entre sujeitos. Assim, como exemplos apontados por Marx, temos durante o feudalismo os servos que teriam sido oprimidos pelos senhores, enquanto que no capitalismo seria a classe operária pela burguesia.
Esta teoria de evolucionismo histórico fundamentava o pensamento Marxista que conduziu à implementação dos regimes comunistas pela "Revolução", ou seja, a rebelião das classes operárias contra os capitalistas.
O materialismo histórico como propulsor\impulsionador da evolução histórica foi posto em causa quer pelos pensadores liberais, que levaram ao desenvolvimento das Democracias do Norte da Europa, Reino Unido e América do Norte, quer pelos pensadores corporativistas que levaram ao desenvolvimento dos regimes autoritários de Itália, Portugal e Espanha.
No capítulo III da obra "Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico", Friederich Engels afirma:

"A concepção materialista da história parte da tese de que a produção, e com ela a troca dos produtos, é a base de toda a ordem social; de que em todas as sociedades que desfilam pela história, a distribuição dos produtos, e juntamente com ela a divisão social dos homens em classes ou camadas, é determinada pelo que a sociedade produz e como produz o pelo modo de trocar os seus produtos."

Fundamentos

O materialismo histórico, pensamento desenvolvido pelo estudioso Karl Marx, fundamenta-se, inicialmente, na observação da realidade a partir da análise das estruturas e superstruturas que circundam um determinado modo de produção. Isto significa dizer que a história está, e sempre esteve, ligada ao mundo dos homens enquanto produtores de suas condições concretas de vida e, portanto, tem sua base fincada nas raízes do mundo material, organizado por todos aqueles que compõem a sociedade. Os modos de produção são históricos e devem ser interpretados como uma maneira que os homens encontraram, em suas relações, para se desenvolver e dar continuidade à espécie. Segundo Marx:
O fato de Marx estar ligado a essa percepção material da vida e, por conseguinte, vinculado ao entendimento das relações humanas a partir dessa lógica da realidade que se faz presente no quotidiano das pessoas, nos dá a possibilidade para compreendermos que o pensamento marxista se estrutura, principalmente, por meio da inversão do pensamento Hegeliano. O propósito de uma história pautada no materialismo aparece como uma oposição ao idealismo. A realidade dos povos, segundo Marx, não pode ser explanada a partir de um parâmetro que entenda as ideias como um factor que figurem em primeiro plano, uma vez que estas somente encontram o seu valor enquanto fornecedoras dos alicerces que sustentam a imensa estrutura económica, que nada mais é do que o próprio mundo material, o mundo real.
As ideias seriam, então, o reflexo da imagem construída pela classe social dominante. O poder que ela exerce sobre as pessoas está directamente relacionado com a edificação ideológica que esta “elite” constrói dentro das mentes de seus dominados, fornecendo sua visão de mundo. É dessa forma que a ideologia permeia a consciência de todos, transformando-os em objectos de uso e de exploração. Assim sendo, Marx acredita que a manutenção da estrutura económica se dá mediante essa inversão da realidade, que se encontra no direito, na religião, e nas mais diversas formas de controlo.
Segundo Marx, a sucessão de um modo de produção por outro ocorre devido a inadequação desse mesmo modo de produção e suas forças produtivas. Exemplo: no final da Idade Média, quando houve o desenvolvimento do comércio, as relações servis começaram a desempenhar um papel de entrave ao desenvolvimento das forças produtivas, provocando assim uma implosão dentro do sistema e originando outro novo: o capitalismo. Compreende-se, então, que o capitalismo nasceu a partir das contradições do sistema feudal, e que a burguesia (classe dirigente), ao criar a sua oposição, o operariado, engendrou também o seu futuro extermínio, cavando a sua própria cova.
 
CONCLUSÃO
Desse modo, vemos que o historicismo de Marx e Engels, ou o chamado historicismo marxista, presente no materialismo histórico se contrapõe a categorias meta-históricas, metafísicas, abstractas de mundo, de homem, de sociedade. Trata-se, ao invés, de uma constituição totalmente empírica, produzida empiricamente e empiricamente verificável. Como teoria, traz sempre uma sistematização conceitual em respostas aos problemas concretos surgidos na vida dos homens, que, na sua condição de sobrevivência e na sua própria constituição possui o trabalho, a sua prática histórico-social, como algo imprescindível e fundamental. Em sua concepção materialista histórica, a dialéctica era um instrumento que servia para revelar e para descrever, criticamente, as contradições da sociedade capitalistas de todos os fenómenos da sociedade contemporânea e apontar os caminhos para a sua superação.




BIBLIOGRAFIA
LÖWY, Michael. Ideologias e Ciência Social: Elementos para uma Analise Marxista. São Paulo, 7ª edição, 1991
ENGELS, Friedrich. Introdução. In: MARX, Karl. As lutas de classes na França (1848-1850). São Paulo: Global, 1986.