A ESCRAVATURA E O TRÁFICO DE ESCRAVO EM ANGOLA


No presente trabalho vamos falar acerca da Escravatura e o trafico de escravo em Angola, veremos a origem e formação social, bem como os diferentes tipos de escravidão. Para começar é importante dizermos que o estudo do processo de escravização dos povos angolanos é essencial para que se compreenda a situação actual de desigualdade no país. Revela uma longa história de exploração e subjugação de populações fragilizadas por outras, mais equipadas. Demonstra também que a desestruturação económica e cultural tem efeitos desastrosos de longa duração.
Pois, do ponto de vista económico, a escravidão foi uma forma eficiente de acumulação primitiva. No que diz respeito às pessoas, foi uma violência irreparável, que pressupõe, dentre outros factores, a existência de povos muito pobres, mão-de-obra excedente que possa ser explorada em benefício de uma minoria. Assim, parte do actual contexto socioeconómico de Angola de miséria e exclusão é consequência de fatos passados.




A ESCRAVATURA E O TRÁFICO DE ESCRAVO EM ANGOLA
Conceito
O termo escravatura apresenta diversas definições, Silva (2003) a descreve como:
·                    Instituição social que consiste no direito de propriedade sobre seres humanos e na utilização de seus serviços;
·                    Domínio permanente e violento sobre pessoas alienadas de seu nascimento e geralmente desonradas;
·                    Vínculo de poder e domínio originado e sustentado pela violência no qual a “morte social” substitui à morte física do prisioneiro de guerra, do condenado à pena capital ou do indigente ou enjeitado.
Lovejoy (2002) define escravidão como uma forma de exploração com características específicas, destacando a ideia de que o escravo era uma propriedade, um estrangeiro, alienado de sua origem ou do qual por sanções judiciais ou outras se retirava à herança social que lhe coubera ao nascer; que a coerção podia ser usada à vontade, que sua força de trabalho estava à completa disposição de seu senhor, que não tinha direito a sua própria sexualidade, e, por extensão às suas próprias capacidades reprodutivas, sendo sua condição hereditária.
Ela vem sendo a mais primitiva forma de coerção destinada a extorquir de um ser humano a sua força de trabalho em proveito de outro que se dispensa da mesma obrigação. Trata-se da primeira e mais primitiva das formas de esmagamento do homem pelo homem, de extorsão da força de trabalho do semelhante, e do confisco de sua dignidade humana.
Na colónia de Angola, a exportação de mão-de-obra escrava pelo porto de Luanda terá sido alvo de competição no século XVII entre portugueses e holandeses. É depois da disputa entre os colonizadores, cujo vencedor foi o reino de Portugal, que pode ter se originado a captura directa de escravos, nas chamadas Guerras Angolanas, no seio de certas tribos que tinham lutado contra os portugueses. Foi dessa forma que Angola se tornou um centro importante de fornecimento de mão de obra escrava para o Brasil, onde crescia não apenas a produção de cana-de-açúcar no Nordeste, mas também a exploração de ouro na região central. Navios com mercadorias de Goa faziam escala em Luanda lá deixando panos, as chamadas "fazendas de negros". Dali, seguiam para Salvador, na Bahia, carregados de escravos e de outras mercadorias provenientes da Índia (como louças e tecidos). Foi assim que Salvador se tornou um centro difusor de mercadorias da Índia pela América do Sul.
Os negócios foram se estruturando aos poucos. Num primeiro momento, os governadores da colónia detinham o poder de determinar o preço dos escravos. O pagamento era feito em ouro proveniente de Minas Gerais, no Brasil. Mais tarde, em 1715 a coroa portuguesa proibiu que os governadores se envolvessem com o tráfico. Negociantes provenientes do Brasil (principalmente do Rio de Janeiro, da Bahia e também de Pernambuco) assumiram as rédeas do comércio, que se aqueceu. A principal feira fornecedora de escravos para o porto de Luanda era a feira de Kassanje. No século XVIII, a cachaça brasileira (geribita) passou a ter papel de destaque nas trocas, sendo valorizado tanto em Angola quanto no Brasil. Figurava, ao lado da seda chinesa e as armas europeias, como uma das principais moedas de troca. Era, na verdade, a moeda mais corrente, já que o comércio de armas era controlado e a seda chinesa a só chegava à África depois de passar por Lisboa, o que elevava seu preço e reduzia sua liquidez. Outro produto brasileiro valorizado na África era o fumo de corda de Salvador.
A partir da abertura da costa Atlântica da África, pelos comerciantes europeus, ocorre um vertiginoso crescimento e expansão do tráfico de escravos, com consequências decisivas na evolução da escravidão e na economia dessa região. A similaridade nos padrões comerciais do tráfico de escravos, entre portugueses e muçulmanos, fica evidente quando analisamos as seguintes características: demanda de escravos domésticos para a Europa meridional, demanda de escravos para atender plantações de cana-de-açúcar nas ilhas do Mediterrâneo e depois do Atlântico, pelo desenvolvimento do comércio de escravos ao longo da costa ocidental africana e pelas mercadorias exportadas para a África Ocidental.
O desenvolvimento e expansão do comércio transatlântico iniciado na última metade do século XV representou um importante ponto de partida na história do tráfico de escravos. Em decorrência desse comércio, a escravidão existente nesta região, passou por transformações distintas daquelas produzidas nas regiões islamizadas. Embora ela tenha continuado, na maioria dos lugares, a ser interpretada no contexto das estruturas de linhagem – como escravidão de linhagem, ela se consolida como importante instituição nas estruturas das sociedades locais. Essa relação entre o comércio escravo europeu e o desenvolvimento da escravidão nas sociedades africanas, ajuda a esclarecer essa mudança histórica. A presença constante de comerciantes nesta região incentivou a formação de um comércio sistemático de colecta de escravos, que passava a ser direccionado não só para os grupos de parentesco, mas também para o mercado exportador. A consequência dessa relação foi a perda pela África desses escravos e a substituição de seres humanos por mercadorias importadas.
Como uma instituição, a escravidão de linhagem, apresentava aspectos semelhantes a todos os tipos de escravidão: elemento de propriedade, a identidade estrangeira, o papel da violência e a exploração produtiva sexual. Porém uma diferença notável era a ausência no campo ideológico, da influência de atitudes europeias. Esta ocorreu mais no campo económico. Ideologicamente, as teorias e práticas adoptadas, seguiam o padrão islâmico. A escravidão continuou a ser compreendida como de parentesco, mesmo quando escravos realizavam novas e variadas tarefas, semelhante ao padrão islâmico.
Semelhante também era o controlo exercido sobre as mulheres. Como a poligamia era permitida, mas não contava com nenhuma regulamentação, na prática ocasionava uma distribuição desigual das mulheres dentro da sociedade, o que permitia o controlo da produção e reprodução. Esse aspecto foi significativo no comércio de exportação, possibilitando uma divisão natural da população escrava. A demanda interna africana era por mulheres e crianças, enquanto para o comércio europeu, homens era a maioria.
O crescimento do tráfico transatlântico expôs a África Centro-Ocidental a uma influência essencialmente nova. Povos ao longo da costa Atlântica experimentaram mudanças fundamentais em sua organização social, reorientando a escravidão para padrões bem diferentes do que existia anteriormente, acompanhado de um aumento interno na utilização de escravos.
O abastecimento desse intenso tráfico, para as Américas, foi realizado principalmente pelas regiões: área de Angola e do Congo (até quase o final do século XIX); Costa dos Escravos (Golfo de Benin, do final do século XVII até Século XIX); Costa do Ouro (do início do século XVIII até o seu final); baía de Biafra (centralizado no delta do Níger e do rio Cross). Outras regiões tiveram menor participação em épocas diversas como: do rio Bandana; costa perto do planalto de Futa Jalom; portos próximos onde agora ficam Morávia e Freetown; e a região da Senegâmbia com conexão com o interior muçulmano.
O crescimento desse tráfico, não poderia ter ocorrido sem um aumento simultâneo da capacidade de escravizar pessoas e da intensificação da violência. Essa situação era resolvida pela separação da infra-estrutura comercial, que permitia a movimentação de escravos dentro e fora da África; e das instituições de escravização, que estavam associadas à fragmentação política. Assim, o mercado escravo e a escravização institucionalizada, formavam o cenário para a expansão da escravidão na África. No princípio do século XIX, o tráfico de escravos, tinha adquirido proporções gigantescas. O que levou a ser visto como a primeira das modernas migrações mundiais com características específicas por ser baseada na escravidão e possuir uma complexa organização.
Mesmo aceitando que a escravidão existia na África antes da difusão do islamismo, é inegável que se constituía em um aspecto marginal as estruturas sociais. O que leva a afirmar que, a influência do islamismo e do comércio europeu interagindo com o ambiente nativo, afectaram a dinâmica da escravidão, provocando o surgimento de sociedades escravocratas, o que equivale dizer que a escravidão transformou-se em uma instituição fundamental.
Na África, o resultado do sistema esclavagista foi devastador. Comunidades que antes conviviam pacificamente se militarizaram e travaram guerras infindáveis. Enquanto durou a escravidão, os escravos, assim "produzidos", eram vendidos em feiras e exportados. Depois, os antagonismos étnicos entre os capturados e os captores se acentuaram, de forma que mesmo após a retirada dos últimos colonizadores, já no final do século XX, as guerras continuaram ocorrendo.
Houve mais interferências externas. O empresário inglês Cecil Rhodes, por exemplo, investiu largamente em mineração, e fundou o estado da Rhodésia, depois dividido em Rhodésia do sul e Rhodésia do norte, hoje Zâmbia e Zimbábue. Queria formar um império inglês.
Mais tarde, o problema foi agravado, e generalizado, pelo fato de a África ter sido dividida em países artificiais, forjados pela régua dos burocratas da Organização das Nações Unidas (ONU) após a Segunda Guerra Mundial. Sem levar em conta a cultura local, a ONU subjugou ao tacão de líderes não reconhecidos como tal, povos com hábitos, idiomas e economias diversas.
Outras circunstâncias contribuíram para que a África chegasse ao século XXI como o continente mais pobre, injusto e desigual do planeta. Uma delas foi a introdução de mercadorias estrangeiras, ainda no tempo colonial, que provocou a ruína do sistema de produção local.
Em Angola, o sistema do sobado entrou em decadência com a implantação de plantações. Outros centros comerciais próximos ao Rio Kwanza, como o Dongo, passaram a comercializar borracha, cera, café, amendoim e outros produtos demandados pelos europeus – em detrimento da produção de bens de subsistência essenciais para a população. O resultado dessa história milenar de exploração e injustiça são as guerras civis e a extrema pobreza em que o continente se encontra até aos dias actuais.

Inicio da abolição do tráfico de escravo

Durante mais de três séculos se processou o tráfico de cerca de 8,3 milhões de escravos, na sua maioria para o Novo Mundo, fornecendo a mão-de-obra necessária às grandes plantações do Brasil. Por volta de 1807, Inglaterra decreta a ilegalização deste comércio, fruto de algumas pressões que contestam a ilegitimidade desta actividade e que se tornará no palco de disputa política entre Portugal e a Grã-Bretanha.
Na verdade, aquando da declaração de independência do Brasil, em 1822, as medidas de coacção contra o tráfico de escravos cingiam-se somente ao disposto no Tratado Anglo-Português de 1810 que limitava este tráfico à Costa da Mina e às possessões portuguesas em África e ainda à Convenção de 1815 que o declarava ilegal a norte da linha equatorial. Todavia, estas medidas não foram suficientes para diminuir ou mesmo extinguir as inúmeras embarcações que anualmente cruzavam o Atlântico, desenvolvendo o comércio da escravatura.

Dificuldades na abolição do tráfico de escravos nas colónias portuguesas

Para podermos perceber os motivos que dificultam a abolição do tráfico de escravos ao longo deste tempo e após várias tentativas impostas pelos diversos tratados e convenções a ele subjacentes, é necessário compreendermos as alterações que este tipo de comércio provoca na sociedade que o pratica. Na verdade, as colónias portuguesas há muito habituadas a esta actividade viviam deste comércio fácil e muito lucrativo, não desenvolvendo outras actividades que pudessem beneficiar a sua terra.
Desde os governadores das colónias aos mais altos funcionários, passando ainda pelos administradores das alfândegas e, obviamente pelos negreiros, todos lucravam com este negócio obscuro e desumano, dificultando assim a abolição desta prática. Prova disso, é o Tratado Anglo-Brasileiro de Novembro de 1826 que proíbe o comércio de negros aos súbditos brasileiros três anos depois das ratificações, precisamente a partir de Março de 1830. Porém, desengane-se quem julgue que seria o fim do tráfico negreiro, uma vez que nos anos que antecedem a entrada em vigor deste tratado, esta actividade recrudesce e fornece à história números elevadíssimos de exportação de negros para o Brasil.
A partir de 1830, o tráfico de escravos diminui significativamente e por esta altura começam as lamentações dos governadores coloniais, que exigem a alteração do quadro legislativo de forma a controlarem o estado de depressão em que se encontravam as colónias portuguesas. Rapidamente encontraram uma solução e, por volta de 1835 a actividade já se encontrara reorganizada e adaptada ao tratado de 1826, entrando aqui a conivência expressa das autoridades brasileiras que agiam descaradamente, contribuindo assim para a continuação deste comércio que muito interessava ao Brasil, pois era uma forma de colmatar a falta de braços negros para as plantações neste país.

Abolição do tráfico de escravos nas colónias portuguesas

Para Portugal, colocar um ponto final no tráfico negreiro significava assumir responsabilidades sem qualquer garantia de cumprimento, sendo que uma delas respeita ao controlo ou fiscalização que teria de fazer para evitar por completo esta actividade e a outra à sublevação que provocaria nas suas colónias africanas, pois como já foi referido estas sociedades lucravam muito com este tipo de comércio. Assim, a questão da abolição do tráfico de escravos tornava-se dia após dia mais complicada e pouco decisiva, uma vez que para os estadistas portugueses a supressão total deste comércio colocaria em causa imperativos mais fortes nas possessões africanas.
Mas esta situação alterou-se com as posições, embora divergentes, de duas personalidades de peso na política portuguesa da época, o duque de Palmela e o visconde de Sá da Bandeira. Porém, o projecto levado a cabo por Palmela com vista à negociação de uma nova convenção com Inglaterra cai por terra juntamente com a queda do governo a que este pertencia. Com o visconde Sá da Bandeira a abolição do tráfico negreiro parece ganhar agora ênfase, sobretudo através do decreto de 10 de Dezembro de 1836 que põe fim à exportação de negros das possessões portuguesas em África.
Dando oportunidade à proposta de diploma legal apresentada por si à Câmara dos Pares em 26 de Março de 1836, Sá da bandeira realça um projecto de carácter essencialmente colonial, pois na sua opinião África poderia substituir o antigo império brasileiro em todas as suas vertentes. Na verdade, tudo deveria passar por uma fase de investimento, implantação de indústrias que desenvolvessem as culturas facilmente produzidas nas terras férteis daquelas possessões, exploração árdua das ricas minas de ouro, ferro, pedras preciosas e outros metais e ainda novas colonizações.
Mas para que o sucesso deste projecto pudesse sobressair era necessário reter a mão-de-obra existente em África, abolir por completo o tráfico de escravos por mar e aplicar as multas e castigos necessários aos respectivos traficantes. E é assim que o decreto será promulgado, com vista ao desenvolvimento do projecto colonial em África e à criação de um novo império neste continente, quiçá, bem mais interessante e lucrativo que o Brasil.




Causas e consequências do trafico de escravo em Angola
Em Angola, a escravatura desencadeou uma gigantesca movimentação de populações. É de salientar as perniciosas consequências sociais e económicas deste tráfico que privou as populações dos seus membros mais vigorosos e dinâmicos, paralisou o desenvolvimento da actividade produtiva. A procura dum refúgio seguro e a instabilidade verificada entre as populações causou diversos movimentos migratórios a uma escala variável com o tempo e o lugar. Foi, além disso, a maior migração forçada intercontinental de sempre. Tornaram-se destrutivos os efeitos dum círculo vicioso de trocas comerciais, armas de fogo por escravos, e escravos por armas de fogo que seriam usadas na captura de mais escravos e, assim por diante, indefinidamente. Muitos povos ocupam os seus actuais territórios em consequência das deslocações provocadas pelo tráfico de escravos. Desapareceram dos povoados os indivíduos mais jovens, mais vigorosos e sãos.
Tratando-se de populações essencialmente agrícolas, a produção e a acumulação de bens alimentares mergulharam num caos generalizado, que destruiu o processo produtivo. O tráfico de escravos instalou a guerra entre as tribos e a violência no interior das próprias tribos. Os chefes do litoral passaram a ver os seus súbditos como uma mercadoria e a guerrearem-se uns aos outros para venderem os seus compatriotas.











CONCLUSÃO
Ao concluir esta pesquisa sobre a escravatura e o tráfico de escravo em Angola, foi possível verificar a importância do mesmo, para entender toda a dinâmica do processo de escravização e do tráfico de escravos, responsável pela diáspora dos negros africanos.
O objectivo da pesquisa que se caracterizou pela análise da escravidão no país angolano, resultou em novos e significativos conhecimentos sobre a temática, e, espera-se que o mesmo possa contribuir para o aprimoramento do trabalho docente.
Ao final, espera-se que esta pesquisa, proporcione novos questionamentos, a serem analisados, contribuindo dessa maneira, para o estabelecimento de uma relação étnico-racial mais harmoniosa, na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.








BIBLIOGRAFIA


História Geral da África - Volume V: África do século XVI ao XVII
LOVEJOY, Paul E. A Escravidão na África. Uma história e suas transformações, tradução Regina Bhering e Luiz Guilherme Chaves, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002
SILVA, Alberto da Costa – Os estudos de história da África e sua importância para o Brasil, A dimensão atlântica da África, II Reunião Internacional de História da África, São Paulo, CEA-USP/SDG-Marinha/CAPES, 1997, pp 203–219.
SOUZA, Francisco Félix de. Mercador de Escravos, Rio de Janeiro, Nova Fronteira: Ed. UERJ, 2004