AS LEGALIDADES DA AMNISTIA E SUAS OBRIGAÇÕES JURÍDICAS
AS LEGALIDADES DA AMNISTIA E SUAS OBRIGAÇÕES
JURÍDICAS
As legalidades da amnistia
O princípio da legalidade
penal está associado à protecção de garantias fundamentais decorrente de um
processo histórico de humanização e racionalização da actividade estatal.
A palavra amnistia (do
grego, amnestía) tem a mesma raiz etimológica da palavra amnésia. Ambas
carregam em si a ideia de esquecimento, oblívio. No âmbito jurídico, contudo, o
termo amnistia adquiriu o sentido de “ato pelo qual o poder público declara
impuníveis, por motivo de utilidade social, todos quantos, até certo dia,
perpetraram determinados delitos, em geral políticos, seja fazendo cessar as
diligências persecutórias, seja tornando nulas e de nenhum efeito as
condenações”.
A política de concessão de amnistias
é comum em Estados que vivenciam períodos de transição, principalmente em
processos de paz após conflitos armados não-internacionais ou a passagem de
regimes militares para governos civis democraticamente eleitos. O objectivo das
leis de amnistia é fazer cessar o ódio e animosidade, de maneira a alcançar a
reconciliação nacional. Entretanto, as amnistias podem violar obrigações internacionais
dos Estados, em especial a obrigação de punir crimes de guerra, crimes contra a
humanidade, genocídio, e violações de direitos humanos.
O fundamento da amnistia
varia conforme o contexto. De maneira geral, pode-se dizer que as amnistias
concedidas em consequência de conflitos armados não-internacionais encontram
seu fundamento jurídico no Direito Internacional Humanitário, enquanto aquelas
estabelecidas em tempo de paz fundam-se no Direito Internacional dos Direitos
Humanos. No Direito Internacional Humanitário, o fundamento das leis de amnistia
decorre de uma característica marcante do direito dos conflitos
não-internacionais e que o distingue nitidamente do direito dos conflitos
internacionais: a inexistência do status de combatente. Tal status funda-se na
noção de que combatentes tem o direito de participar directamente das
hostilidades, adquirindo privilégios de prisioneiro de guerra caso capturados
pelo inimigo.
Condições
para a legalidade das leis de amnistia
Evidentemente, as leis de amnistia,
uma vez que adoptadas dentro de ordenamentos internos, tem sua legalidade
condicionada a sua conformidade, formal e material, com a constituição
nacional. Entretanto, a legislação interna também deve estar em harmonia com as
obrigações internacionais dos Estados e não pode justificar uma violação
destas.24 Este artigo se limita à consideração desse segundo ponto, isto é, ao
exame da legalidade das leis de amnistia sob a perspectiva do Direito
Internacional. Um exame geral sob essa óptica, revela que o Direito
Internacional impõe limites à concessão de amnistias, proibindo, em particular,
a amnistia a crimes de guerra, crimes contra a humanidade, genocídio e violações
sérias de Direitos Humanos.
Inicialmente, deve-se notar
que a concessão de amnistias, embora tenha fundamento no Direito Internacional,
não constitui uma obrigação dos Estados. Segundo a Corte Constitucional da
África do Sul, do exame da experiência de países como Argentina, Chile e El
Salvador emerge a conclusão de que não há uma prática estatal única e uniforme
em relação à política de anistia25. Entretanto, conforme nota o Tribunal
Especial para Serra Leoa, também não existem normas costumeiras ou
convencionais de Direito Internacional que proíbam explicitamente a adopção de
leis de amnistia.
O que existe é o reconhecimento,
em instrumentos de Direito Internacional, de que há circunstâncias em que as amnistias
são legítimas, conforme se procurou demonstrar anteriormente. De fato, já em
1863, o Código Lieber estabelecia que o inimigo rebelde poderia ser julgado por
alta traição e ser tratado de acordo, a não ser que incluído em uma amnistia
geral.
As
obrigações da amnistia no conceito jurídico
A amnistia penal extingue a
responsabilidade penal para determinados fatos criminosos.
Consiste na decisão do Estado de não punir as pessoas
já condenadas ou que podem vir a ser condenadas por certos actos praticados,
que são tipificados penalmente.
Ela tem como objectivo evitar a punição, para os casos
em que já houve a condenação penal pelo tribunal.
A amnistia se estende a alguns tipos de
crimes, não exclui a responsabilidade civil, além do amnistiado não
poder ser considerado reincidente.
Os comentários aos
Protocolos de 1977 às Convenções de Genebra explicam que o objectivo dessa
recomendação é “encorajar gestos de reconciliação que possam contribuir para
restabelecer relações normais na vida de uma nação dividida”. Já no campo do
Direito Internacional dos Direitos Humanos, as leis de amnistia devem seguir os
mesmos critérios de legitimidade das demais normas de direito interno. De
acordo com a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em sua Opinião
Consultiva sobre A expressão “Leis” no artigo 30 da Convenção Americana, a
legitimidade da lei está condicionada (i) à sua adopção por órgãos
democraticamente eleitos e constitucionalmente competentes e (ii) ao fato de a
norma nela contida ser dirigida ao bem comum.
Quanto ao carácter
democrático e constitucional da lei, a Corte observa que a expressão leis só se
veste de seu sentido lógico e histórico se forem consideradas como condição
para a necessária limitação à interferência dos poderes dos governantes em
relação aos governados. Assim, a lei, em sentido compatível com os sistemas de
protecção aos direitos humanos, deve ser adoptada por um órgão legislativo e
promulgada pelo Poder Executivo. Daí se conclui que é condição para a
legitimidade das leis de amnistia a sua adopção e promulgação formal, em um
processo democrático em que esteja assegurada a representatividade de segmentos
da sociedade por ela afectados.