a aprendizagem do desenvolvimento da psique
INTRODUÇÃO
A psicologia educacional é uma sub-área de conhecimento, que tem como
vocação a produção de saberes relativos aos fenómenos psicológicos constituinte
do processo educativo. No período pré-escolar o
desenvolvimento da criança é marcado
pela satisfação de atender suas necessidades vitais, e não de obter os
resultados da atividade, ela pode desempenhar várias ações prazerosas, mas
difere do resultado objetivo da atividade, se interessa apenas pelos meios
(ações) que é a brincadeira. É na fase pré-escolar que a brincadeira é um
processo secundário e é nesse período que brincadeira e atividade adquirem
significados diferentes e invertem posições. E o brinquedo passa a ser o tipo
principal de atividade. De fato esta posição lhe é conferida porque a criança
vive cercada por objetos com os quais interage e os adultos fazem uso, embora
sua limitação física lhe impossibilite de operá-los e a sua consciência das
coisas são apresentadas em ação concreta.
O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E IMPLICAÇÕES QUE GERAM PROBLEMAS DE ATRASO MENTAL
Leontiev trata o problema de desenvolvimento
mental atrasado em crianças que se mostraram incapazes de aprender
adequadamente, em tempo preestabelecido e em condições consideradas “normais”.
Ainda que não sejam diferentes de seus contemporâneos.
Quando as crianças são colocadas em condições
apropriadas e com uso de métodos especiais de ensino, apresentam progressos
significativos, superando, assim, o seu próprio atraso. No entanto, sua atenção
se volta para aquelas que permanecem com o quadro de desenvolvimento atrasado,
lançando o seguinte questionamento: estas crianças têm de ser verdadeiramente
postas à margem, ou seu destino está determinado pela ação de condições que
poderiam ser mudadas, em circunstâncias que poderiam ser eliminadas para lhes
permitir um desenvolvimento?
Responde a este questionamento a partir do uso, por profissionais, dos testes psicológicos
utilizados para diagnosticar as crianças dotadas de habilidades. Esses métodos rígidos
excluem a maioria por não corresponder com os números padrões de classificação,
seja por causa de problemas orgânicos ou de atraso no desenvolvimento mental,
sedo que o segundo está ligado a fatores endógenos e biológicos; exógenos e
ambientais, e por este motivo os testes para medir o ‘coeficiente de
inteligência’ não são confiáveis, tendo em vista que não apontam as causas do
atraso e nem como superar as deficiências intelectuais.
Leontiev (2005) destaca que o desenvolvimento
da criança é resultado de assimilação ou apropriação da experiência acumulada
pelo homem no decurso da história social, processo este completamente diferente
do gênero animal. Neste, o seu comportamento é regulado por dois tipos de
experiências, que são a filogênese (hereditariedade) e experiência individual,
onde uma está
ligada à outra, sendo que a filogênese possibilita a formação de comportamentos
para realizar a experiência individual e esta permite a adaptação do animal
para as mudanças no ambiente, mas a evolução apresentada só passará a fazer
parte da filogênese lentamente. Assim, o desenvolvimento ontogenético é
resultado desses processos que são dependentes.
O ser humano apresenta outro tipo de
experiência, a histórico-social. No entanto suas experiências não ocorrem
independentes da base herdada. Devido a experiência histórico-social, o ser
humano desenvolveu características mentais superiores que mudam rapidamente em conseqüência
das exigências do convívio social, mas, estas dependem dos diferentes modos de relações
que estabeleceu com os saberes, como a apropriação ou a não-apropriação dos
saberes.
Com isto, seu progresso histórico é
transmitido de uma geração a outra, através da experiência filogenética
(histórico-social), isto porque sua atividade principal é o trabalho.
Leontiev (2005) diz que o desenvolvimento
filogenético dos animais ocorre “pela consolidação das mudanças na sua
organização biológica”, no caso do ser humano o seu desenvolvimento histórico
se consolida pelos “objetos materiais e em fenômenos ideais”. Desse modo, o desenvolvimento
humano se dá pelos processos de assimilação ou apropriação do desenvolvimento
evolutivo de gerações anteriores.
Defende que a criança não se adapta ao mundo dos objetos e aos fenômenos que a rodeia,
mas o faz seu, apropria-se dele, pois o seu desenvolvimento mental se dá em um
mundo humanizado que tem como objetivo reproduzir no indivíduo qualidades,
capacidades e características comportamentais. No contato com estas capacidades se formam funções que surgem
durante a ontogênese, sendo que a linguagem possibilita a formação destas
capacidades, e, por outro lado, as características biológicas possibilitam as
condições necessárias para a formação das funções.
Ressalta que para “se apropriar” dos objetos
ou fenômenos é necessário executar uma atividade adequada ao conteúdo no objeto
ou no fenômeno dado, mas as ações e operações estão relacionadas com o objeto.
No entanto a criança não percebe as ações combinadas, mas as assimila quanto
atinge o objetivo da atividade. As experiências da criança neste primeiro princípio
são fixadas e não se transmite pela
hereditariedade e se desenvolvem por meio das relações práticas e verbais que
existe entre elas e as pessoas que a rodeiam na atividade comum. Para Leontiev (2005, p.
68) o segundo princípio está pautado sobre o “desenvolvimento das ‘aptidões’
como processo de formação de sistemas cerebrais funcionais”, que para ele, os processos
mentais superiores, quando formados, formam também órgãos cerebrais específicos
para o seu funcionamento que, conseqüentemente, dão origem a novas formações.
Esses órgãos funcionais apresentam três características específicas. A primeira
funciona como órgão individual, a segunda tem longa duração e a terceira é a compensação.
O seu processo de formação origina-se na formação de conexões condicionadas pelos meios externo e interno, ações
produzidas pelos efeitos motores dos reflexos ligados entre si.
Quando os componentes motores externos são
separados as ações tornam-se cerebrais internas e quando evocadas tornam-se
automáticas. Esta separação permite a inibição dos traços intermediários, em
outras situações são evocados e dependendo dos estímulos tornam-se novamente
eficazes. Portanto, Leontiev (2005, p.71-72) afirma que
[...]
a criança não nasce com órgãos para cumprir funções que representam o produto
do desenvolvimento histórico do homem; estes órgãos desenvolvem-se durante a
vida da criança, derivam da sua apropriação da experiência histórica. Os órgãos
destas funções são os sistemas funcionais cerebrais (órgãos fisiologicamente
móveis do cérebro [...]), formados com o processo efetivo de apropriação.
Os órgãos funcionais não são produzidos da mesma maneira em todas as crianças e tampouco
em circunstâncias determinadas que seguem o processo de desenvolvimento, em algumas
se formam em condições inapropriadas e em outras não se formam. Compreendendo
que esse processo é possível de reorganizar e até formar sistemas motores e
funcionais que permitam o desenvolvimento da criança, bem como ao que se refere
à linguagem.
O terceiro princípio destacado está
relacionado com a aprendizagem da linguagem para o desenvolvimento mental, pois
a linguagem é um dos meios utilizados para consolidar a experiência
histórico-social.
A criança já nasce rodeada por definições e
conceitos, ao adquirir a linguagem sente a necessidade de aprender as noções
conceituais, mas para isto tem que se desenvolver nela processos cognoscitivos.
Leontiev (2005), esclarece que os processos de pensamentos da criança se dão pela
assimilação da experiência generalizada do adulto, que apesar de estabelecer associações
não significa que perceba a
correspondência com conceitos
científicos. Para aprender conceitos é necessário que a criança desenvolva ações
adequadas, sendo essas ações primeiramente externas por se darem com a
orientação do adulto e depois com ações internas.
A transformação ocorre quando as ações
são verbalizadas pela linguagem,
indicando assim sua apropriação conceitual. Só então passa para o plano mental e com características únicas internas
do pensamento e é nesta etapa que o adulto pode interferir. Cabe ressaltar que
este processo não é linear.
Para o ensino é necessário reorganizar as
ações nos momentos apropriados para que o seu desenvolvimento transcorra
normal, caso contrário a criança pode receber um diagnóstico de atraso
intelectual. Conclui afirmando que os testes de inteligência são inadequados
para avaliar a potencialidade intelectual, quando existe apenas um problema
originado pela falta de reorganização de operações que gera um leve atraso e
que pode ser superado pela criança com ajuda dentro das condições sociais em
que vive e com assistência educativa que a estimule, tendo como ponto chave, a
mudança da atividade principal como condição para a aprendizagem significativa.
A FORMAÇÃO DA PSIQUE
INFANTIL A PARTIR DAS APROPRIAÇÕES SÓCIO-HISTÓRICAS DA CULTURA HUMANA
Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da
psique infantil” Leontiev (2001), descreve os estágios reais que a criança
passa durante o seu desenvolvimento e que determinam o caráter psicológico da
sua personalidade. Considerando que todo o ambiente em que ela se encontra
sofre sua influência e se altera.
Afirma que na infância pré-escolar a criança
toma contato com o mundo mais amplo, o assimila como ele é apresentado a ela,
suas ações são reproduções dos atos dos
adultos com quem convive, isto porque as crianças entendem que suas necessidades são supridas por eles.
Isto explica comportamentos determinados pelas
relações pessoais que as motivam em seus acertos e as desencorajam em seus
erros. Nesta fase se percebe a existência de dois mundos determinados pelas
relações que compartilham com as pessoas que fazem parte de suas vidas.
De um lado está o grupo menor composto por seus
familiares, é neste que suas atitudes comportamentais são influenciadas, e no
maior estão aqueles com quem tem uma relação mediada pelas pessoas do primeiro
grupo.
Embora exista esta distinção de relação de
grupo para a criança, o que se sabe é que ela continua tendo a mesma
compreensão de dependência do adulto mesmo que esteja com crianças de sua
idade, ela necessita do adulto para mediar o seu relacionamento com os colegas,
esses traços permanecem até aos seis anos ou quando é dada a ela uma função para
desempenhar, a exemplo o papel de auxiliar sua mãe, sendo esclarecida a sua
responsabilidade em determinada tarefa. Nesse caso, o seu caráter psíquico é
reorganizado para dar um novo significado a sua atividade.
Normalmente a reorganização psíquica se dá com
a entrada da criança na escola, quando compreende que seus deveres e
obrigações para com os seus pais e
professores se expandem para a sociedade. Agora, de modo real, a partir das exigências
que recebe das pessoas que convive, passa a dar importância que as pessoas dão
quando ela tem de realizar um trabalho, onde o ambiente é modificado para
favorecer o seu êxito. Com isto suas relações íntimas vão sendo determinadas
pelas relações do círculo maior.
Além disso, quando obtém uma nota insatisfatória
dada pela professora, a criança projeta um significado de rejeição tanto para a
professora quanto para a nota, e isto marca as futuras relações e
comportamentos à medida que o círculo se amplia, e por mais que se esforce e obtenha
a nota máxima, esta não apagará o significado atribuído à nota anterior.
O novo estágio do desenvolvimento da
consciência acontece na adolescência, quando ocorre a inclusão de formas de
vida social diferentes das que participava quando criança, visto que já possui
uma estrutura física, conhecimentos e habilidades que lhe permite assumir responsabilidades
e ações próprias de adultos.
Para Leontiev (2001, p. 62) a marca deste
estágio se dá por
[...]
um crescimento de uma atividade crítica em face das exigências do comportamento
e das qualidades pessoais dos adultos e pelos nascimentos de novos interesses
que são pela primeira vez, verdadeiramente teóricos.
Esses novos interesses que surgem em cada
estágio do desenvolvimento da psique, geram atividades externas e internas que
contribuem para a passagem de um estágio para outro, no entanto o que permite o
seu desenvolvimento são as condições reais de vida que a criança leva.
Neste sentido ressalta-se, a importância de se
analisar o desenvolvimento da atividade da criança, a fim de elucidar o
processo de construção na sua consciência, a partir disto é possível
compreender o papel da educação, que deverá operar na reação da criança frente
à realidade, sendo que esta reação que determina a formação estrutural de sua psique e de sua consciência.
Diante disso, afirma que um tipo de atividade
não ocorre em um único estágio, pois certas atividades são fundamentais no
desenvolvimento psíquico da criança e outras servem de base para uma atividade
geral. Assim a mudança de estágio está agregada a uma atividade que domina a
relação da criança com a realidade.
Leontiev (2001) define que esta atividade
principal apresenta três características observáveis. São elas:
Primeira é a atividade cujo papel desenvolvido
tem sentido diferenciado da realidade, a criança projeta nos brinquedos as
relações e os comportamentos
estabelecidos na sua convivência com os adultos. Esta atividade caracteriza-se
na infância pré-escolar, em que aprende brincando.
A segunda atividade tem a predominância da
reorganização dos processos psíquicos, onde a atividade principal é a que vai
possibilitar a distinção do brincar com o dever. A atividade principal não está
no brinquedo em si, mas na atividade que realiza. Neste estágio suas ações não são
reproduções daqueles que a cercam.
A terceira atividade principal depende da
força pessoal interna, a reestruturação vem com as mudanças psicológicas da personalidade infantil. Neste estágio,
durante um período determinado ela procura desempenhar ações que foram assimiladas
nas funções sociais que projetava nos brinquedos.
Entende-se assim, que os estágios do
desenvolvimento da psique infantil apresentam conteúdos mudáveis de acordo com
a realidade vivida por cada criança, que ocorrem em uma seqüência para que se
processem durante o seu desenvolvimento.
A auto-afirmação da criança na transição
de estágios provoca crises, isto se deve
a maturações que surgem na sua psique. Leontiev (2004), ressalta que os
momentos críticos são possíveis de serem controlados na mudança de atividade
principal.
Leontiev (2001) assinala que as mudanças indicadoras do desenvolvimento psíquico infantil
apresentam características peculiares fundamentais para a compreensão das
mudanças, no caráter psicológico da ação. A primeira característica consiste em
perceber o objetivo da ação em relação ao motivo da atividade da qual faz
parte. É necessário porque o propósito de um ato, dependendo da motivação,
passa a ser percebido de modo diferente pela criança. Portanto, suas ações
apresentam caráter psicológico diferente. Para melhor compreensão ele
exemplifica dizendo que uma criança, ao resolver o problema da lição de casa,
tem consciência do propósito desta tarefa, que é responder. Embora a motivação
e a interpretação dada à ação sejam diferentes para seus pais, professores e
ela própria.
As próximas características de mudança são
aquelas ocorridas no campo das operações. Tal processo consiste no modo
utilizado para executar a ação e atingir o objetivo da atividade. Isto é, existem
meios diferentes para se executar uma ação, e será preciso criar condições que requerem
modos seqüenciados de ação. É o que Leontiev (2001), chama de operações conscientes.
Conforme seus experimentos, as operações convertem-se em ações dirigidas para
se atingir um alvo, a cada avanço os procedimentos são realizados obedecendo
uma ação dependente e seqüenciada.
Passemos ao último grupo de mudanças
demonstradas no desenvolvimento da psique, o das funções psicofisiológicas.
Neste grupo estão as funções sensoriais, as funções mnemônicas, as funções
tônicas, e todas as funções base formadoras da subjetividade da consciência,
entre outros exemplos podem-se citar as experiências emocionais e as sensações.
As mudanças ocorrem quando uma função é dirigida a um alvo e durante seu
percurso se une com um ou mais processos existentes nas funções
psicofisiológicas. Para explicar a mudança Leontiev (2001) diz que as sensações
se incrementam em conexões com o desenvolvimento dos processos de percepções
dirigidos para um alvo. Mas as mudanças só se dão se tiverem espaço na
atividade.
Leontiev (2001) aponta a possibilidade do processo
inverso entre as funções psicofisiológicas e a atividade, que torna possível o
funcionamento melhor independendo da que estiver no lugar da principal, já que
são processos interligados. Durante a transição de estágios atos voluntários
conscientes são convertidos em operações conscientes que irá realizá-los em estágios
posteriores que podem ser observados na brincadeira ou jogo.
AS ATIVIDADES PRINCIPAIS NO
DESENVOLVIMENTO DA PSIQUE
Elkonin e Leontiev afirmam que cada estágio de desenvolvimento da
criança é caracterizado por uma relação determinada, por uma atividade
principal que desempenha a função de principal
forma de relacionamento da criança com a realidade. Para esses estudiosos, o
homem a partir do desenvolvimento de suas atividades, tal como elas se formam nas condições concretas dadas
de sua vida adapta-se à natureza, modifica-a, cria objetos e meios de produção
desses objetos, para suprir suas necessidades. A criança, nesse caso, por meio
dessas atividades principais, relaciona-se com o mundo, e, em cada estágio,
formam-se nela necessidades específicas em termos psíquicos. Leontiev (1987)
enfatiza que o desenvolvimento dessa atividade condiciona as mudanças mais
importantes nos processos psíquicos da criança e nas particularidades
psicológicas da sua personalidade.
Os principais estágios de desenvolvimento pelos quais os sujeitos passam
são: comunicação emocional do bebê; atividade objetal manipulatória; jogo de
papéis; atividade de estudo; comunicação íntima pessoal; e atividade
profissional/estudo. A comunicação emocional direta dos bebês com os
adultos é a atividade principal desde as primeiras semanas de vida até
mais ou menos um ano, constituindo-se como base para a formação de ações
sensório-motoras de manipulação. Na relação da criança com a sociedade, num
processo de assimilação das tarefas e dos motivos da atividade humana e das
normas de relacionamento que as pessoas estabelecem durante suas relações, o
bebê utiliza vários recursos para se comunicar com os adultos, como o choro,
por exemplo, para demonstrar as sensações que está tendo e o sorriso para
buscar uma forma de comunicação social. O sentimento de amor filial, a simpatia
por outras pessoas, o afeto amistoso, entre outros aspectos presentes na
relação do bebê com outras crianças e o adulto, são enriquecidos e
transformados no processo evolutivo da criança, tornando-se a base
indispensável para o surgimento de sentimentos sociais mais complexos.
Já no primeiro ano de vida, a conduta da criança começa a
reestruturar-se e cada vez mais aparecem processos de comportamento em virtude
das condições sociais e da influência educativa das pessoas que a rodeiam. Para
Vygotski (1996), há no primeiro ano de vida uma sociabilidade totalmente
específica e peculiar em razão de uma situação social de desenvolvimento única,
determinada por dois momentos fundamentais: o primeiro consiste na total
incapacidade biológica, pois o bebê é incapaz de satisfazer quaisquer das suas
necessidades básicas de sobrevivência. São os adultos que cuidam do bebê, e o
caminho por intermédio dos adultos é a via principal de atividade da criança
nessa idade. Praticamente todo comportamento do bebê está inserido e
entrelaçado com o fator social e o contato da criança com a realidade é
socialmente mediado. A segunda peculiaridade que caracteriza a situação social
de desenvolvimento no primeiro ano de vida é a seguinte: embora o bebê dependa
do adulto, ele ainda carece dos meios fundamentais de comunicação social em
forma de linguagem. A forma como a vida do bebê é organizada o obriga a manter
uma comunicação máxima com os adultos, porém essa comunicação é uma comunicação
sem palavras, muitas vezes silenciosa, uma comunicação de gênero totalmente
peculiar. Assim o desenvolvimento do bebê no primeiro ano baseia-se na
contradição entre a máxima sociabilidade (em razão da situação em que se
encontra) e suas mínimas possibilidades de comunicação" (Vygotski, 1996,
p. 286).
Em um segundo momento, ainda na primeira infância, a atividade principal
passa a ser a objetal-instrumental, na qual tem lugar a assimilação
dos procedimentos elaborados socialmente de ação com os objetos e, para que
ocorra essa assimilação, é necessário que os adultos mostrem essas ações às
crianças. A comunicação emocional dá lugar a uma colaboração prática. Por meio
da linguagem, a criança mantém contato com o adulto e aprende a manipular os
objetos criados pelos homens, organizando a comunicação e a colaboração com os
adultos.
A primeira função da linguagem é a comunicação, um meio de expressão e
compreensão entre os homens, que permite o intercâmbio social. Até mais ou
menos os 18 meses, a criança ainda não consegue descobrir as funções simbólicas
da linguagem, que é uma operação intelectual consciente e altamente complexa.
Por volta dos dois anos, a criança apresenta grande evolução da linguagem,
dando início a uma forma totalmente nova de comportamento, exclusivamente
humana. Inicia-se a formação da consciência e a diferenciação do "eu"
infantil. O "pensamento da criança evolui em função do domínio dos meios
sociais do pensamento, quer dizer, em função da linguagem" (Vygotski,
1993, p. 116). Esta é uma mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento.
Dessa forma, o conhecimento e as experiências advindas da prática social podem
ser difundidos por todos e apropriados por cada um, por cada sujeito em
particular. Embora a linguagem constitua uma forma de comunicação com os
adultos, para Elkonin (1987), ela não é a atividade principal nessa etapa de
desenvolvimento; sua função maior é auxiliar a criança a compreender a ação dos
objetos, é assimilar os procedimentos, socialmente elaborados, de ação com os
objetos.
Vygotski (1996) identificou as seguintes crises: crises pós-natal —
primeiro ano (2 meses-1 ano); crise de 1 ano — infância precoce (1 ano-3 anos);
crise de 3 anos — idade pré-escolar (3 anos-7 anos); crise dos 7 anos — idade escolar
(8 anos-12 anos); crise dos 13 anos — puberdade (14 anos-18 anos); e crise dos
17 anos. Nesses períodos de crise — que podem durar vários meses, um ano, dois
ao máximo — produzem-se mudanças bruscas, rupturas na personalidade da criança.
Conforme Vygotski (idem, ibid., p. 256-257), algumas características estão
presentes nesses períodos: 1a.) os limites entre o começo e o final
da crise e as idades contíguas são totalmente indefinidas — as crises
originam-se de forma imperceptível e é difícil determinar o momento de seu
começo e fim; 2a) um grande número de crianças que vivem essa fase
são difíceis de educar, elas podem ter conflitos com outras pessoas e consigo
mesmas, no entanto não é sempre assim, pois os períodos críticos são distintos
em diferentes crianças; 3a) o negativismo é uma característica
marcante. Esses períodos, portanto, são caracterizados por uma atitude de
negativismo com relação às exigências antes cumpridas: as crianças tornam-se
desobedientes, caprichosas, contestadoras, e, muitas vezes, entram em conflito
com os adultos que as cercam, geralmente com os pais e professores. Bozhóvich
(1987, p. 255) reforça essa idéia afirmando que todas as peculiaridades das
crianças que vivem um período crítico indicam frustração, que surge como uma
resposta à privação de algumas necessidades essenciais ao sujeito. Portanto, o
autor conclui que essa reação de frustração ocorre quando as crianças não
satisfazem suas necessidades ou quando, inclusive, reprimem ativamente aquelas
novas necessidades que surgem no final de cada etapa de desenvolvimento.
No desenvolvimento de períodos críticos, com relação aos períodos
estáveis, passam ao primeiro plano os processos de extinção e retirada,
decomposição e desintegração de tudo que se havia formado na etapa anterior e
caracterizava a criança de dita idade. A criança perde o que já tinha
conseguido antes de adquirir algo novo" (Vygotski, 1996, p. 257). Ela
perde os interesses que ultimamente ocupavam a maior parte de seu tempo e
atenção, e agora é como se houvesse um esvaziamento das formas de suas relações
externas, assim como de sua vida interior.
Os períodos de crise que se intercalam entre os estáveis, "(...)
configuram os pontos críticos, de mudança no desenvolvimento, confirmando uma
vez mais que o desenvolvimento da criança é um processo dialético em que a
passagem de um estágio a outro não se realiza pela via evolutiva, senão
revolucionária" (idem, ibid., p. 258). As crises mostram a necessidade
interna das mudanças de estágios, da passagem de um estágio a outro, pois surge
uma contradição aberta entre o modo de vida da criança e as suas possibilidades
que já superaram esse modo de vida. No entanto, de acordo com Leontiev (1998a),
essas crises não são inevitáveis: o que são inevitáveis são os momentos críticos,
a ruptura, as mudanças qualitativas no desenvolvimento. É por isso, segundo
Leontiev (1978), que atividade se reorganiza. As necessidades internas e
externas levam a criança a mudar de interesse, a formarem-se novas atividades
dominantes, num processo dialético entre o "velho" e o
"novo" em termos de capacidades, habilidades, aspirações e formações
psicológicas. Utilizando, neste aspecto, as palavras de Davidov (1988), podemos
dizer que o que era uma atividade principal, na passagem de um estágio para
outro, torna-se "latente", exercendo uma influência
"subterrânea".
As forças que movem o desenvolvimento da criança em uma ou outra idade
acabam por negar e destruir a própria base de desenvolvimento de toda idade,
determinando, com a necessidade interna, o fim da situação social do
desenvolvimento, o fim da etapa dada de desenvolvimento no passo seguinte, ou
ao período superior de idade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com relação à periodização do desenvolvimento, a psicologia tomou como
base as idéias elaboradas sobre o problema das idades e as crises pelas quais
passam a criança no desenvolvimento ontogenético de sua personalidade. Nessa
perspectiva, a infância tem um caráter histórico concreto e as
particularidades, as especificidades de cada idade também são historicamente
transformadas. Os autores russos, como Vygotski, Leontiev e Elkonin, propuseram
uma periodização do desenvolvimento fazendo referência a uma sociedade
socialista. Os estágios de desenvolvimento, possuem uma certa seqüência no
tempo, mas não são imutáveis. Eles dependem das condições concretas nas quais
ocorre o desenvolvimento. As condições histórico-sociais concretas exercem
influência tanto sobre o conteúdo concreto de um estágio individual do
desenvolvimento como sobre o curso total do processo de desenvolvimento
psíquico como um todo. Como exemplo, podemos citar a atividade principal do
trabalho que, em cada época da sociedade, alonga-se ou não, de acordo com as
exigências sociais.
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