A ética no campo de estágio
INTRODUÇÃO
O
presente trabalho analisa a dimensão ética no campo de estágio do assistente
social na contemporaneidade através do processo de estágio supervisionado. Para
isso, tece um breve histórico dos aspectos relacionados à génese da profissão,
ao estágio supervisionado em Serviço Social apegando-se na ética profissional
do assistente social. Ressalta-se a necessidade de se potencializar a atenção
ao estágio supervisionado enquanto elemento constitutivo do processo de
formação do assistente social e de materialização da dimensão ética da
profissão, pelo qual os académicos de Serviço Social se capacitam ao exercício
da profissão.
A INTEGRIDADE DA ÉTICA NO CAMPO DE ESTÁGIO
Ao
longo da trajectória do Serviço Social, verifica-se que desde a criação das
primeiras Escolas de Serviço Social nas décadas de 30 e 40, o estágio é
considerado parte integrante da formação profissional. Em cada período
histórico na trajectória do Serviço Social, a categoria profissional, trouxe um
determinado projecto de formação em função de seu posicionamento político,
ainda que perdurou por um longo tempo, a perspectiva conservadora, sendo que os
assistentes sociais se “adequavam” ao atendimento das novas demandas sociais
postas a profissão.
À
procura da construção de uma identidade profissional construída colectivamente
pela categoria, velhos paradigmas são discutidos a fim de peneirar o
conservadorismo historicamente localizado dentro da profissão, o que ao mesmo
tempo representa uma luxação devido aos atritos de novas perspectivas
ascendentes em uma possível modernização profissional. Dá-se o marco histórico
do movimento dentro do Serviço Social que se intitula “reconceituação”.
Torna-se necessária tal premissa devido às mudanças sociais decorrentes,
sinalizadas posteriormente ao momento em que se ampliam as matizes de trabalho
profissional principalmente devido à atenção do Estado com a criação de
programas sociais.
A
relevância de tal movimento na derme profissional é justamente em prol do
profissionalismo ético, característica nulificada nos primórdios do Serviço
Social que ainda ganha repercussões no que tange principalmente em razão da crónica
a união conservadora e colonial aliada aos pressupostos neoliberais, que
solicita um profissional acrítico e apolítico. Entender o quão complexo é a
relação do Assistente Social, quando ainda no seio do Serviço Social têm-se
bases teóricas diversificadas, sob variados prismas interpretativos que conduz
à conclusão que os conceitos compartilhados colectivamente não são homogéneos,
o que, por sua vez, torna complexa e diversificada a formação profissional e a
constituição da identidade profissional dos Assistente Sociais. Todavia, é
vivenciado na realidade profissional que instrumental fundamentado na
intervenção imediata, além de suprimir a criatividade do usuário, torna-se
instrumento de reprodução do sistema capitalista de produção. (GUERRA, 1995)
Aliada,
aos conceitos de ética e moral, a liberdade, aparece com uma característica
própria do homem genérico e legal que o porta como dinamizador da realidade
social, fundamental no estabelecimento das relações sociais. Infere-se que no
campo das profissões a ética está intrinsecamente relacionada aos projectos
societários destas. Quanto ao Serviço Social em específico, cuja existência
depende dos conflitos existentes na sociedade capitalista, tem claramente um projecto
societário com dimensões políticas, ou seja, é uma profissão politizada
inserida no mundo sócio-técnico do trabalho comprometida actualmente com a
defesa dos interesses da classe trabalhadora. Entretanto, é necessário
ressaltar que a dimensão política do trabalho profissional está posta na medida
que esta profissão assenta-se na mediação capital/trabalho e pela mesma actividade,
atende a interesses contraditórios, o que convida a categoria fazer este debate
a cerca da dimensão política da profissão. Desta forma, cabe considerar que a
profissão possui carácter eminentemente político da prática ou do exercício
profissional ao lidar de forma comprometida e organizada em luta e defesa dos
interesses da classe trabalhadora, a partir do momento que se posiciona na
realidade pela histórica inserção da profissão no contexto das relações entre o
Estado, o mercado e a sociedade civil, mediante o estabelecimento de uma
realidade repleta de desigualdades sociais. Assim, o Serviço Social se norteia
com base em um projecto ético político que utiliza pressupostos historicamente
construídos, uma vez que se insere na movimentação da realidade social num
contínuo processo de construção e se baseia em factores consagrados e considerados
pela profissão como indispensáveis à vida, principalmente a liberdade.
A forma
ética do Serviço Social, assume-se desde a nomenclatura somente na década
passada, se constrói com base na defesa da universalidade do acesso a bens e
serviços, dos direitos sociais e humanos, das políticas sociais e da
democracia, em virtude por um lado da ampliação das funções democráticas do
Estado e por outro da pressão de elementos progressistas, emancipadores (NETTO,
1999).
Oliveira
(2009) ressalta alguns elementos fundamentais para problematizar o estágio
supervisionado e suas contribuições na formação profissional do (a) assistente
social com bases em seu projecto ético-político, sendo eles: a legalidade, a
legitimidade, os diferentes sujeitos envolvidos neste processo e a construção
de uma nova lógica curricular. Assim, pode-se afirmar que o desafio presente
nesta forma de conceber o estágio supervisionado é romper com o paradigma de
uma actividade direccionada maioritariamente para a informação teórica e a
prestação de serviços por meio do exercício profissional. O estágio, além desta
prerrogativa, deve centrar-se no estudo dos elementos históricos e conceituais
ministrados no curso de Serviço Social, aproximando-se de situações reais e
experiências quotidianas, na tentativa de compreendê-las em suas múltiplas
determinações e, dentro da realidade político institucional, apresentar
criativamente propostas de enfrentamento das expressões da questão social.
(OLIVEIRA, 2009, p. 103-104).
É
fundamental que as instituições de campo de estágio ofereçam estruturas mínimas
para a realização do estágio, com vistas a garantir as condições físicas,
técnicas e éticas para o exercício profissional, como: espaço físico adequado,
garantia ao sigilo profissional, equipamentos necessários, supervisor de campo
disponível para acompanhar o estagiário, dentre outros. É de suma importância
ressaltar que a supervisão em Serviço Social é actividade privativa deste
profissional.
Outro
ponto destacado se refere ao fato da necessidade de desenvolver acções
permanentes visando à capacitação de supervisores, seja pela realização de
fóruns de supervisores de estágio, seja estabelecendo o diálogo e troca de
experiências entre os mesmos; acções que permitirão avaliarem constantemente o
desenvolvimento do estágio, buscando novas formas de acção; propõe ainda a
realização de seminários interdisciplinares com demais disciplinas e os
diferentes campos de estágios; o fortalecimento dos vínculos do curso, além da
proposição de estratégias de acções voltadas para a realidade social em que
cada sujeito se insere. Busca-se a contraposição ao contexto neoliberal que
traz rebatimentos que interferem directamente na formação profissional, que por
sua vez busca permanentemente atender a uma “demanda” de mercado,
descomprometido com uma formação qualificada e competente. Em contrapartida,
deve-se atentar para a importância do momento do estágio, quando a identidade
profissional do aluno está em momento ímpar de constituição e formação. Uma vez
que o quadro da Questão Social é desenhado pela correlação de forças sociais e
suas expressões se materializam é no território, faz-se necessário, no quotidiano
profissional o deciframento das particularidades sócio-históricas que compõem o
denominado “miúdo” social.
ÉTICA NO SERVIÇO SOCIAL
No cenário actual,
onde as desigualdades se destacam, a ética profissional mostra-se como um
desafio em nossa vida social. Para essa compreensão, é necessário entender a
relevância da ética na sociedade e na vida profissional. Cada profissão é regulamentada
pelo seu código de ética, servindo para normalizar as acções. Isto posto, na
importância da ética para o profissional do Serviço Social. Dessa forma, este trabalho
propõe a reflexão a respeito da questão ética, do entendimento de sua importância
e dos fundamentos na formação do profissional. O estudo envolve desde a origem
da profissão até os segmentos actuais, apontando para a importância d a compreensão
da ética na formação profissional.
O carácter
ético do serviço social é dado de forma concreta pela atitude profissional que
entende-se como predisposição para pensar, sentir, actuar junto ao cliente.
Isso é possível através do processo de formação profissional, que permite que uma
pessoa desenvolva a compreensão das situações sociais e dos seres humanos, adquirindo
discernimento e discrição que habilitam a influir outras pessoas.
É preciso
conhecer para agir com reflexão, sendo responsável pela aplicação dos
conhecimentos, além de ser uma pessoa, tendo experiências de vida, é integrado
com a realidade e deve saber para onde caminha. Não é moralizador, impondo directrizes,
o assistente social deve motivar e incentivar de maneira construtiva a
canalização dos sentimentos. Além disso, o profissional deve perceber o cliente
na totalidade, independente do que tenha, diga ou faça, deve transmitir uma atitude positiva de compreensão, de solidariedade fraterna e de ajuda,
controlando a participação emocional ao assumir um papel profissional.
SERVIÇO SOCIAL, MORAL E ÉTICA
O campo de conhecimento e
de acção do Serviço Social remete, desde a sua institucionalização, para as
questões da desigualdade social dos grupos que compõem a sociedade. Hoje, o
ritmo acelerado de mudança da sociedade tem implicações nas funções do Estado,
no contrato social, que substitui valores de responsabilidade social por
valores de responsabilidade individual, e na cientifização e biologização da
vida social, geradoras de fenómenos multidimensionais e de
desigualdades no acesso a recursos.
Na sua emergência, a
intervenção do Serviço Social estava associada à autoridade e aos princípios e
valores que organizavam a sociedade, onde a comunidade, a solidariedade e a
identidade decorriam dos princípios do dever moral. A moral determinava "o
que devo fazer" ou "o que é preciso fazer" (BESSON; GUAY, 2000,
p. 48). Nesse contexto, a moral era um conjunto de "valores, princípios,
normas de conduta, proibições de uma comunidade, que formava um sistema
coerente num contexto histórico em tempo e forma, que servia como ideia, como
modelo de condutas desejáveis e aceites" (SANCHEZ-SERRANO, 2004, p. 127).
A norma determinava a acção dos indivíduos e era orientada pela idade, sexo e
parentesco e inseria-se num espaço/tempo imutáveis. A intervenção do Serviço
Social nesta "ordem moral tradicional" integrava o indivíduo na ordem
estabelecida, nas instituições, normalizando-o e/ou reprimindo os
comportamentos fora da norma.
Na sociedade actual, é
necessário introduzir uma moral moderna que formalize a ética, a norma, a
deontologia e o dever. O indivíduo constituiu-se como um ser racional, com
autonomia, liberdade, direitos, deveres e obrigações - é a formalização da
ética através da moral (deontologia). Nesse âmbito, os direitos, também
denominados liberdades negativas, isto é, liberdades iguais para todos, foram
construídos tendo por base o princípio da correcção das desigualdades e não o
da igualdade sem liberdade, e daí que a liberdade esteja sujeita às balizas dos
procedimentos constitucionais (MIRANDA, 1999).
Na construção das
liberdades e garantias, a ordem moral transforma-se em ética e tem um
significado não de prescrição de comportamentos, mas de reflexão sobre os
mesmos. A ética não impõe normas, mas questiona o que acontece, é uma análise
da atitude face ao ocorrido (factos). Por isso, a ética descreve, propõe,
reflecte, a partir de condições determinadas, os melhores princípios a seguir. A ética "clarifica o que é a moral e como se deve aplicar
essa moral" (SANCHEZ-SERRANO, 2004, p. 128). Pressupõe uma reflexão sobre
a moral e as razões justificativas dessas normas, regras, princípios e direitos
em determinada realidade social. Por isso, à ética interessa saber "o que
é o melhor em determinada situação", "quais os melhores princípios, o
melhor objectivo a seguir" (BESSON; GUAY, 2000, p. 49).
Mas a ética tem "uma
acessão voluntária de responsabilidade e de lei não particular, mas de intenção
universal" (KNOCH, 2003, p. 9). Remete para um compromisso e uma
responsabilidade social e, como diz o autor, pressupõe "compreender em
conjunto liberdade e autonomia por um lado, e dever e imperativo por
outro". Este é o desafio da ética moderna. Esta noção de ética deriva da
ética kantiana, da ideia de dever como um imperativo categórico que, por sua vez, está associada a uma
"atenção ao outro" que é independente da experiência que o sujeito
tem com ele. Isto é, devem-se fazer as "coisas", deve-se
"agir" por puro dever. Além desta perspectiva ética do dever como
imperativo categórico, surgiram outras éticas, como o utilitarismo de Stuart
Mill, onde o útil e o bem-estar social constituíam o imperativo ético.
Actualmente, as sociedades
modernas organizam-se por princípios e valores minimalistas baseados na imagem
e no "prazer", que se regula por princípios eficazes e por imagem exterior
mediática (LIPOVESTSKY, 1994). Nesta linha de pensamento, a racionalização da
ética na sociedade moderna inscreve-se em valores individualistas, hedonistas e
economicistas. A ética incide no valor da imagem e do prazer, implicando a
introdução de novos conceitos como a markética, a bioética e a ética verde. A markética define-se como a ética do lucro
aplicado a causas sociais. A bioética refere-se à organização de conselhos de
ética como é o caso do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida
(CNECV, 2001). Também se tem tornado comum o exercício de uma ética verde ou
ética ecológica. Esta abordagem enfatiza como ideal moderno a subordinação das
acções dos indivíduos às regras racionais e colectivas e sua justificação por
elas.
Neste contexto de mudança
de valores, cabe ao Serviço Social estar atento, reflectir, criticar e definir
estratégias de actuação face às condições de desigualdade de determinada
sociedade. Para além da ética do dever, são necessárias abordagens renovadas de
ética. Para além da ética de responsabilidade, que efectiva os direitos e a
justiça social, é fundamental uma outra, que concretize a solicitude, o cuidado
e o serviço dirigido ao outro, em particular, a certos indivíduos e grupos,
como é o caso das pessoas idosas.
ACTUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE SERVIÇO SOCIAL
O exercício profissional
com integra em dilemas éticos urge que o Serviço Social reflicta, pois são cada
vez em maior número as pessoas que vivem sós, ou com degeneratividades e
incapacitantes que as impedem de exercer os seus direitos: liberdade, autonomia
e participação. Cabe aos profissionais debater e aprofundar os melhores
princípios a seguir tendo em vista o bem-estar, sobretudo daqueles que se
encontram em situação de vulnerabilidade ou fragilidade social.
A intervenção do Serviço Social
está associada aos direitos do homem e constituiu-se como um potencial de
cidadania, entendido como participação do indivíduo e dos grupos, enquanto
membros de pleno direito da sociedade. Os princípios, normas e valores
inscritos no Código de Ética da profissão (APSS, 1994) clarificam a intervenção
social, na relação com os clientes, instituições, colegas e outros grupos
profissionais. Mas estes princípios e normas decorrem de certas necessidades
identificadas em determinado contexto, que se vão modificando, fruto das
transformações societárias.
A intervenção do Serviço
Social está atenta a esses problemas e proporciona práticas sociais
alternativas que valorizam as pessoas dentro da sociedade e dentro do grupo
familiar: por exemplo, prestando informação sobre direitos, incentivando a
participação através de grupos de autoajuda ou promovendo serviços de
proximidade como o voluntariado (ONU, 1999, p. 85-86).
O exercício da ética na
acção do Serviço Social parte do princípio de que todos os seres humanos têm
uma dimensão ética que implica o respeito, a tolerância, a aceitação do ser
humano. Esse processo exige uma cultura de interconhecimento e reflexividade, entendida
como autoconfrontação potenciadora de conhecimento reflexivo e prospectivo no
que respeita ao compromisso e à responsabilidade social para a construção e a
defesa de uma biografia individual e colectiva.
CONCLUSÃO
Contudo,
entende-se que a inserção no espaço de estágio constitui-se um momento
privilegiado e importantíssimo, no qual ocorre a primeira aproximação com a
prática profissional, possibilitando ao estagiário transcender os limites da
sala de aula e, a partir da realidade social concreta, na qual está inserido, o
seu deciframento, o que possibilitará, a partir de análises, de escolha dos
instrumentos que se valerá, da aplicação das resoluções da categoria
profissional, buscar alternativas, propor estratégias de acção, objectivando
atender às demandas sociais impostas à profissão. Neste ínterim, considera-se
que os aspectos legais e legítimos acerca do estágio supervisionado em Serviço
Social e das condições éticas e técnicas da profissão são imprescindíveis para
a identificação de sua dimensão ética, assim como para o fortalecimento do
estágio supervisionado em Serviço Social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A dimensão ético-política no fortalecimento
do estágio supervisionado em serviço social. Disponível el: http://www.cress-mg.org.br/arquivos/simposio/A%20DIMENS%C3%83O%20%C3%89TICO%20POL%C3%8DTICA%20NO%20FORTALECIMENTO%20DO%20EST%C3%81GIO%20SUPERVISIONADO%20EM%20SERVI%C3%87O%20SOCIAL.pdf.
Acessado aos 09 de Abril de 2015.
O serviço Social e a ética do profissional. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-49802011000200011&script=sci_arttext.
Acessado aos 09 de Abril de 2015.
Ética e serviço social: reflexões sobre a vivência profissional. Disponível em: http://app.fanese.edu.br/revista/wp-content/uploads/%C3%89TICA-E-SERVI%C3%87O-SOCIAL.pdf.
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