CADEIA EPIDEMIOLÓGICA RELACIONADA ÀS INFECÇÕES DA COMUNIDADE

INTRODUÇÃO
A assistência à saúde vem, ao longo dos tempos, evoluindo com os avanços científicos e tecnológicos, e tem reflectido em melhoria das acções de saúde para a população. Porém, se por um lado se observa o desenvolvimento científico-tecnológico nas acções de saúde, por outro, tem-se observado que problemas antigos ainda persistem como é o caso das infecções hospitalares. Para o controle sanitário de serviços e produtos de interesse e de atenção à saúde, o poder público tem como responsabilidade fazer com que as normas e legislações relacionadas sejam aplicadas para evitar a exposição da população a riscos. O descumprimento do exercício atribuído ao agente público, implica na desconsideração e responsabilidade que lhe foi imputada, constituindo obrigação legal do Estado promover a indemnização dos prejuízos causados em razão da não execução das actividades públicas atribuídas





CADEIA EPIDEMIOLÓGICA RELACIONADA ÀS INFECÇÕES DA COMUNIDADE
A enfermidade é consequência de uma complexa rede de relações entre os diversos componentes do agente etiológico, do hospedeiro susceptível e do ambiente em que se encontram.
Para que ocorra determinada enfermidade em uma população, particularmente no caso de doenças transmissíveis, é necessário que ocorra uma sucessão de eventos, a qual constitui a cadeia epidemiológica.
A cadeia epidemiológica é um sistema cíclico por meio do qual um agente etiológico é eliminado de um hospedeiro, é transferido ao ambiente e atinge um novo hospedeiro, no qual ele penetra, evolui e do qual é novamente eliminado.
O conhecimento da cadeia epidemiológica é de fundamental importância para que se possa saber onde e como actuar, de forma a interrompê-la e impedir que a doença persista.
A cadeia epidemiológica é composta por:
-            Fonte de infecção
-            Via de eliminação
-            Meio de transmissão
-            Porta de entrada
1- Fonte de infecção
É um organismo vertebrado, no qual o agente infectante pode desenvolver-se ou multiplicar-se e do qual pode ganhar acesso ao exterior.
Alguns autores mencionam como fonte de infecção elementos inertes, tais como leite, água, solo etc. Tal conceito talvez possa até ser correcto no caso de bactérias, fungos e parasitas, desde que aqueles elementos forneçam as condições necessárias para seu desenvolvimento. Já os vírus, por serem parasitas obrigatórios, requerem uma célula viva para sua replicação. Portanto, os elementos inertes servem puramente como veículo mecânico, transmitindo o vírus de uma fonte de infecção a um hospedeiro susceptível. De qualquer maneira, para facilitar a conceituação, aqui serão considerados como fontes de infecção apenas os vertebrados.
Três elementos podem actuar como fonte de infecção:
-            Doente
-            Portador
-            Reservatório
Doente
É a fonte de infecção mais comum. É o indivíduo que apresenta os sintomas da enfermidade, sintomas esses devidos ao agente etiológico que albergam. De acordo com a manifestação desses sintomas, os doentes podem ser classificados em:
-            Doente típico
-            Doente atípico
-            Doente em fase prodrômica
Doente típico
É aquele que manifesta a sintomatologia característica da enfermidade. É, provavelmente, a fonte de infecção cujo combate causa menos problemas, pois a sintomatologia característica facilita o reconhecimento da enfermidade, permitindo assim pronta acção profilática.
Doente atípico
É aquele que apresenta sintomatologia diferente da que caracteriza a doença. Isso pode dever-se à benignidade da infecção, como, por exemplo, nas formas subclínicas, ou por sua excessiva malignidade.
Nesses casos, o diagnóstico é dificultado, podendo retardar significativamente a adopção de medidas profiláticas.
Doente em fase prodrômica
É aquele que apresenta uma sintomatologia inespecífica, no estágio inicial da doença. Durante esse período o doente pode eliminar o agente etiológico para o meio exterior, actuando como fonte de infecção.
Portador
É o hospedeiro que mantém em seu organismo um agente etiológico, sem apresentar sintoma devido a esse agente.
Existem três tipos de portadores:
-            Portador são
-            Portador em incubação
-            Portador convalescente
Portador são
É aquele que não apresenta os sintomas da enfermidade em nenhum momento do processo infeccioso, devido a resistência natural ou imunidade adquirida. O portador são apresenta grande importância do ponto de vista epidemiológico, pois, além de dificultar o diagnóstico, circula livremente entre a população.
Ex.: macho bovino com tricomonose.
Portador em incubação
É aquele que ainda não apresenta os sintomas da enfermidade, que se encontra em fase de incubação, mas já elimina o agente etiológico. Após o período de incubação, o hospedeiro apresentará os sintomas da doença considerada.
Portador convalescente
É aquele que já não apresenta os sintomas da doença, por ter havido cura clínica, mas continua eliminando o agente etiológico. Como exemplos podem ser citados os casos da leptospirose, da febre aftosa etc.
Reservatório
É um hospedeiro vertebrado, de espécie diferente da considerada, no qual o agente etiológico se instala, multiplica-se e é eliminado para o ambiente.
Como exemplos, podem ser citados o tatu em relação ao Trypanosoma cruzi, a capivara em relação ao T. equinum e os suínos em relação ao vírus da doença de Aujeszky.
VIA DE ELIMINAÇÃO
É a via por meio da qual o agente etiológico tem acesso ao meio exterior, ou seja, é eliminado de uma fonte de infecção.
Embora o agente etiológico possa ser eliminado por diversas vias, normalmente uma é mais importante, tendo maior significado no estudo epidemiológico.
O conhecimento da via de eliminação do agente etiológico é de fundamental importância, pois está associada ao mecanismo de transmissão da enfermidade.
As vias de eliminação estão na dependência do local de multiplicação do agente etiológico. Um agente que produz lesões entéricas terá como via de eliminação mais importante as fezes. Uma enfermidade que produza lesões no trato respiratório terá como principal via de eliminação as secreções oronasais.
Os fatos epidemiológicos seguem uma concatenação lógica. Assim sendo, a eliminação fecal somente será epidemiologicamente importante quando se tratar de agente capaz de sobreviver por tempo suficientemente longo às condições adversas do meio exterior. Por outro lado, agentes frágeis, como certas riquétsias ou vírus, só têm probabilidade de se propagar quando retirados directamente com o sangue e preservados no organismo do artrópode transmissor. Dentre as vias de eliminação podemos citar:
Secreções oronasais e expectorações
Ex.: Garrotilho, tuberculose, raiva, febre aftosa, gripe.
Excreções
Fezes - salmonelose, eimeriose, verminoses, poliomielite, amebiose, esquistossomose Urina - leptospirose, estefanurose, Dioctophyme renale.
Leite
Ex.: mamite, tuberculose, brucelose.
Sangue
Ex: Anemia infecciosa equina, babesiose, anaplasmose, malária, doença de Chagas, febre amarela.
Exsudatos e descargas purulentas
Uretrais – blenorragia
Vaginais - brucelose, vibriose, tricomonose
Placenta
Ex.: brucelose, sífilis
Descamações epiteliais
Ex.: sarna, micoses superficiais
Órgãos internos (cadáver) Ex: hidatidose
Sêmen
Ex.: brucelose suína
Meio de transmissão
É o conjunto de veículos, animados ou inanimados, por meio dos quais se dá a transmissão de um agente desde uma fonte de infecção até um hospedeiro susceptível.
O meio exterior é geralmente desfavorável aos agentes etiológicos. Por outro lado, há casos em que a permanência no meio exterior é necessária para que se complete o ciclo vital, como, por exemplo, nas verminoses. Portanto, o factor tempo exigido pelo meio de transmissão é fundamental. Os meios que demandam longa exposição ao meio exterior não servem para agentes que não sobrevivem por esse tempo.
A transmissão pode se dar por contacto directo ou por contacto indirecto.
Contacto directo
O contacto directo se dá quando ocorre contacto físico entre a fonte de infecção e o hospedeiro susceptível e há transferência de material infectante.
Ex.: cópula - tricomonose, campilobacteriose mordedura – raiva beijo – sífilis
Contacto indirecto
Pressupõe a existência de um espaço entre a fonte de infecção e o novo hospedeiro, e a transferência do agente etiológico se dá por intermédio de um veículo, animado ou inanimado.
Ar
Pode ser importante no caso de agentes expelidos com as secreções nasofaríngeas. A transmissão pelo ar se dá por meio de aerossóis ou de poeira.
Aerossóis
Os aerossóis resultam da nebulização de secreções oronasais, em decorrência da emissão explosiva do ar. Há dois tipos de aerossóis: gotículas de Flügge - possuem um diâmetro superior a 0,1 mm; e núcleos infecciosos ou núcleos goticulares de Wells - possuem um diâmetro de 0,01 a 0,001 mm.
Poeira
Agentes com relativa resistência ao ambiente resistem à dessecação e são ressuspensos no ar atmosférico devido a movimentação, no caso de vento, varredura etc.
Alimentos e água
A água é de grande importância, devido às inúmeras oportunidades de poluição e contaminação por microrganismos patogénicos. É o principal meio de transmissão das doenças entéricas
Os alimentos também constituem importante meio de transmissão. A contaminação dos alimentos pode ocorrer por manipulação inadequada ou na sua origem, como ocorre com o leite proveniente de animal com brucelose ou tuberculose.
Solo
Adquire particular importância quando nele o agente infectante realiza parte do ciclo evolutivo. É o caso das verminoses.
Pode ainda actuar na transmissão de diversas doenças, tais como tétano, carbúnculo sintomático, carbúnculo hemático etc.
Hospedeiro intercalado
É um invertebrado que não participa activamente na transmissão, mas que pode ser indispensável para o ciclo evolutivo do agente ou pode desempenhar importante papel na sua protecção durante a permanência no meio exterior. Ex.: caracóis Lymnaea no caso da fasciolose.
Vector
É um organismo vivo, invertebrado, geralmente um artrópode hematófago, e que veicula o agente etiológico. Fornece ao agente condições para sua multiplicação ou para sua protecção. Difere do hospedeiro intercalado porque participa activamente no processo de transmissão. O vector pode ser mecânico ou biológico.
Vector mecânico
Apenas transporta mecanicamente o agente etiológico, sem que em seu corpo ocorra alguma modificação desse agente.
O vector pode transportar o agente em suas patas ou probóscida ou pode ainda haver passagem do agente pelo trato intestinal, sem que ocorra multiplicação ou desenvolvimento do agente. Ex.: mosca doméstica - actua no transporte mecânico de germes com que se contaminou ao pousar em materiais infectantes. Outro exemplo é o caso dos tabanídeos, que actuam na transmissão do vírus da anemia infecciosa equina.
Vector biológico
É aquele em que é necessária a multiplicação ou o desenvolvimento do agente etiológico para que possa transmitir a enfermidade.
O vector biológico encarrega-se de retirar o agente da fonte de infecção, oferece-lhe protecção e geralmente o conduz a outro hospedeiro.
A transmissão pode se dar pela saliva, durante a picada, pela regurgitação ou pela deposição, na pele, de agentes capazes de penetrar através do ferimento causado pela picada ou outra lesão.
Ex.: Boophilus microplus - babesiose, anaplasmose Barbeiro - doença de Chagas
Fômites
São objectos que podem eventualmente levar o agente etiológico da fonte de infecção até o hospedeiro susceptível. Diferentes objectos podem actuar como fômites, tais como raspadeiras, arreios, baldes, seringas, agulhas, instrumentos cirúrgicos etc. Como exemplo, pode ser citada a transmissão da anemia infecciosa equina por meio de agulhas.
Outros meios de transmissão
Produtos de origem animal não comestíveis, tais como couro, lã, penas etc., também podem actuar na transmissão de agentes etiológicos.
Produtos imunizantes, tais como soros e vacinas, também podem veicular agentes patogénicos. Existe o relato de um surto de febre aftosa nos EUA no qual o agente foi transmitido por vacina contra varíola proveniente do Japão.
Os meios de transporte também podem auxiliar na difusão de um agente etiológico.
Outro elemento que pode participar na difusão de um agente etiológico é o comunicante, ou contacto, que é o indivíduo que esteve em tal associação com uma fonte de infecção ou com um ambiente contaminado a ponto de ter tido a oportunidade de contrair a infecção.
Porta de entrada
É a via por meio da qual o agente etiológico consegue penetrar em um novo hospedeiro. A porta de entrada está associada ao meio de transmissão
Mucosas
Trato respiratório - transmissão por gotículas, poeira
Trato digestório - alimentos, água
Aparelho geniturinário - contacto directo
Conjuntiva - vectores, gotículas
Ducto galactóforo - solo, fômites
Pele
A penetração através da pele pode se dar por contacto directo, no caso de mordedura, por vectores, solo, fômites etc.
INFECÇÃO COMUNITÁRIA
 “É a infecção constatada ou em incubação no ato de admissão do paciente, desde que não relacionada com internação anterior no mesmo hospital”. São também comunitárias:
·         As infecções associadas a complicações ou extensão da infecção já presente na admissão, a menos que haja troca de microrganismos ou sinais/ sintomas fortemente sugestivos da aquisição de nova infecção.
·         Infecção em recém-nascido, cuja aquisição por via transplacentária é conhecida ou foi comprovada e que se tornou evidente logo após o nascimento (ex: Herpes simples, toxoplasmose, rubéola, citomegalovirose, sífilis e AIDS).
Tratamento das infecções comunitárias e relacionadas à assistência à saúde
Comunitárias - infecções adquiridas na comunidade
A escolha de um antimicrobiano adequado para o tratamento de uma infecção deve levar em conta alguns aspectos: eficácia, potencial para desenvolvimento de resistência, presença de efeitos colaterais, custo do tratamento e aderência do paciente.
Este último aspecto é muito importante no tratamento das infecções comunitárias.
Diagnóstico
O primeiro ponto a ser considerado na escolha do antimicrobiano nas infecções de partes moles consiste em determinar se foi obtida informação suficiente para se fazer diagnóstico presuntivo para que seja instituída uma terapêutica empírica eficaz.
O diagnóstico diferencial deve ser produto de uma boa história clínica e de um exame clínico minucioso. A terapêutica empírica no tratamento de infecções de partes moles adquiridas na comunidade será a regra, em vez da excepção.
A colecta de material, para a realização de Gram e cultura de uma lesão de partes moles, preferencialmente por punção, deve ser feita nos quadros de maior gravidade, que envolvem sinais e sintomas sistêmicos.
As propriedades farmacológicas de grupos de antimicrobianos diferentes, tais como sua penetração no local da infecção, também são muito importantes. O exemplo mais óbvio está no tratamento de infecções com grande quantidade de secreção e dificuldade de irrigação sangüínea, como ocorre nas lesões de extremidades no diabético (pé diabético). Nestes casos, antimicrobianos da classe dos aminoglicosídeos terão uma atuação limitada pelo pH ácido no local da infecção.
Para o tratamento das infecções de partes moles adquiridas na comunidade onde raramente são encontrados estafilococos resistentes à oxacilina, as cefalosporinas de primeira geração são boas opções terapêuticas.
A terapêutica parenteral é muito adequada nos pacientes com infecções graves e nos casos em que é difícil atingir níveis antimicrobianos significativos, como nas infecções graves de partes moles. Nestes casos, se dá preferência à via intravenosa, em vez da intramuscular, porque permite obter níveis mais rápidos e previsíveis. A administração intramuscular está contra-indicada nos pacientes com distúrbios da coagulação.
Em diversos casos, o insucesso do tratamento não se deve ao insucesso da terapêutica antimicrobiana. Os pacientes com grandes abscessos de partes moles podem não responder à terapêutica antimicrobiana, a menos que o local seja drenado de maneira adequada.



CONCLUSÃO
Os desafios em controlo de infecção não são novos e possuem uma relação direta com o seu contexto histórico. Enfermeiros e outros profissionais de saúde são frequentemente lembrados da importância da higiene das mãos na prevenção das infecções. Conclui-se esta reflexão com a clareza de que algo tem de ser feito, e rapidamente, pois a questão da emergência dos micro-organismos resistentes é muito séria e complexa. Novos comportamentos devem ser assumidos em detrimento de conceitos que dia a dia são discutidos, avaliados e apresentados à comunidade. A saída para o problema, certamente, não está centralizada em recomendações inatingíveis para a prevenção e o controle das infecções hospitalares e para a disseminação dos micro-organismos multirresistentes, mas, sim, no somatório de cada atitude profissional realizada de forma consciente, participativa e responsável.



BIBLIOGRAFIA

Luis Antonio Mathias: Epidemiologia. Jaboticabal, 2014. (p35 – 43)