O TRÁFICO DE ESCRAVOS EM ANGOLA
O tráfico de escravo em Angola
O
tráfico de escravos era uma das formas de comércio, altamente lucrativa, já
exercida pelos mercadores fenícios. Nas sociedades mediterrâneas grega e
romana, os escravos constituíam um importante “artigo” comercial. Os indivíduos
eram capturados em incursões noutros territórios, nas guerras ou vendidos pela
aristocracia tribal. Os seres humanos, incluindo crianças, eram negociados nos
mercados como animais ou qualquer outra mercadoria. Em alguns centros de
comércio havia mercados especiais de escravos.
Alguns
senhores feudais costumavam pagar parte dos seus impostos anuais através da
oferta de escravos e tinham igualmente o hábito de os utilizar como ofertas ao
soberano ou aos governadores provinciais. Contudo, o escravo nem sempre era uma
“coisa” como estava instituído na lei romana, mas sim uma pessoa com direitos e
deveres definidos no estatuto do escravo.
Na
China, já no I milénio a.C., os escravos tornaram-se um importante objecto de
trocas comerciais. Por vezes, o valor dum escravo era inferior ao dum cavalo ou
duma junta de bois; cinco escravos custavam tanto como um cavalo; o valor dum
escravo equivalia a 20 novelos de seda. No milénio seguinte, eram organizadas
expedições aos países dos mares do sul para a captura de escravos, pois o
tráfico de escravos ocupava já um importante lugar no comércio externo. Havia
um constante mercado de escravos em quase todas as cidades, onde eram
negociados como qualquer mercadoria corrente. Eram colocados em cercados
juntamente com o gado e aí contados como se tratasse de gado de trabalho.
Grupos de escravos acorrentados eram enviados pelos traficantes para centenas
de quilómetros de distância.
No
I milénio d.C., árabes e beberes entregaram-se a um tráfico de escravos na
costa Oriental de África e através do Sara, que perdurou até ao século XIX. Os
comerciantes muçulmanos dispunham de grandes mercados de escravos
além-fronteiras: na Europa Central e de Leste, na Ásia Central, nas estepes
situadas na orla das florestas africanas. Durante os períodos de conquistas, as
guerras permitiam a captura de muitos prisioneiros o que facilitava o negócio
do tráfico de escravos e o tornava muito lucrativo. O tráfico de escravos
prosperou devido à expansão do Islão e do crescimento das relações comerciais.
Na Arábia, século XVI, o tráfico de escravos era um negócio importante e
florescente. Os escravos eram importados de África e destinados ao trabalho
manual pesado como a extracção de pedra e a construção civil, serviços
domésticos, etc. Os tributos, que serviam para alimentar as finanças reais,
eram pagos com frequência pelo tráfico de escravos. Muitas tribos nómadas desempenharam
um papel importante no comércio de escravos a longa distância.
Entre
as mercadorias negociadas no norte de África por genoveses, venezianos,
espanhóis e portugueses contavam-se os escravos. Para os mercadores dos países
marítimos da Europa Ocidental o tráfico de escravos tornou-se a mais lucrativa
das empresas, que movia muitos interessados, tornando-se difícil o monopólio. A
sua captura era em geral tarefa para os chefes africanos. Os proprietários de
navios ou os seus fretadores compravam os negros no melhor mercado e
transportavam-nos para a América em condições tais que muitos morriam na
viagem. Os navios estavam munidos com um equipamento especial para armazenar a
carga humana.
As
feitorias, espalhadas pela África Ocidental, serviam de pontos de contacto que
permitiam uma rotação mais rápida das frotas, pois os carregamentos de negros
já aguardavam aí e chegada dos navios. O comércio de escravos concentrou-se nos
grandes portos, particularmente nos que eram considerados livres.
A
escravatura praticava-se em África muito antes de 1500. O tráfico de escravos
era praticado paralelamente com uma contínua escravatura interna. Entre os
africanos havia escravos de “família “ ou de “guerra”, variando de região para
região o modo como eram explorados. Após esse ano, o tráfico de escravos é
agravado por uma nova dimensão intercontinental: o transporte para as Américas
com a sua impressionante história e consequências ainda não completamente
avaliadas. O tráfico era quase sempre organizado através de “contratos” entre
parceiros comerciais europeus e africanos. O recrutamento era confiado a
“contratadores”, que adquiriam este direito mediante o pagamento de licenças.
Os europeus não se envolviam directamente na caça aos escravos e preferiam
comprá-los aos africanos que se encarregavam de os capturar. Os mercadores
europeus permaneciam junto à costa onde os seus parceiros comerciais acorriam
para entregar de escravos capturados em guerras ou em ataques organizados, em
troca dos mais variados objectos, em geral de pouco valor. O grande
desenvolvimento do tráfico de escravos negros, na segunda metade do século XVI,
foi impelido pela necessidade mão-de-obra para as plantações tropicais
americanas principalmente de cana-de-açúcar e de algodão.
No
continente africano, a escravatura desencadeou uma gigantesca movimentação de
populações. É de salientar as perniciosas consequências sociais e económicas
deste tráfico que privou as populações dos seus membros mais vigorosos e
dinâmicos, paralisou o desenvolvimento da actividade produtiva. A procura dum
refúgio seguro e a instabilidade verificada entre as populações causou diversos
movimentos migratórios a uma escala variável com o tempo e o lugar. Foi, além
disso, a maior migração forçada intercontinental de sempre. Tornaram-se
destrutivos os efeitos dum círculo vicioso de trocas comerciais, armas de fogo
por escravos, e escravos por armas de fogo que seriam usadas na captura de mais
escravos e, assim por diante, indefinidamente. Muitos povos ocupam os seus
actuais territórios em consequência das deslocações provocadas pelo tráfico de
escravos. Desapareceram dos povoados os indivíduos mais jovens, mais vigorosos
e sãos. Tratando-se de populações essencialmente agrícolas, a produção e a
acumulação de bens alimentares mergulharam num caos generalizado, que destruiu
o processo produtivo. O tráfico de escravos instalou a guerra entre as tribos e
a violência no interior das próprias tribos. Os chefes do litoral passaram a
ver os seus súbditos como uma mercadoria e a guerrearem-se uns aos outros para
venderem os seus compatriotas. Os povos africanos eram impotentes perante as
armas de fogo dos negreiros europeus. As revoltas eram frequentes, mas
selvaticamente reprimidas. É difícil de estimar a amplidão deste tráfico que se
manteve durante séculos a uma cadência acelerada.
Portugal
conheceu o regime de escravidão através das relações de comércio com mercadores
árabes e a transformação dos mouros vencidos na guerra em cativos ou servos.
Era comum a troca de prisioneiros mouros por escravos de pele escura, em
proporção favorável em quantidade aos portugueses. O apoio da Igreja garantia a
exploração tranquila de mão-de-obra escrava em projectos de produção agrícola
para exportação, como meio de compensar as despesas com as navegações. Por volta
do ano de 1460, começa a era do tráfico de escravos organizado através de
acordos directos com os régulos da África Negra, a nível de Estado para Estado.
O tráfico de escravos africanos adquiria um carácter de aquisição de força de
trabalho em massa para fins de produção e de comercialização através dum novo
entreposto africano de compra de escravos e ouro, a Fortaleza de S. Jorge da
Mina. O tráfico de escravos africanos, já em moldes comerciais, tornou-se uma
fonte de lucros. Com os descobrimentos marítimos, em breve os portugueses se
aperceberam de que havia muito a ganhar se, juntamente com outras mercadorias,
levassem também escravos, tanto mais que a tentativa de atingir as regiões
auríferas não correspondeu às suas expectativas. O comércio de escravos
tornou-se rapidamente a principal fonte de lucro. Os pontos de tráfico
estendiam-se a toda a costa africana e fazia-se mesmo duma região para outra.
Em
Portugal, e depois no Brasil, um tipo especial de exploração de trabalho
escravo consistiu no aluguer dos serviços dos escravos a terceiros. Esta
sublocação revela a existência dum factor económico pouco estudado, mas que
pode explicar a extensão do uso do trabalho escravo mesmo por parte de pessoas
de reduzidas posses. Outro tipo de exploração caracterizava-se pelo exercício
do comércio ambulante ao serviço dos seus proprietários. A instituição de
“negros de ganho” criou a possibilidade de investir economias na compra dum ou
mais escravos com o objectivo de explorar comercialmente o seu trabalho e generalizou
o emprego de negros cativos em funções destinadas a completar a renda
financeira. A queda do preço dos escravos africanos deixava à gente de posses
médias a opção de se fazer servir por escravos e às grandes famílias a
possibilidade de se darem ao luxo de contratarem trabalhadores livres para uso
doméstico.