DOMINAÇÃO E REPRODUÇÃO NA ESCOLA

Introdução

O presente trabalho é uma leitura da obra de Pierre Bourdieu e de Max Weber sobre as formas de legitimação do poder. O texto de que parto é intitulado “Dominação e Reprodução na Escola na Visão de Pierre Bourdieu”; Buscaremos no decorrer do texto esclarecer as ideias do autor, segundo a nossa compreensão, trazendo exemplos históricos, sociológicos e literários que demonstrem a observação "empírica" dos conceitos apresentados.
Pierre Bourdieu, sociólogo francês (1930-2002), fundamenta seu pensamento pela grandeinfluência de Max Weber e Durkheim1. Foi um dos primeiros sociólogos europeus com análisevoltada à sociologia da educação e da cultura que marcaram gerações de intelectuais e de grandenotoriedade nacional e internacional. Dedicou-se à pesquisa das sociedades contemporâneas e dasrelações sociais que mantêm os diferentes grupos sociais tendo o sistema de ensino como instituiçãoque permite a reprodução da cultura dominante.

O trajecto intelectual de Bourdieu possibilita uma análise aprofundada no âmbito escolar esuas relações sociais, através da percepção de sua função ideológica, política e legitimadora de umaordem arbitrária em que se funda o sistema de dominação vigente nestas instituições. Bourdieuposiciona-se contra todas as formas de dominação e de mascaramento da realidade social. Bourdieu,no livro “A Reprodução”, deu especial atenção ao funcionamento do sistema escolar francês que,ao invés de transformar a sociedade e permitir a ascensão social, ratifica e reproduz asdesigualdades.























1David Émile Durkheim (1858-1917) sociólogo francês considerado o fundador da sociologia moderna. (OLIVEIRA, 2000, p.227)
1.    ABORDAGEM TEÓRICA SOBRE DOMINAÇÃO E REPRODUÇÃO NA ESCOLA: NA VISÃO DE PIERRE BOURDIEU

A partir dos estudos, Bourdieu acentua que no interior de uma sociedade de classes existemdiferenças culturais e por sua vez as classes burguesas possuem um determinado património culturalconstituído de normas de falar, forma de conduta, de valores, etc. Já as classes trabalhadoraspossuem outras características culturais que lhes têm permitido sua manutenção enquanto classes.A escola, por sua vez, ignora estas diferenças sócio-culturais, selecionando e privilegiandoem sua teoria e prática as manifestações e os valores culturais das classes dominantes. Com essaatitude, a escola favorece aquelas crianças e jovens que já dominam este aparato cultural. Destaforma a escola, para este sujeito, é considerada uma continuidade da família e da sua prática social,enquanto os filhos das classes trabalhadoras precisam assimilar a concepção de mundo dominante.

Os autores Bourdieu e Passeron2desenvolveram a “teoria da reprodução” baseada noconceito de violência simbólica. Para estes autores, toda ação pedagógica é objectivamente umaviolência simbólica enquanto imposição de um poder arbitrário. A arbitrariedade constitui-se naapresentação da cultura dominante como cultura geral. O “poder arbitrário” é baseado na divisão dasociedade em classes. A acção pedagógica tende à reprodução cultural e social simultaneamente.

Para os filhos das classes trabalhadoras, a escola representa uma ruptura no que refere aosvalores e saberes de sua prática, que são desprezados, ignorados e desconstruídos na sua inserçãocultural, ou seja, necessitam aprender novos padrões ou modelos de cultura. Dentro dessa lógica, éevidente que para os alunos filhos das classes dominantes alcançar o sucesso escolar torna-se bemmais fácil do que para aqueles que têm que desaprender uma cultura para aprender um novo jeito depensar, falar, movimentar-se, enfim, enxergar o mundo, inserir neste processo para se tornar umsujeito activo nesta sociedade.

No contexto das instituições de ensino, também se apresenta a dificuldade em definirviolência escolar. Por um lado, segundo Bourdieu e Passeron (1975), existe uma violência inerentee inevitável, a violência da educação, já que, para eles, toda acção pedagógica é uma forma deviolência simbólica, pois reproduz a cultura dominante, suas significações e convenções, impondoum modelo de socialização que favorece a reprodução da estrutura das relações de poder.A definição de Bourdieu sobre a situação de “ violência simbólica”, ou seja, o desprezo dacultura popular e a interiorização da expressão cultural de um grupo mais poderosoeconomicamente ou politicamente por outro lado dominado, faz com que esses percam sua identidadepessoal e suas referências, tornando-se assim fracos, inseguros e mais sujeitos à dominação quesofrem na própria sociedade.



2Com a obra: A reprodução. Elementos para uma teoria do sistema de ensino.
O caráter simbólico da violência centra-se nas características fundamentais da estrutura declasses da sociedade capitalista, decorrente da divisão social do trabalho, baseada na apropriaçãodiferencial dos meios de produção. O autor analisa que o processo educacional apresenta doismecanismos destinados à consolidação da sociedade capitalista: a reprodução da cultura e areprodução das estruturas de classes. O primeiro dos mecanismos se manifesta no mundo das“representações simbólicas ou ideologia”, e o outro atua na própria realidade social.

O sociólogo brasileiro Sérgio Miceli autor da selecção e organização do material de Bourdieuno livro: A economia das trocas simbólicas, em sua introdução crítica e encaminha diversosaspectos da obra do autor:

Para Bourdieu, a organização do mundo e a fixação de um consenso a seu respeito constituiuma função lógica necessária que permite à cultura dominante numa dada formação socialcumprir sua função político-ideológica de legitimar e sancionar um determinado regime dedominação. (MICELI, 2001, p.XVI). Entretanto, estão intimamente interligadas, uma vez que no sistema educacional adominação e a reprodução das relações sociais são evidentes. Para que essa reprodução estejatotalmente assegurada, não basta que sejam reproduzidas apenas as relações fatuais de trabalho erelações de classe que os homens estabelecem entre si, precisam também ser reproduzidas asrepresentações simbólicas, ou seja, as idéias que os homens fazem dessas relações. Sendo assim,Bourdieu menciona a reprodução cultural e a reprodução social:

[...] o sistema escolar cumpre uma função de legitimação cada vez mais necessária àperpetuação da “ordem social” uma vez que a evolução das relações de força entre asclasses tende a excluir de modo mais completo a imposição de uma hierarquia fundada naafirmação bruta e brutal das relações de força. (BOURDIEU, 2001, p.311)

A consolidação da violência simbólica permite que a escola não exerça necessariamente aviolência física, mas sim a violência mediante forças simbólicas, ou seja, pela doutrinação edominação, que força as pessoas a pensarem e a agirem de tal forma que não percebem quelegitimam com isso a ordem vigente.Desse modo, o sistema educacional consegue reproduzir por meio de uma violênciasimbólica as relações de dominação, ou seja, a estrutura de classes, reproduzindo de maneiradiferenciada a ideologia da classe dominante. Assim, Bourdieu considera o processo educativo umaacção coercitiva, definindo a acção pedagógica como um acto de violência, de força. Neste acto sãoimpostos aos educandos sistemas de pensamento diferenciais que criam nos mesmos hábitosdiferenciais, ou seja, predisposições para agirem segundo um certo código de normas e valores queos caracteriza como pertencentes a um certo grupo ou uma classe.

Bourdieu (1975) afirma que o habitus consiste em um sistema de disposições duradouras etransferíveis, estruturadas e predispostas a funcionar como estruturantes, ou seja, como princípiosgeradores e organizadores de práticas e de representações que podem estar objetivamente adaptadasao seu fim, sem supor a busca consciente de fins e o domínio expresso das operações necessáriaspara alcançá-los objetivamente ‘reguladas’ e ‘regulares’, sem ser o produto da obediência a regras e,ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas sem ser produto da ação organizada de um diretor deorquestra.Dessa maneira, para Bourdieu, o sistema educacional não reproduz estritamente aconfiguração de classes, como fazia o anterior, mas consegue, impondo o habitus da classedominante, cooptar membros isolados das classes. Esses membros, tendo familiarizado os esquemase rituais da classe dominante, defendem e impõem de maneira mais radical à classe dominada ossistemas de pensamentos que a fazem aceitar sua sujeição à dominação. Assim, na obra: AEconomia das trocas simbólicas a questão do habitus cultivado aponta:

Enquanto força formadora de hábitos, a escola propicia aos que se encontram directa ouindirectamente submetidos à sua influência, não tanto esquemas de pensamento particularese particularizados, mas uma disposição geral geradora de esquemas particulares capazes deserem aplicados em campos diferentes do pensamento e da acção aos quais pode-se dar onome de habitus cultivado. (BOURDIEU, 2001, p.211)

Bourdieu assinala ainda que, além de promover aqueles que segundo seus padrões emecanismos de seleção demonstram-se aptos a participarem dos privilégios e do uso do poder, osistema educacional cria, sob uma aparência de neutralidade, os sistemas de pensamento quelegitimam a exclusão dos não privilegiados, convencendo-os a se submeterem à dominação, semque percebam o que fazem. De modo geral a exclusão é imputada à falta de habilidades ecapacidades, ao mau desempenho e outros. Dessa forma, a escola cumpre, simultaneamente, suafunção de reprodução cultural e social, qual seja, a de reproduzir as relações sociais de produção dasociedade capitalista.

A Sociologia da Educação de Bourdieu se notabiliza pela diminuição que promove do peso do fator económico comparativamente ao cultural na explicação das desigualdades escolares.Ressalta que o sistema escolar não reproduz diretamente a economia familiar. Não se pode falar,portanto, de uma reprodução simples ou ampliada, mas que aeducação reproduz as relações entre areprodução social e a cultural contribuindo, o sistema educativo, à reprodução da estrutura dasrelações de poder e das relações simbólicas entre as classes que participam da reprodução daestrutura da distribuição do capital cultural entre as classes.Neste sentido, principalmente a escola pública, justamente por atender a populaçãotrabalhadora, que depende da sua contribuição, exerce de forma mais concreta a violênciasimbólica. Bourdieu, nos Escritos de educação3, relata sua experiência com alunos dos liceus comuma classificação de excluídos do interior do processo educacional, referindo-se a um “mal-estardos subúrbios“, resultado do aflorar das contradições sociais:


3BOURDIEU, PierreA Escola conservadoraas desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio (orgs). Escritos de educação. Petrópolis, Vozes, 1998.
[…] no funcionamento de uma instituição escolar que, sem dúvida, nunca exerceu um papeltão importante e para uma parcela tão importante da
sociedade como hoje, essa contradiçãotem a ver com uma ordem social que tende cada vez mais a dar tudo a todo mundo,especialmente em matéria de consumo de bens materiais ou simbólicas, ou mesmopolíticas, mas sob as espécies fictícias da aparência do simulacro ou da imitação, como sefosse esse o único meio de reserva para uns a posse real e legítima desses bens exclusivos.(BOURDIEU, 1998, p.225)

Ao reconhecer que as contradições sociais desempenham essa função, Bourdieu abre apossibilidade de uma crítica das mesmas contradições se o ponto de referência for a escolabrasileira, pode-se criticar realmente a escola pública brasileira existente, mas tem-se excelentesmotivos para dedicar o melhor dos esforços e convertê-la numa causa ampla e democrática aserviço da educação. Reconhecer, portanto, que é a partir da escola que está aí, em vez dedescartá-la como verdadeiro espelho embaçado do projeto hegemônico das classes dominantes, éque se pretende vincular e acreditar na idéia do alicerce de uma boa escola – uma escola de qualidade, democrática, universal, pública e gratuita, ou seja, uma escola pública brasileira que acredita na transformação social.

Neste contexto apresentam-se as escolas públicas do Paraná, que enfrentam o problema daviolência com imposição de regras de disciplina aos alunos, a autoridade dos professores e demaisprofissionais da educação que recorrem a polícia na maioria dos factos ocorridos no interior daescola. As crianças das classes trabalhadoras sofrem um “bombardeio” bem maior ao entrarem naescola do que aquelas que vêm dos lares mais privilegiados; na realidade as primeiras têm aimpressão de estarem em um ambiente cultural desconhecido.

A violência simbólica e física perpassa o contexto escolar de forma sutil e de difícilpercepção pelos próprios executores das ações realizadas, gerando um ambiente de tensão cotidiana.No campo educacional, a violência simbólica passa despercebida: a violência dasomissões e dodiscurso hegemônico; a violência física, que assume evidência, exige um professor voltado àsatitudes autoritárias e obsessivo pela disciplina no interior da sala de aula.

Se aplicada à escola brasileira, a violência física, nas suas várias formas, toma a visibilidadee questiona a autoridade do professor que, não conseguindo resolver os problemas por si, recorre apolícia.A segurança referenda a ordem dominante e produz uma situação de submissão pelo medo.Os professores buscam na polícia a solução para uma situação que deveriam resolver com medidaseducacionais. A polícia, formada para reprimir e não para educar, insere-se em um contexto que nãoé o seu e gera uma situação nova e incontrolável no âmbito da escola, porque a violência da acçãopolicial produz novas situações de revolta e violência, num círculo incontrolável.

Pode-se atribuir à escola brasileira a reflexão de Bourdieu segundo a qual:

Se considerarmos seriamente as desigualdades socialmente condicionadas diante da escolae da cultura, somos obrigados a concluir que a equidade formal à qual obedece todo osistema escolar é injusta de facto, e que, em toda sociedade onde se proclama ideaisdemocráticos, ela protege melhor os privilégios do que a transmissão aberta dos privilégios.(BOURDIEU, 1998 p.53).

A esta situação acrescenta-se o facto que a intervenção da polícia na ordem escolar não sódemonstra que a equidade formal inexiste como evidencia as relações de dominação que permeiamo processo educacional: a dominação simbólica já não cumpre sua função e toma o seu lugar aviolência explícita.

Associando a leitura de Bourdieu com as análises de Weber sobre o monopólio do uso daforça pelo Estado, a intervenção policial justifica-se legalmente e é legitimada pela ordem jurídica,mas realmente agrava a situação de violência contra as classes trabalhadoras. A relação entreBourdieu e Weber é lembrada por Miceli:

E mesmo a noção genérica que Bourdieu possui a respeito do poder lembra de perto adefinição weberiana segundo a qual a violência e a força constituem a última ratio dosistema de dominação. o que não impede a ênfase concedida por ambos à problematizaçãodo simbolismos de que se reveste toda e qualquer dominação. Assim, deixam em suspensoa questão dos aparelhos diretamente repressivos em que se apresenta uma determinadaforma de dominação em favor dos tipos de legitimidade que consolidam o circuitopropriamente político entre dominantes e dominados através dos diversos aparelhos deprodução simbólica. (MICELI, 2001, p. LI)

A educação, de certa forma, reproduz as desigualdades que se verificam na sociedade, pormeio de mecanismos de dominação, da burocratização dos sistemas escolares, que se consolida pormeio das políticas públicas. Diante disso, vale retomar um pouco a reflexão sobre o papel doprofessor na sociedade actual: o sistema educacional está formando o professor para exercerefetivamente a função de educador? Partindo do pressuposto de ser a escola uma agênciasocializadora, o professor pode ainda comprometer-se com a educação emancipadora, ou seja,tornar-se sujeito de crítica e transformação, visto que a sociedade atual minimiza os problemas daprofissão, desqualifica a profissão e não dá respaldo para uma efetiva atuação do professor comoeducador.

2.    MAX WEBER – OS TIPOS DE DOMINAÇÃO LEGITIMA
Cabe, porém, ao início uma breve ressalva sobre a sociologia weberiana. Partindo de influências historicistas e de forma a acabar com os embates metodológicos do seu tempo, Max Weber (1864 – 1920), sociólogo, historiador e político alemão, propôs a utilização do tipo ideal, um instrumento de analise em que se conceituam factos puros e com eles se comparam os factos reais, particulares, por meio de aproximações e abstrações.
“Assim, por exemplo, o Estado se apresenta como uma forma de dominação social e política sob vários tipos ideais (dominação carismática, dominação pessoal burocrática, etc.), cabendo ao cientista verificar sob qual tipo encontra-se o caso particular investigado”.
Weber utiliza a noção de conceito puro, que ele considera essencial para as ciências sociais, para estabelecer os modelos de poder, teorizando três como ideais. A partir dos modelos weberianos se torna possível uma série de analogias com os factos sociais de todas as épocas, tornando possível a casuística sociológica.Legitimidade e legalidade são conceitos essenciais para o estudo do poder, neste caso nos interessa a legitimidade, que é sobre o que Weber disserta.
Legitimidade é o fundamento do poder numa determinada sociedade, é o valor que leva as pessoas a aceitarem a obediência a algo, que diz se um comando deve ou não ser obedecido. A legalidade, o enquadramento do poder em um sistema de leis, como veremos a seguir, só se dá na dominação Legal, nas palavras de Bonavides:
legalidade nos sistemas políticos exprime basicamente a observância das leis, isto é, o procedimento da autoridade em consonância estrita com o direito estabelecido. Ou em outras palavras traduz a noção de que todo poder estatal deverá atuar sempre de conformidade com as regras jurídicas vigentes. Em suma, a acomodação do poder que se exerce ao direito que o regula.”
O poder, para Weber, pode legitimar-se de três formas, uma estatuída, uma consuetudinária e outra afetiva, respectivamente as dominações: Legal, Tradicional e Carismática.
2.1.        Dominação Carismática
É aquela devida ao apreço puramente dito, à admiração pessoal ao dominador e a seu carisma, ou seja, suas qualidades, seus poderes. Os tipos mais puros são com o dominador na posição de profeta, herói guerreiro ou demagogo.
É importante distinguir que a origem do poder é intrínseca às qualidades do líder, seus apóstolos não o obedecem por sua posição ou cargo, ou mesmo pela tradição, mas pura e simplesmente por suas qualidades, tendo esse carisma desaparecido assim desaparece também sua dominação.Da mesma forma o carisma é o factor de escolha do corpo administrativo, a administração não é regida por regras estamentais ou estatuídas, as decisões vem do irracional, da decisão pessoal do chefe, e só podem ser substituídas por outra decisão do Líder.
Um dos exemplos da administração puramente regida pela vontade do Líder se deu no período da ascenção dos regimes totalitários, antes de se oficializarem a obediência dos apóstolos se devia apenas ao carisma do líder, foi o que aconteceu na Itália fascista por exemplo. Onde os membros do partido fascista construiram grandes milícias de camisas negras, foram armados por oficias e prestavam cega obediência ao Duce.
Em caso do surgimento de dois líderes, o poder e a legitimidade deste só pode estar de um lado, e esse lado será definido pelo carisma de cada um e pela confiança dos apóstolos.
O poder carismático existiu em todas as épocas da humanidade, subsistindo lado a lado com os estatutos e constituições, em certos casos sobrepondo-os, ou evoluindo para um a legitimação estatuída, caracterizando o poder legal. É o caso do Estrátega Péricles em Atenas, do Duce Mussolini, e do Führer Adolf Hitler, todos esses antes mesmo de serem legalmente instituídos de poder já o tinham por seu carisma.
A análise desses exemplos históricos leva-nos a perceber que a autoridade carismática é em geral de caráter autoritário, despótico, mas caracteriza uma força revolucionária, afinal toda revolução elege seus líderes em geral pelo carisma, por suas qualidades de liderança essenciais à revolução. Aconteceu com Robespierre, Marat e Danton na Revolução Francesa, Oliver Cromwell na Revolução Puritana e Martinho Lutero na Reforma Protestante.
Se o carisma acaba, o poder também acaba, logo o líder tem que demonstrar suas qualidades constantemente, e uma falha nessa prova leva a diminuição de sua autoridade. Isso acontecia, por exemplo, com os sacerdotes egípcios que eram executados se errassem uma previsão meteorológica.
É também comum a esse tipo de autoridade o amotinamento dos dominados, para evitar esse tipo de coisa, o líder deve organizar bem seu corpo administrativo de forma a ter controle sobre possíveis insurgentes que transpareçam grande carisma a ponto de sobrepô-lo, em suma o Líder deve ser sempre bem mais carismático que qualquer um de seus apóstolos.
A Dominação Carismática tende a cessar com a morte do líder, mas existem casos de subsistência continuada, onde o poder passa para um apóstolo, isso se deve a:
·         Transformação da ordem Carismática em ordem Legal ou Tradicional, respectivamente através da criação de leis e acordos de dominação, e quando introduz-se a autoridade ao sucessor pelo legado do precedente.
·         Pela transformação do sentido do carisma, basicamente uma questão de sucessão pela busca de um novo líder carismático, mantendo-se momentaneamente o tipo de dominação, mas buscando qualidades que se adéquem à nova situação, isso se dá:

1.    Pela espera de um novo líder que surja espontaneamente;
2.    Pela procura de indícios do carisma em possíveis sucessores;
3.    Por meio de uma técnica de designação, seja um oráculo ou pela sorte.
4.    Designação carismática, reconhecimento da comunidade, que se dá:

a)    Pelo predecessor, o que pode com o tempo evoluir para uma dominação tradicional ou legal. A escolha de Pedro como sucessor de Jesus pelo próprio líder caracteriza esse tipo de sucessão;
Jesus disse: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no Céu.Por isso Eu te digo: tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder da morte nunca poderá vencê-la. Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu, e o que ligares na Terra será ligado no Céu, e o que desligares na Terra será desligado no Céu» (Mt 16, 17-19)
 b) Pelo reconhecimento imediato da comunidade, o que é diferente de uma eleição, pois não há votação, deve ser uma escolha espontânea, unanime, senão não é válida. Caracteriza mais uma aceitação do que uma escolha, já que os dotes do novo líder o sobrepunha aos demais. Isso ocorreu com a sucessão dos juízes hebreus, durante as sucessivas guerras na palestina.
c) Pela associação do conceito de carisma à hereditariedade, o que também evolui para uma dominação tradicional, já que a legitimidade passa a se basear não na qualidade, mas no sangue, na casa dinástica. O que acontece com o início de dinastias, pois com o prolongamento no tempo de sucessões, a tradição passa a tomar lugar do carisma na aceitação e consolidação do poder.
d) Pelo ritual, ou seja, pela transferência do carisma através de uma prática mágica, puramente ritualística. Assim foi por exemplo a escolha do Rei David: “Samuel pegou na vasilha de óleo e ungiu o rapaz na presença dos irmãos. Desse dia em diante, o espírito de Javé permaneceu sobre David. Depois Samuel voltou para Ramá.” (I Samuelis 16, 13)
e) Pela escolha da comunidade, dessa vez caracterizando realmente uma escolha, e não uma simples aceitação, por vezes se tornando uma dominação legal, já que a legitimidade vem a se basear na eleição, mas de certa forma o povo só iria escolher àquele mais adequado à sua situação, o mais carismático, logo a priori continua sendo um poder carismaticamente legitimado. Nesse caso o líder não deve obediência ao povo, não é por exemplo um parlamentar de uma democracia, o povo o escolheu mas ele age por sua conta, o poder repousa nele.
2.2. Dominação Tradicional
Esse é o segundo tipo de dominação, é o poder da tradição, da ordem social em sua mais pura forma, das instituições que perduram no tempo, sendo a sua forma mais pura o patriarcalismo, nessa dominação quem manda é o Senhor, e quem obedece é o súdito.
 O senhor diferentemente do líder é deificado através do tempo, dos costumes, se o senhor vai de encontro com algum aspecto consuetudinário ele põe em risco sua posição, já que abala a fonte de sua legitimidade, a tradição.
A tradição é talvez a instituição mais forte dentro de uma sociedade, já que é aceita como correcta pela maioria, é geralmente algo incontestável, se sempre foi feito de uma maneira para sempre o será pois ela é corretíssima; não se pode datar o surgimento exato de uma tradição, ela é imemorial, válida desde sempre, por isto sua contestação é difícil. O livro “O Livreiro de Cabul” de Arsne Seierstad, é uma ficção com elementos históricos que fala sobre a cultura e tradição afegãs e aqueles que são oprimidos por irem de encontro a ela, no estrato, "Leila vive um impasse. Entre a lama da sociedade e a poeira das tradições. Ela quer enfrentar um sistema fundamentado em séculos de tradição e que paralisa metade da população.”, percebe-se a força tradicional sobre um Estado na atualidade, algo não incomum em países orientais.
A derrocada do poder tradicional, dá-se com o contacto com novos povos, com a modernização e o surgimento de novos hábitos, que, aos poucos, mitigam a tradição; Mas enquanto permanece no poder, este vai até o limite da tradição, apesar de que as decisões são tomadas por virtude própria do indivíduo, não existe código de leis para determinar sua acção. Por isso, esse tipo de dominação tem sobrevida maior em comunidades isoladas, por exemplo o que acontece na Coréia do Norte; isso não significa dizer que não possa existir em meio a uma sociedade de grande intercâmbio cultural, bastando dos detentores do poder criarem meios de difundir e proteger a tradição.
A estrutura administrativa se baseia na fidelidade, ela é constituída de pessoas próximas ao senhor, pessoas de confiança, familiares, estreitando-se o elo público-privado. Isso é claro nas antigas monarquias europeias da baixa idade média e nos próprios feudos, existia uma família real, uma dinastia, quanto mais próximo, sanguineamente, do senhor, maior seu cargo, indo de príncipe, em caso de primogênitos, infantes, outros filhos, Duque, Marquês, Barão, etc. Sempre em consideração à proximidade pessoal, sendo a vida do senhor impossível de se separar do seu domínio.
Weber distingue, para esse tipo de quadro administrativo, dois tipos distintos:
1.    A estrutura patriarcal: Esse é o tipo em que mais se confunde o público-privado, os funcionários são estritamente dependentes do senhor, muitas vezes pertencentes a ele (escravos), seus direitos não existem fora da personalidade do senhor. A administração é pura extensão do poder senhorial, é heterônoma e heterocéfala, o administrador não tem poder sobre seu cargo, ele pode ser retirado a qualquer momento, é mero instrumento, ele atua em nome de seu senhor. Esse é o tipo mais puro de despotismo, comum aos sultanatos e aos califados.

2.    A estrutura estamental: nesse caso, os funcionários não são, strictu senso, dependentes do senhor, são pessoas mais ou menos ligadas a ele que conquistaram seu cargo, prestando um favor, alcançando grande mérito para o senhor, por acordos, etc. nesse caso seu poder administrativo, sobre o cargo, é limitado porém autocéfalo e autônomo, não depende, diretamente, do senhor.
É importante neste ponto fazer uma ressalva para o tipo mais puro, de acordo com Weber, dessa dominação: o patriarcalismo, a dominação do pai da família, do chefe soberano; como já dito, o quadro administrativo se confunde com o âmbito doméstico do senhor, a família é uma célula tradicional, a agregação primeira de qualquer um, donde a tradição se dissemina. É esse tipo de domínio que os adeptos das teorias da origem familial do Estado identificam como primário, como originador do Estado na história, essas teorias são pouco acreditadas hoje.
Na dominação tradicional, não existe nada, além da própria tradição, para reger a conduta das pessoas, se por um lado o senhor é limitado pela tradição, por outro, naquilo que ela não especifica, ele pode decidir a vontade, de acordo com seus princípios; não existe, nesse caso, direito formal; toda codificação dessa justiça informal do patriarcalismo, se insere no contexto do “Estado-providência”, onde se combinam princípios éticos a princípios utilitários, adequando a lei a casos particulares, caracterizando a jurisprudência, as decisões vão convergindo para o surgimento de um direito formal.
Quanto à forma estamental de dominação tradicional, vale ressaltar que ela é muito próxima da dominação legal, pois, como será visto adiante, o funcionário ele tem certo direito pelo seu cargo, certa garantia “legal”, conferindo aos administradores competências típicas do modelo legal-racional de Weber; a divisão em estamentos foi precursora do Estado europeu moderno, a ausência de direito formal porém a classifica como dominação tradicional.
2.3.        Dominação Legal-racional
Enfim o ultimo e mais moderno tipo de dominação, a legal ou legal-racional, está sendo a forma mais sofisticada, para qual as outras convergem; ela tem sua legitimidade fundada em um estatuto; a forma mais pura é a burocracia; o grupo dominante constitui uma empresa, e é dividido em outras empresas, cada uma com sua competência, limites e funções próprias; é então um sistema, uma unidade de fim, heterônoma e heterotocéfala.
Então a pessoa que está no poder não é mero instrumento do próprio sistema, a regra estatuída dá as diretrizes de como se deve governar, não se obedece a pessoa, e sim o cargo estatuído.
O funcionário é aquele de formação, cuja função é definida por contrato, se por um lado ele tem direitos, por outro tem deveres, e isso cabe a qualquer um que se estabelece sob o estatuto, inclusive o chefe.Tanto o funcionário quanto o chefe agem imparcialmente, sem caprichos pessoais, enquanto está em seu cargo, e em seu turno ele é a personificação do cargo, um profissional; ao fim do mesmo ele é um indivíduo livre, essas duas facetas, a priori, não se misturam.
O Estado moderno faz parte desse tipo de dominação, o governante eleito tem poder legitimado em seu cargo, não em sua pessoa, ao término de seu mandato o poder não muda de lugar, continua no cargo, estabelecido por um estatuto (uma constituição em geral), e outra pessoa assume esse cargo e a responsabilidade sobre o poder. Caracteriza assim o poder institucionalizado, fincado numa estrutura organizada para cumprir determinadas funções do poder independente da vontade daqueles detentores do mesmo, obedecendo normas previamente estabelecidas.
principio da legalidade em seu sentido amplo é uma forma de legitimação das diretrizes emanadas do Estado, uma forma de limitar o arbítrio estatal e garantir a aceitação de seus preceitos. Atrelar legalidade e legitimidade é expressão da dominação Legal-racional própria de um Estado Moderno. A ideia comum de que o Estado, com todos os seus poderes, submete-se à constituição e esta é expressão da vontade popular, ainda é reinante, e por isso exige-se que as prescrições do Estado venham encobertas de uma forma própria e predeterminada formal e materialmente, daí surgem uma série de garantias e obrigações, como expressas no due process of law.
Uma empresa capitalista privada também apresenta características dessa dominação, existe um presidente que comanda um corpo de funcionários na medida estipulada por um regulamento interno ou por leis externas à empresa, os funcionários não tem relação pessoal com o chefe e só devem obediência a ele enquanto funcionário contratado, não como indivíduo.
A burocracia, como já dito, é considerado o tipo mais puro dessa dominação, a tendência das empresas é se burocratizarem, os sistemas burocráticos são o caminho para as acções governamentais, essa classe de funcionários corresponde a um todo, que sustenta a dominação.

O PODER SIMBÓLICO

A obra de Pierre Bourdieu tem-se afirmado ao longo dos últimos 30 anos como uma das mais estimulantes e inovadoras na área das ciências sociais, influenciado numerosas pesquisas sociológicas, antropólicas e históricas em todo mundo. A novidade encontra-se na escolha dos objectos de análise (sociedade tribais, sistemas de ensino, processo de reprodução, critérios de classificação e logicas de distinção), na reorientação do olhar (atento aos fenómenos de percepção social, da produção simbólica e das relações informais de poder.

A posição central do sistema de ensino na reprodução de práticas e de representações é relacionada com a perante igualdade de oportunidades e questionada em função das diferenças, capital económica, social e cultural entre os estudantes nas quais são decisivas nas escolhas dos níveis superiores de formação.

Poder simbólico é um poder da construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem.

Os sistemas simbólicos distinguem-se fundamentalmente conforme são produzidos e, ao mesmo tempo, apropriados pelo conjunto do grupo ou pelo contrário produzido por um grupo de especialistas e, precisamente por um campo de produção e de circulação.












CONCLUSÃO

Nesse contexto, o que se pode perceber é que a escola, o professor e o sistema educativocomo um todo, não se colocam mais no centro como agência socializadora, comoagente damudança. E, finalmente, a própria cultura escolar é vista como mais uma forma de conhecimento,concorrendo com outros meios e tecnologias de produção e de transmissão do saber. Assim, épreciso destacar que as novas tecnologias e as novas metodologias incorporadas ao saber docentemodificaram o papel tradicional do professor, o qual vê hoje que sua prática pedagógica precisaestar sendo sempre (re)avaliada e actualizada.

O sistema educacional consegue reproduzir por meio de uma violência simbólica as relações de dominação, ou seja, a estrutura de classes, reproduzindo de maneira diferenciada a ideologia da classe dominante.

Mesmo nos dias da predominância legal, encontram-se Estados tradicionais, ou semi-tradicionais. Os três tipos de dominação convivem numa sociedade moderna, e nada impede que, por exemplo, durante uma crise de um Estado marcado pela dominação legal, surja um líder aclamado pelo povo, um Führer ou um Duce.
O estudo de Weber é de essência esclarecedora para a análise da história humana, o surgimento de civilizações, o poder de um líder carismático, assuntos esses percorridos pelo autor com certa clareza que nos traz novas perspectivas históricas. A ideia da legitimidade do poder ainda não é um assunto terminado, é aberto a discussões, porém é inegável a importância do pensamento weberiano sobre o tema. Sua teoria dos três tipos de dominação puros, é uma referência para estudos sociológicos, históricos e políticos.



















BIBLIOGRAFIA

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BOURDIEU, P. A Escola conservadoraas desigualdades frente à escola e à cultura. In:
NOGUEIRA, M. A.; CATANI. Afrânio (orgs). Escritos de educação. Petrópolis, Vozes, 1998.

A economia das trocas simbólicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1982.

O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz, 7. ed. Rio de Janeiro: BertrandBrasil, 2004.

MICELI, S. Introdução: a força do sentido. In: BOURDIEU, Pierre. A economia das trocassimbólicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1982.


WEBER, M. Os tipos de dominação legítima. In. COHN, G. (org) Max Weber: sociologia. SãoPaulo: Ática, 1982.