Metáfora e suas variantes
Metáfora
A intuição de
que estamos diante de uma metáfora começa quando, ao fazermos uma leitura
imediata, nos deparamos com uma impertinência. Ou se atribui a um referente
algo que não lhe diz respeito ou se classifica o referente numa classe a que
não pertence. Constatada a impertinência, o receptor da mensagem vai aplicar à
situação um algoritmo metafórico. Se a aplicação for plausível teremos a
metáfora, caso contrário, um lapso, uma impropriedade ou outro fenômeno.
O algoritmo
da metáfora comporta até quatro elementos:
§ comparado.
§ comparante.
§ atributo explícito.
§ atributo implícito.
O atributo
explícito só aparece em metáforas de segundo tipo. O atributo implícito deve
ser pertinente ao comparante e ao comparado, o atributo explícito pertinente ao
comparante. Determinar o atributo implícito é decifrar a metáfora, mas não o
atributo na sua essência e sim todas as modificações e acréscimos que decorrem
de sua ligação com o comparante. Para tanto, temos que nos basear no contexto
selecionando entre os atributos possíveis aquele ou aqueles mais plausíveis. A
decifração fica mais direcionada se o comparante tiver atributos marcados.
Atributo marcado
É aquele que
tem com seu sujeito uma relação simbólica, ou seja, a cultura convenciona que o
atributo marcado é um símbolo de seu sujeito ou vice-versa. Assim, ‘altura’ é
um atributo marcado de ‘girafa’, ‘peso’ é um atributo marcado de ‘elefante’.
Assim como na
comparação, o objetivo da metáfora é dar expressividade a uma atribuição.
A metáfora é
uma comparação elíptica em que sempre está ausente o atributo comum. Em muitos
casos também faltam as balizas de comparação: ‘como’, ‘tal qual’, etc. Quando
não há baliza de comparação, a estrutura sintática da metáfora de tipo I fica
igual à usada para estabelecer identidades. Daí a metáfora ser vista como uma
impertinência na leitura imediata.
Sejam as
frases:
Quintiliano é
o autor de Instituições Oratórias.
Aristóteles é
genial.
Maria é uma
flor.
A primeira frase serve para o estabelecimento de
uma relação de equivalência. O significado de Quintiliano é
considerado equivalente ao de autor de Instituições Oratórias.
Equivalência redutível a uma relação tautológica do tipo A é A.
Na segunda frase, o que se estabelece é uma relação
determinado determinante. O termo genial é determinante deAristóteles,
trata-se de uma atribuição.
Na terceira
frase, temos uma metáfora.
A forma
sintática das três frases é a mesma. Em função disso a metáfora numa leitura
imediata aparece como impertinência. Esta semelhança entre as formas sintáticas
não é ocasional. Sendo a metáfora uma comparação elíptica, ela nos é
apresentada pela mesma forma que se usa para estabelecer identidades. É provável
que alguma operação mental menos rigorosa que as operações lógicas estabeleça
que o semelhante pode ser tratado como idêntico. Pelo mesmo tratamento relaxado
das relações entre os objetos surgem os sofismas de arredondamento, por
exemplo.
Metáforas tipo I
São
as que explicitam comparado e comparante.
Observe os
enunciados que mostram a mesma metáfora:
Maria é uma
flor.
Maria é como
uma flor.
Maria: uma
flor.
Maria flor.
Imaginemos as
frases acima proferidas num contexto em que ‘Maria’ é uma mulher. Pela leitura
imediata concluímos que estamos diante de uma impertinência, pois, ‘mulher’ e
‘flor’ são classes disjuntas.
O algoritmo
da metáfora consiste em determinar:
O comparado: Maria.
O comparante: flor.
O atributo implícito: provavelmente bela, delicada, perfumosa,suave,
etc.
A
determinação do atributo implícito nem sempre é simples. A pertinência ao
contexto é fundamental. A metáfora é um recurso de semântica aberta e em certos
casos as incertezas quanto ao atributo implícito são grandes.
Metáforas tipo II
São aquelas
que explicitam comparado e atributo explícito.
Exemplo: cor quente.
Comparado: cor.
Comparante: temperatura
Atributo explícito: quente
Atributo
implícito: capacidade de gerar impressões fortes e enérgicas.
Um segundo exemplo: amargo regresso
Comparado: regresso
Comparante: sabor
Atributo explícito: amargo
Atributo implícito: ruim, desagradável,
etc.
Metáforas tipo III
Nesse tipo de
metáfora, o comparante substitui o comparado.
Exemplo: a chave do problema.
Comparado: solução
Comparante: chave
Atributo
implícito: capacidade de abrir portas, caminhos, etc.
Um caso
particular é aquele em que ao comparante se atribui características do
comparado. Exemplos:
O homem é um
caniço pensante.
O basset é um
salsichão de patas.
Pela metáfora
não se compara apenas objetos, mas também fenômenos. Assim, são metáforas:
Correr como
raio.
Ficar gelado
de medo.
Chorar
lágrimas de sangue.
Metáfora original e metáfora lexicalizada
A
metaforização é um processo de vasto uso na criação de léxico. Uma metáfora
pode se vulgarizar a ponto de se converter em léxico. Em muitos casos, a
percepção da origem metafórica chega a se dissipar. A metáfora lexicalizada, a
rigor, deixa de existir como metáfora.
Quando
dizemos ‘Maria é uma flor’ estamos sugerindo que o enunciado seja decodificado
por um algoritmo metafórico, no qual Maria continua a denominar uma mulher e
flor continua a designar um vegetal, ou seja, na metáfora original nem
comparado, nem comparante sofrem mutação ou transferência de sentido. Maria
continua a designar a Maria e flor continua a designar a flor. Se a comunidade
começar a chamar a Maria sempre por flor teremos uma lexicalização. O termo
flor passará a ser signo para a Maria. Neste caso estamos diante de uma
lexicalização que teve origem numa metáfora. Será justo dizer que flor passou
por uma transferência de sentido? Isso gerou a clássica concepção dos tropos
como ‘palavra tomada em outro sentido’. Essa concepção designa, a rigor, o
processo de lexicalização originado a partir de tropos. Na metáfora original
não há nenhuma alteração de sentido dos signos nela envolvidos.
Hipérbole
A hipérbole é
um caso especial de metáfora, usada para passar uma impressão de grau
extremo em que o comparante caracteriza-se por ser um extremo em relação ao
comparado.
Exemplo: demorou um século
Comparado: tempo da demora.
Comparante: um século.
Atributo implícito: demora.
O comparante
é um extremo na classe dos eventos demorados da qual faz parte o comparado.
Um caso notável de hipérbole é aquele que se orgina
de arredondamentos. O comparante é um arredondamento extremado que se relaciona
com o comparado. Um exemplo: ‘Moro onde não mora ninguém’. Numa leitura
imediata, temos uma contradição. O comparado cabível seria onde quase
ninguém mora.
Geralmente a
hipérbole apela para o maravilhoso. Alguns exemplos:
Cuspir fogo
pela boca.
Comer o pão
que o diabo amassou.
Chorar
lágrimas de sangue.
Agregado de significação da metáfora
Na frase
‘Maria é uma flor’ consideremos que a intenção seja dizer que Maria é bela. Mas
por que então usar a metáfora e não o termo próprio? Com a metáfora não se diz
apenas que Maria é bela mas também como é essa beleza, que tipo, que grau. A
metáfora agrega significação ao discurso relativamente ao enunciado próprio que
vem da sua decifração. Esse agregado de significação é que torna a metáfora um
recurso espetacular de expressão, insubstituível, em muitos casos, por
outros recursos.
Excelência da metáfora
Será tanto
melhor quando:
§ os atributos implícitos
inferidos forem muitos.
§ os atributos implícitos
forem pertinentes ao comparado.
§ os atributos implícitos
forem muito característicos do comparante.
§ pela metáfora se obtiver
palpabilidade.
§ a metáfora intensificar ou
atenuar.
Funções da metáfora
A metáfora é
usada quando:
§ não há termo próprio para
a situação.
§ o termo próprio não tem a
conotação desejada.
§ se quer evitar a repetição
do termo próprio.
§ se quer fazer comparações
palpáveis.
§ se quer direcionar a
atenção para o significante.
§ se busca novidade.
Comparações desconcertantes
Se o
enunciado ‘X é Y’ não admitir leitura imediata trata-se de metáfora. Esse
é o procedimento que comumente adotamos diante de enunciados do tipo dado.
Diante de frases deste tipo, nossas mentes começam a trabalhar automaticamente
na busca de uma semelhança entre X e Y, que viabilize a metáfora. O caso mais
frustrante seria aquele em que X e Y são tão díspares que a única semelhança
que se pode imputar aos dois é a do ser. A qualidade de uma metáfora está
associada à semelhança induzida entre os elementos X e Y.
A definição aristotélica da metáfora
A definição
aristotélica da metáfora: palavra tomada em outro sentido, embora seja
pertinente à metáfora, não a enquadra. Outros recursos de estilo se enquadram
na definição aristotélica de metáfora como o ato falho, a impropriedade, a
ironia, o oxímoro.
A metáfora
não precisa ser uma palavra, mas uma unidade semântica, que não precisa ser
mínima como é a palavra.
A metáfora não está presa a uma forma. Podemos
dizer: Maria é uma flor ou Maria florou
ainda Maria é como uma flor.
Nas três
formas subsiste a mesma metáfora.
A metáfora não se diferencia da comparação por
termos de comparação: como, tal qual, etc. A diferença
entre comparação e metáfora é que na metáfora o atributo comum está elíptico. A
metáfora é um algoritmo analógico.
Tropos
A metáfora,
juntamente com a metonímia, a alegoria, a ironia, o oxímoro e alguns
trocadilhos formam um grupo de recursos de Retórica semânticos chamados de
tropos. Os tropos caracterizam-se por parecerem impertinências numa análise
superficial, ora impertinências lógicas, ora contextuais.